Migalhas de Peso

Adoção multiparental

A adoção multiparental deve ser considerada como repercussão natural dos fatos da vida.

19/12/2013

Agora, pela primeira vez no país, uma decisão judicial admite acrescentar ao registro de nascimento de menor adotado, o nome de seu genitor e de seus avós paternos, mantendo-se a paternidade adotiva e registral, com o acréscimo do patronímico do pai biológico.

A decisão foi proferida pelo juiz de Direito Clicério Bezerra e Silva, da 1ª vara de Família do Recife, em Ação de Investigação de Paternidade em que a filha adotada, em expressão de sua identidade genética, com anuência expressa dos pais adotivos e do próprio investigado, requereu o reconhecimento do vinculo biológico para os fins de admissão da multiparentalidade existente, quando, predominantemente, as relações de afetividade reúnem todos. (Processo : 0034634-20.2013.8.17.0001, j. em 1/10/13).

Pois bem. É consabido que o instituto da adoção que atribuiu a situação de filho ao adotado (art. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1.626, C">1.626, CC), constitui um vínculo parental civil, na forma do que dispõe o art. 1.593 do CC, por se tratar de parentalidade decorrente de outra origem que não a natural resultante da consangüinidade. Ocorre que, em seus efeitos jurídicos, carrega consigo, ope legis, a ruptura instante de qualquer vínculo com os pais e os parentes consanguíneos (art. 1.626, 2ª parte, CC).

Mais precisamente, vínculos anteriores são desfeitos, por força da lei, rompendo as relações da parentalidade natural, vindo estas ser substituídas pelas do afeto, afinal configuradas no novo vínculo oferecido pela adoção. No caso, serão aqueles vínculos findos, quando preexistentes, na filiação biológica e registral. Diferentemente, aliás, dos casos de reprodução assistida heteróloga, quando sequer se faz estabelecido vinculo parental entre a criança concepta e o doador do material fecundante (art. 1.597, V, CC).

E quando inexiste filiação registral, porquanto desconhecido o pai, por certo tempo, ou no ponto, desconhecendo o pai a existência do filho, a tanto por isso mesmo não expressando sua concordância com a adoção (art. 1.621 e § 1º, CC)?

Nessa hipótese, o vínculo biológico preexistente, sem dispor de registro, cede inexoravelmente frente à adoção, quando os fatos da vida aproximem o pai biológico do filho que veio, com sua insciência, ser adotado?

Hipótese tal reclama, às expressas, configurar-se uma adoção multiparental, onde, diante das circunstâncias dos fatos, a afetividade construída pela adoção poderá ser somada, ao depois, à afetividade resultante de iniludível vínculo biológico que se faça mais presente na convivência entre aquele pai biológico e o filho então inserido em família substitutiva (pela adoção).

É exatamente o caso julgado, a servir, com a maior relevância jurídica, de “leading case”.

A decisão judicial confortou-se, inegavelmente, em consolidar no plano jurídico a dupla paternidade fática, como admitiu o magistrado, quando incontroversos os fatos de que a criança nunca deixara de manter laços de convivência com aquele que indicou depois ser seu pai, a tanto a reconhecendo como filha, em mesmo liame de afeto, para além de um mero vínculo biológico.

Assinalou o juiz decisor que “o caso revelado pelos meandros destes autos, diz respeito à possibilidade da multiparentalidade por meio da cancela judicial, circunstância a particularizar e impingir relativo ineditismo ao caso em julgamento, não obstante existirem pontuais decisões em demandas com certa similitude.” No ponto, apontou que os fatos reclamam a devida tutela estatal à nova formatação de entidade familiar, sustentando que com o advento da CF, “restou superado o reconhecimento tão somente ligado aos limites formais em matéria de prova da parentalidade, passando-se a admitir um pensamento pluralista nas formas de reconhecimento da filiação.”

Em avaliação da prova, exaltou o magistrado que, com exatidão fática, o convívio da autora “permeava ambas as famílias em momentos de lazer e evidentes demonstrações de afetividade estreita com os pais, inclusive juntos aos seus irmãos, filhos do Sr. G.” (o pai biológico).

De fato. É sinalagmática a sua assertiva que “a verdadeira paternidade se consolida por meio das relações de carinho, acolhimento, confiança, de um bom exemplo dado, momento em que os filhos encontram nos pais a figura de referência em suas vidas. Essa identidade há de ser protegida pelo direito.”

A jurisprudência mais moderna vem construindo avanços significativos, a partir de algumas premissas de base essenciais. Vejamos:

(i) “Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.” (STJ – 3ª turma, REsp. 1274240, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. em 8/10/13);

(ii) “(...) a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. (STJ – 4ª turma, REsp 1115428-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 27/8/13);

Nessas latitudes, dois postulados se apresentam imediatos e incólumes:

(i) a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica ou vice-versa, terá, em quaisquer dos casos, como principal fundamento o interesse do próprio menor, e/ou os da consolidação e estabilidade do grupo familiar irretocável, sempre na diretiva da dignidade da pessoa: (ii) a parentalidade múltipla guarda conformidade com os fatos da vida, para integrar-se em inexorável liame com o valor do afeto ao contexto personalístico da pessoa, nas relações de filiação que possua, juridicamente consideradas e reconhecidas.

Bem de ver que em julgado também paradigma, admitiu-se, muito além dos limites da adoção conjunta apenas destinada a duas pessoas que forem marido e mulher ou conviventes (art. 1.622, CC), a possibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos, em face do infante. (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1217415-RS, j. em 19/6/12), com interpretação ampliativa do art. 42, parágrafo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90).

Logo, resta concluir que em sendo a multiparentalidade um fenômeno social-familiar de consenso, entre todos os protagonistas do afeto, por opção que dignifica a todos, a adoção multiparental, nessa mesma toada, deve ser considerada como repercussão natural dos fatos da vida. La vita è bella!!!

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* Jones Figueiredo Alves é desembargador decano do TJ/PE e diretor nacional do IBDFAM.

 

 

 

 






 
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