O Reidi - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura , foi criado com o intuito de estabelecer incentivos a investimentos privados em infraestrutura, entre eles o setor de energia. Criado por meio da lei 11.488/07, o referido regime suspende a exigência da contribuição para o PIS/Pasep e para a Cofins, totalizando uma redução de 9,25% no custo dos materiais, serviços e equipamentos em projetos privados do setor.
Na prática, o deferimento do Reidi passa por três órgãos até que o empreendedor possa fazer uso do benefício. Na primeira fase, realizada pela Aneel, ocorre uma análise material dos documentos enviados pelas empresas para o enquadramento - documentos estes estipulados taxativamente em regulamento próprio. A segunda fase, de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia, é iniciada após o recebimento da Nota Técnica favorável ao enquadramento emitida pela Aneel. Nesta fase, o ministério não faz nenhum juízo de admissibilidade ou não do enquadramento, apenas é responsável pela publicação da portaria de admissibilidade. A terceira fase está sob a responsabilidade da Receita Federal, que após ser informada pelo empreendedor da publicação da portaria, autoriza finalmente o empreendedor a usar o benefício.
Atualmente, o problema está justamente na segunda fase, pois o MME parou de emitir todas as portarias de enquadramento do Reidi, sob o argumento de não possuir quadro técnico suficiente para atender à instrução normativa 1.307/12 da Receita Federal. Em uma tentativa de resposta a esse cenário crítico, em 21 de agosto deste ano, o Ministério de Minas e Energia fez publicar a portaria 274, a qual fixou novas regras para adesão ao Reidi para projetos de geração e transmissão.
No edital de leilão consta que o empreendedor deve enviar seu preço já com o benefício do Reidi.
É sabido que a intenção do MME foi a de destravar o programa de incentivo fiscal paralisado desde março, mas a portaria traz algumas obscuridades que podem, inclusive, atrasar ainda mais os novos e os já existentes pedidos de análises não aprovados até a presente data.
Com esse entrave, as empresas do setor que possuem empreendimentos novos estão sob um grande dilema, qual seja, não atrasar seus cronogramas de obras e assumir o prejuízo da incidência do PIS/Pasep e da Cofins, ou suspender seus cronogramas até uma solução do impasse e correr o risco de multas da Aneel por atraso nos prazos de entrada em operação previstos em contrato de concessão.
Não há como imputar o prejuízo por um fato da administração ao concessionário, uma vez que seria impossível exigir deste empreendedor que previsse e ainda que evitasse o não deferimento do benefício previsto legalmente e, o pior, que previsse uma mudança na regra de habilitação no meio do processo em trâmite. Nestes casos, no próprio edital de leilão da Aneel consta a obrigatoriedade do empreendedor de enviar seu preço já contando com o benefício do Reidi, não sendo, portanto, uma mera alternativa deste último se inscrever ou não no programa de benefício. Sendo mandatório, e com base no princípio da boa-fé objetiva, é lícito se esperar que depois de cumprido todos os pré-requisitos estabelecidos em legislação específica, o empreendedor tenha o seu direito de usufruir do benefício concedido.
Vale frisar, ainda, que até então, todos os empreendedores que atenderam aos pré-requisitos estabelecidos em lei tiveram seus processos de habilitação no Reidi deferidos, sendo, portanto, impossível exigir do empreendedor que previsse ou mesmo imaginasse que as habilitações seriam suspensas e tampouco que as regras pré-estabelecidas mudariam no ínterim do processo de habilitação.
A omissão do Estado em não publicar o enquadramento do benefício é classificada como Fato da Administração, ou seja, um comportamento da administração pública que tem o poder de tornar impossível a execução do contrato ou ainda provocar o seu desequilíbrio econômico financeiro.
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça entende que, sob a perspectiva do direito administrativo consensual, os particulares que contratam com a administração pública devem ser vistos como parceiros, devendo o princípio da boa-fé objetiva e aqueles relativos à tutela da legítima expectativa reger as relações entre os contratantes públicos e privados.
Para a Aneel, inicialmente, o risco do não deferimento do Reidi é do empreendedor, não gerando, nestes casos, direito de reivindicação que vise modificar o valor ofertado pela não fruição total ou parcial do benefício, em especial quanto ao desequilíbrio econômico financeiro do contrato. Este posicionamento se baseia em cláusula dos editais dos leilões realizados até a presente data, que afastariam a possibilidade de pedido de reequilíbrio contratual para os casos de deferimento parcial
ou não deferimento do Reidi. Contudo, discordamos veementemente do posicionamento da Aneel, e no nosso entender, essa cláusula somente pode ser aplicada para aqueles casos em que o concessionário der causa ao não deferimento ou à morosidade no deferimento do mesmo.
Diante da imprevisibilidade e, ainda, da inevitabilidade por parte do empreendedor, e com base na legislação aplicável ao setor, entendemos que, comprovado o prejuízo do concessionário, este terá o direito de ser ressarcido e ter o seu contrato de concessão devidamente reequilibrado. Caso contrário, traríamos aos contratos, e porque não dizer ao modelo do setor, uma grande insegurança jurídica que, cabalmente, levaria ao afastamento dos investidores, indo diretamente no sentido contrário à motivação da criação do próprio Reidi.
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* Eduardo Queiroz Nobre é advogado e sócio responsável pela área de direito público do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados.
* Tiago M. Lobão Cardoso Cosenza é advogado e coordenador do departamento de infraestrutura e regulação do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados.