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O direito do licitante indevidamente desclassificado em licitação à indenização pelos lucros que deixou de auferir: recente precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu o direito de empresa que teve a sua proposta indevidamente desclassificada a ser indenizada pelo Banco do Brasil. Ao julgar a apelação 2000.01.1.097181-0, o TJDF manteve a sentença que condenara o Banco do Brasil a indenizar o licitante invalidamente desclassificado.

14/12/2005


O direito do licitante indevidamente desclassificado em licitação à indenização pelos lucros que deixou de auferir: recente precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal


André Guskow Cardoso*


O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu o direito de empresa que teve a sua proposta indevidamente desclassificada a ser indenizada pelo Banco do Brasil. Ao julgar a apelação 2000.01.1.097181-0, o TJDF manteve a sentença que condenara o Banco do Brasil a indenizar o licitante invalidamente desclassificado.


Após a desclassificação de outro licitante, a empresa havia ficado com o menor preço na licitação. Porém, sem que houvesse previsão no edital, o Banco do Brasil exigiu a apresentação de amostra dos equipamentos que seriam objeto do futuro contrato. O exame dessa amostra foi produzido de forma sigilosa e sem que houvesse a possibilidade de participação dos licitantes (e da empresa que formulara o menor preço). A empresa veio a ser notificada apenas do resultado final da licitação, que indicou que sua amostra havia sido reprovada e que o objeto da licitação havia sido adjudicado a outra empresa. A empresa se opôs à posição do Banco do Brasil, que não adotou nenhuma providência, rejeitando o seu recurso administrativo.


A questão foi submetida ao Judiciário e ao Tribunal de Contas da União.


Este último, enquanto pendia de julgamento a medida judicial, proferiu decisão (de nº 1.237/2002-Plenário) acolhendo a representação da empresa licitante e reconhecendo que, no caso concreto, não era viável ao Banco do Brasil desclassificar a licitante com base no exame de amostra. Conforme o Tribunal de Contas, “No caso concreto, a comissão de licitação cometeu várias ilegalidades quanto à observância destes cuidados. A comissão procedeu aos testes de conformidade sem possibilidade de acompanhamento por parte da empresa representante; declarou outra empresa vencedora do certame, sem notificar a representante de sua desclassificação e sem apontar as causas do ato; rejeitou, posteriormente, o recurso interposto por intempestividade, que efetivamente não ocorria. (...) O fato é que o procedimento adotado pela comissão de licitação foi irregular e conduzido de forma arbitrária, sem transparência e sem possibilidade de contraditório e de ampla defesa”.


Posteriormente, esse entendimento foi confirmado pela sentença proferida pelo juiz de primeiro grau. Reputou-se que “na hipótese vertente, o requerido não só realizou a avaliação do equipamento licitado de forma inusitada, como também, sequer se dignou tornar pública a metodologia aplicada pelo expert e tampouco o resultado do teste, limitando-se a noticiar no DOU que a vencedora teria sido a outra empresa licitante, com total menoscabo à moralidade administrativa, impossibilitando qualquer reação da parte prejudicada”. Conforme a sentença, “o procedimento foi conduzido de forma ilícita, violou os princípios da legalidade, moralidade, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo, causando prejuízos à requerente que estava classificada em primeiro lugar e, no curso normal das coisas e circunstâncias, teria sido declarada vencedora. Restou, pois, frustrada a possibilidade objetiva e concreta de lucro da requerente, fazendo emergir o dever de indenizar pelos lucros cessantes”. A conclusão do Judiciário foi de que “no caso posto em juízo o requerido de forma ilícita, utilizando-se de meios arbitrários, desclassificou concorrente que apresentava melhores condições de contratar, causando-lhe prejuízos injustificados”.


Com o julgamento do TJDF, no último dia 28 de novembro, foi confirmada a sentença. Reafirmou-se o direito do licitante indevidamente excluído do certame ser indenizado pelo lucro que deixou de auferir com a contratação.


O precedente apresenta extrema relevância, sob vários ângulos.

Por um lado, reconhece que a Administração, quando produz o exame das propostas formuladas em certame licitatório, não pode fazê-lo de forma sigilosa ou de modo a impedir o acompanhamento da avaliação por parte os licitantes.


Por outro lado, corrobora a necessidade de que todo e qualquer fator de julgamento das propostas seja previamente e objetivamente estabelecido pelo ato convocatório, devendo ser aplicado de forma objetiva pela Administração.


Além disso, reconheceu-se que, na medida em que seja imprescindível ao Poder Público exigir a apresentação de amostras pelos licitantes (de modo a assegurar a qualidade da contratação), o seu exame deve ser produzido na forma previamente definida pelo edital, assegurando-se o devido processo legal. Isso significa tanto a possibilidade de os licitantes acompanharem a realização dos referidos exames, como a viabilidade de interposição de recurso em face da decisão que for proferida a esse respeito (sendo dever da Administração examinar os fundamentos do recurso).


Por último, o precedente confirma que, se a eliminação do licitante que venceria a licitação se deu de forma ilegal, surge o dever de indenizá-lo pelos lucros que deixou de obter com a contratação indevidamente frustrada pela conduta reprovável do Poder Público.
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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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