Migalhas de Peso

Contrato de namoro

Nada obsta que um casal estipule direitos e deveres por meio de um documento formal, dê a ele publicidade e o arquive em cartório.

15/1/2014

O advogado, assim como outros profissionais do Direito, é frequentemente consultado sobre temas polêmicos, que o Poder Judiciário deverá enfrentar.

Até pouco tempo atrás, era juridicamente e moralmente questionável a instituição familiar conhecida como "união estável". Tais acontecimentos e fatos mostram que a evolução do direito se dá através de quebras de conceitos que envolvem a moral, a religião, os costumes, a ética, dentre outros temas correlatos e não menos importantes.

O reconhecimento pela doutrina e pelos tribunais de que esta relação pode-se converter em companheirismo conduz a efeitos jurídicos relevantes, tais como direito aos alimentos, à herança, à partilha de bens e deveres recíprocos de convivência.

Com o julgamento do STF da ADIn 4.277 e da ADPF 132, oportunidade em que se discutiu e convalidou-se o reconhecimento como instituição familiar também a "união homoafetiva", pode-se ainda dizer que é questionável e, por assim ser, pende de regulamentação legal específica a concretização dos direitos e deveres originados desta relação.

Mesmo com a tradição e costumes, é difícil, dada a tenuidade, estabelecer a diferença do simples namoro para a união estável, haja vista que não mais é imprescindível o tempo de existência da relação.

Tradicionalmente, casais, primeiramente, iniciam um relacionamento através de um namoro, que evolui para um noivado e após se dá o casamento.

Contudo, não se pode confundir o namoro que, segundo o dicionário Aurélio, é uma palavra que comporta acepções como "inspirar amor a; apaixonar; cativar; atrair; seduzir; manter relação de namoro com;", com a chamada de "união estável", esta entendida como uma convivência pública, contínua e duradoura, com fins de constituir família.

Assim, devido ao formalismo, responsabilidades e compromissos que a união estável e o casamento representam, alguns casais optam por apenas viverem a paixão e também morarem juntos, seja em virtude da comodidade, seja em virtude da ausência de consequências legais, também considerando a possibilidade existente de separação.

Observado isto, o "contrato de namoro" é uma alternativa segura para o casal que pretende, por certo tempo, manter a sua relação fora do âmbito de incidência das regras da união estável?

Embora haja uma diferença enorme entre tais institutos, o precavido, que tem o intuito de proteger o patrimônio atual e futuro durante o namoro, pode, sem dúvida alguma, confeccionar com seu parceiro/namorado o que está sendo denominado de "contrato de namoro".

Este "contrato de namoro" é o instrumento pelo qual as partes contraentes terão, através de um contrato escrito e elaborado em consonância com os interesses do casal, direitos e deveres que os resguardem de eventual e talvez indesejada interveniência do Poder Judiciário, sobretudo quando se trata de direitos disponíveis.

Esta é uma alternativa viável e não vedada pelo ordenamento jurídico, eis que voluntariamente as partes envolvidas arquivarão no cartório de títulos e documentos suas obrigações e deveres no relacionamento.

Assim, evita-se a indesejada insegurança jurídica, pois infelizmente as palavras e desejos podem mudar ao longo do tempo, ao passo que um documento bem redigido, com caráter público e em que conformidade com a ordem jurídica, pode e deve ser visto com bons olhos.

Agindo desta maneira, evita-se perdas de tempo e dinheiro que podem cominar numa futura discussão judicial, que além de trazer morosidade a uma questão que poderia ser facilmente resolvida, se traduz em uma infinidade de desgastes, sobretudo o emocional.

Releva salientar que tal medida não fere em nada os costumes, a ética, a religiosidade e a moral dos contraentes, tampouco revela-se como um expediente que seja contrário as leis já existentes.

Importante pontuar que cada vez mais a sociedade procura se assegurar juridicamente, seja no âmbito do trabalho ou comercial, assim como no tocante aos relacionamentos havidos, o que leva à conclusão de que tal "contrato de namoro" vem apenas consolidar uma situação já existente na sociedade em geral.

Tal procedimento não pode ser visto apenas do ponto de visto jurídico. Há que se levar em consideração que tal conduta pode aparentar ao outro parceiro um sentimento de desconfiança, insegurança ou mesmo receio excessivo com os bens materiais em detrimento dos sentimentos, o que levaria à discussões e ofensas recíprocas. Pode soar complicado e inoportuno tocar em um assunto de grande relevância como este, principalmente enquanto se está vivendo uma paixão. Além disso, tratando-se de ser humano, em que há diversidade enorme da forma e intensidade de sentimentos, colocar este assunto em discussão se revela ainda mais difícil. Porém, esta cultura precisa acabar. Diante do posicionamento das leis e jurisprudência, o "normal" deverá ser a assinatura do contrato, e não o contrário.

Entretanto, a história mostra que questões delicadas e de difícil tratamento foram superadas, quebraram-se paradigmas e derrubaram-se conceitos.

Conclui-se que não sendo o "contrato de namoro" vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, nada obsta que um casal, após muita reflexão e de comum acordo, através de um documento formalmente redigido e bem elaborado por um advogado, estipule direitos e deveres, dê a ele publicidade e o arquive no cartório competente, o que, obviamente, não impede que o acordo disposto não possa ser questionado futuramente perante o Poder Judiciário. Mas melhor evitá-lo.

A melhor atitude é a preventiva, e é melhor gerar uma indisposição agora do que grandes perdas patrimoniais e também emocionais no futuro.

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* Gustavo Brígido de Alvarenga Pedras é diretor adjunto de Direito Internacional do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais.






* Ricardo Grossi Rocha é advogado.

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