Migalhas de Peso

O processo penal como garantia

O processo penal não pode ser vistos hoje como um simples instrumento a serviço do poder punitivo, mas, também, como aquele que cumpre o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido

18/2/2014

A história do processo penal está relacionada com o poder mais primitivo: o poder punitivo. Se hoje a Constituição Federal prevê o devido processo penal derivando deste as garantias do contraditório, da ampla defesa, da igualdade das partes, da publicidade dos atos processuais, da licitude das provas, da proibição da tortura, da presunção de inocência, do julgamento por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, da proibição do tribunal de exceção, necessário lembrar que nem sempre foi assim. Antes do processo como garantia constitucional no qual o Estado detém o monopólio da administração da justiça, da aplicação do direito e da prestação jurisdicional, outras formas de composição do litígio prevaleciam. Uma das formas bastante usual para a solução dos conflitos era a "autodefesa" ou "defesa privada" na qual o agredido ou o ofendido através da coação particular e do emprego da força resolvia ou pelo menos tentava resolver o conflito. Tal solução muitas vezes resultava em injustiças já que nem sempre o ofendido era mais forte e poderoso do que o ofensor. A força era o meio de defesa. Outra forma de solução de conflitos era a "autocomposição", que em algumas situações e com as apropriadas transformações vigora ainda hoje na solução de alguns conflitos.

A partir do momento em que o Estado abole a vingança privada e assume o poder punitivo surgi o processo penal como caminho juridicamente indispensável para a imposição da sanção penal. Portando O Estado passou a ter o monopólio do jus puniendi (direito/poder de punir). Não é sem razão que fazer justiça pelas próprias mãos constitui crime contra a administração da justiça sob o nomen juris "exercício arbitrário das próprias razões" (art. 345 do Código Penal).

Contudo, o processo penal conforme ressalta Aury Lopes Jr., não pode ser vistos hoje como um simples instrumento a serviço do poder punitivo, mas, também, como aquele que cumpre o imprescindível papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Como bem alertado pelo citado autor, em sua obra Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional (5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010), "há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forme rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal)".

Por tudo e, principalmente, por razões humanitárias é que no Estado de direito não há abrigo para barbárie. Os que se intitulam "justiceiros" e creem estarem fazendo "justiça" por conta própria são verdadeiros bárbaros, atrozes e inumanos, mas até mesmo estes merecem um julgamento justo com todas as garantias inerentes ao devido processo legal, pois no Estado de direito não há lugar para vingança de sangue e, muito menos, para vandalismos, barbaridades e justiçamentos.

Por fim, como bem já asseverou o ministro Celso de Mello (decano do Supremo Tribunal Federal), "O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode demitir-se, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo, na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor deque a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional."

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* Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados.

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