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A desordem da lei ou a lei da desordem?

A Comissão de Segurança do Senado quer acelerar a votação de projeto para tipificar o crime de desordem, que pretende envolver todo participante que se encontrar agredindo ou cometendo qualquer ato de violência.

23/2/2014

As manifestações populares com a finalidade de protestar contra determinado ato do poder público ou até mesmo com relação a uma situação que causa insatisfação à comunidade, vêm se intensificando nos últimos meses com práticas reiteradas em vários Estados. Tal movimento, que brotou de forma improvisada, tomou de surpresa as autoridades encarregadas da segurança pública que, em alguns episódios, entraram em confronto direto com os manifestantes, ocasionando lesões para os dois lados. Culminou, recentemente, com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, que fazia a cobertura de um ato de contestação.

A Comissão de Segurança do Senado quer acelerar a votação de projeto para tipificar o crime de desordem, que pretende envolver todo participante que se encontrar “agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa; destruindo, danificando, deteriorando ou inutilizando bem público ou particular; invadindo ou tentando invadir prédios ou locais não abertos ao público; obstruindo vias pública de forma a causar perigo aos usuários e transeuntes; a qualquer título ou pretexto ou com o intuito de protestar ou manifestar desaprovação ou descontentamento com relação a fatos, atos ou situações com os quais não concorde". A pena é de dois a seis anos de reclusão. Na modalidade qualificada, com emprego de substâncias inflamáveis ou explosivas, saques a bens públicos e privados, a pena é majorada de três a seis anos. Em caso de lesão corporal grave, de quatro a dez anos. Se ocorrer morte, de seis a doze anos de reclusão.

Toda iniciativa legislativa que tenha como parâmetro um determinado fato que não esteja encartado explicitamente no Código Penal e carrega repercussão social expressiva, tem a tendência de colidir com outros tipos penais normatizados, porém não agrupados num só texto. Assim, para o caso pretendido, conforme a legislação à disposição, faz-se necessário lançar mão de diferentes tipos penais para acudir determinada conduta considerada contrária ao ordenamento penal. Houaiss, com a síntese necessária, definiu a desordem como sendo a “perturbação da ordem, briga, rixa, tumulto, confusão”.

O que se observa da proposta legislativa é um ato repetitivo de ilícitos já previstos no ordenamento penal. Basta ver que comumente nos agrupamentos públicos contestatórios são praticados crimes de lesão corporal, de dano, formação de quadrilha, apologia ao crime, rixa, incêndio, explosão, fabrico, fornecimento, aquisição ou transporte de explosivos e homicídio, dentre outros. Resta ao intérprete pinçar os tipos penais e fazer a adequação conveniente sem a necessidade de elaborar uma lei específica. O cidadão já habita um imenso cipoal legislativo conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que apontou 155.954 leis Federais criadas a partir da promulgação da Constituição Federal.

Mas, o entrave maior para vingar o projeto é com relação à identificação dos participantes no movimento de desordem, principalmente aqueles que se apresentam com máscaras ou camisetas escondendo o rosto. É certo que muitos dos participantes, se não a maioria, estão protestando de forma lícita, por acreditar em valores que devem ser por todos respeitados. Não obstante, existem arruaceiros, que nada mais são do que verdadeiros criminosos, que se valem desta legítima manifestação popular para saquear lojas, danificar o patrimônio público e também de particulares causando grave instabilidade à ordem pública.

Fica difícil, desta forma, fazer uma imputação coletiva abrangendo todos que participam do evento. O mascarado, que na maioria dos casos é o infrator, vai se valer de sua condição para praticar os atos considerados ilícitos e se colocar em fuga, enquanto que o pacífico manifestante arcará com a responsabilidade penal e até mesmo a civil, somente pelo fato de fazer parte do grupo reivindicante. Por se tratar de conduta de turba é difícil acompanhar os passos de cada participante e apontar o ilícito praticado. E imputá-lo genericamente a todos não é uma postura correta da Justiça.

Resta, portanto, sem delongas, já que a carruagem das manifestações continua pedindo passagem, aplicar a lei existente com o rigorismo necessário. Montesquieu, no Espírito das Leis, já falava que quando visitava um país não examinava as suas boas leis e sim se eram executadas as que existiam.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp.


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