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O Cônjuge herdeiro

Entre tantas inovações trazidas no nCC que atenderam de forma efetiva aquilo que representa o mais justo anseio da sociedade brasileira, uma delas que causará controvérsias é aquela que altera a posição do cônjuge na vocação hereditária.

27/5/2003

O Cônjuge herdeiro

Antonio Ivo Aidar*

Entre tantas inovações trazidas no Novo Código Civil que atenderam de forma efetiva aquilo que representa o mais justo anseio da sociedade brasileira, uma delas que causará controvérsias é aquela que altera a posição do cônjuge na vocação hereditária. Enquanto no texto vigente o marido e a mulher são herdeiros facultativos, o codex que já vige desde 10 de janeiro de 2.002, erigiu o consorte à condição de herdeiro necessário. Concorrerá ele com os descendentes, na forma daquilo que estipula o inciso I, do artigo 1829 e no artigo 1845. Todavia, na mesma proporção que se traveste de vanguardeiro ao tratar das relações entre pessoas casadas, ele retrocede ao estipular os direitos dos cidadãos que convivem em União Estável. O artigo 1790, do Novo Código Civil, mantém os direitos já alcançados pelos companheiros no que pertine à meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência; porém, não eleva o companheiro à condição de herdeiro necessário. Ainda que procedendo uma análise perfunctória da questão, parece-nos que o novo texto, fabricante esta diferença entre cônjuges e companheiros, fere o ditame constitucional, ou seja, o § 3º, do artigo 226, da nossa Carta Maior. Esta igualou os direitos conferidos no casamento pelo regime da Comunhão Parcial de Bens, àqueles das pessoas que coabitam, ou não, sob o mesmo teto (vide súmula 382, do STF), em União Estável. No Novo Código o companheiro participa da sucessão nos termos do disposto pelo artigo 1790 e, não de acordo com o que dispõe o artigo 1829, o que seria justo, correto e coerente.

Com a nova redação do Código, o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da Comunhão Parcial de Bens, além da sua meação de 50% (cinqüenta por cento) dos bens adquiridos no curso do casamento, concorrerá com seus descendentes, ou descendentes, apenas do outro consorte, na condição de herdeiro necessário, herdando por cabeça. Mais ainda, sua cota parte não poderá ser inferior a ¼ (um quarto) da meação do falecido. Nunca é demais repetir, no afã de esgotar-se a matéria, o fato de que, a qualquer percentual que virá receber, somar-se-ão os seus 50% (cinqüenta por cento) da meação a que tem direito. No caso vertente, o cônjuge somente não herdará se inexistir bens particulares.

Inexistirá a condição de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente, quando o casamento tiver sido celebrado pelo regime da Comunhão Universal de Bens e Separação Obrigatória de Bens. Herdará, todavia, quando o falecido tiver deixado bens adquiridos anteriormente ao casamento, isto é, bens de família e os advindos de herança, doação ou legado. Estes são os chamados bens particulares, obtidos sem a concorrência do outro cônjuge. Resta claro dessa forma que, em tendo as partes convolado núpcias pelo regime da Comunhão Parcial de Bens, tendo adquirido bens anteriormente à união, e, tendo recebido bens de herança, doação ou legado, no falecimento de um deles, o sobrevivente será tido como meeiro e herdeiro, dos bens do cônjuge falecido.

Fazendo uma breve análise do disposto pelo artigo 1829 do novo texto civil, chega-se à inexorável conclusão de que o mesmo é colidente com o § 3º, do artigo 226, da nossa Constituição Federal e com o artigo 1790, "caput", do codex ora comentado.

Se a união estável é reconhecida como uma entidade familiar, basta que haja transparência para a sociedade de que os companheiros vivam como se marido e mulher fossem, para que sejam reconhecidos e garantidos àquela sociedade fática, os mesmos direitos e obrigações conferidos àqueles que se casam pelo regime da Comunhão Parcial de Bens. Ao nosso ver, inexiste necessidade da prova de mantença da união com longo lapso temporal, para que os conviventes ganhem o direito de partilhar os bens adquiridos na constância dessa união.

Assim, se duas pessoas de sexo opostos comunicarem à comunidade em que habitam, o fato de que passaram a viver como se esposo e esposa fossem, farão nascer nesse momento a União Estável. Por exemplo: se passados 12 (doze) meses dos fatos acima relatados, tendo o casal adquirido bens, e vindo um deles a falecer, o sobrevivente terá direito à meação das propriedades móveis e imóveis compradas no curso da convivência. É nesse momento que nasce o antagonismo com o artigo 1829 do novo diploma legal, que assim estipula: "Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separadas judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos (g.n.), salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".

Pois bem. Sem justo motivo o marido separa-se de fato da mulher e, dois meses após, passa a viver em união estável com outra pessoa. Adquire ele bens e, 12 meses após vem a falecer. Óbvio nos parece que a sociedade legal estava desfeita, tendo o falecido constituído nova entidade familiar. Nesse caso, torna-se inaplicável aquilo que vem inserto no texto legal ora sob nosso crivo.

Nos termos do artigo 1821, ocorreu avanços para aqueles que são casados, uma vez que, em qualquer regime de bens, o cônjuge sobrevivente terá resguardado o direito real de habitação. Por seu turno, os conviventes perdem tal benefício, que lhes era assegurado pelo § único, do artigo 7º, da Lei nº 9278/96. Também nesse caso, emendas, súmulas e jurisprudências tratarão de fazer retomar a isonomia de direitos, entre pessoas casadas e conviventes. Já se fala, inclusive, que o novo Código não revogou expressamente aquilo que estampa o § Único, do artigo 7º, da Lei nº 9278/96.

Na ocorrência do cônjuge sobrevivente concorrer com os ascendentes (pais e avós) do cônjuge falecido, ficará com 1/3 (um terço) da herança, estando ambos os ascendentes vivos. Havendo apenas 1 (um) dos ascendentes vivo, ou, concorrendo o cônjuge sobrevivente com os avós ou bisavós do cônjuge falecido, caberá àquele metade da herança. Nunca é demais lembrar que, além da herança, o cônjuge sobrevivente terá direito à sua meação. No caso dos companheiros, concorrendo eles com ascendentes ou colaterais até o 4º grau, além da meação, terão direito a 1/3 da parte que cabia ao falecido. Inexistindo ascendentes e colaterais, caberá ao companheiro supérstite, a totalidade da herança.

Embora o novo texto legal não contemple os companheiros como herdeiros necessários, acredito piamente ser apenas uma questão de tempo, o fato da jurisprudência pátria vir agasalhar tal direito. Ocorrendo este fato, restará ocorrendo apenas a recolocação dos direitos em seus devidos lugares.

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*sócio do escritório Felsberg, Pedretti, Manrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais e Conselheiro da OAB-SP.

 

 

 

 

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