Como é sabido, há dispositivos legais que permitem, observados determinados requisitos, a chamada inversão do ônus da prova no processo.
É o que acontece, à guisa de exemplo, por força do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, transferindo-se a contraprova de certas alegações feitas pelo consumidor ao fornecedor.
Esse benefício em favor do consumidor poderá ser concedido, inclusive ex officio, quando, a critério do magistrado, "for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".
O CDC não dispensa do demandante, por óbvio, o ônus de afirmar.
A rigor, o que ocorre é a dispensa da prova do fato constitutivo do direito do consumidor, com incumbência ao fornecedor de fazer prova das ilações apresentadas em defesa substancial direta ou indireta.
Na verdade, como afirma Paulo Henrique dos Santos Lucon, "a inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor nada inverte, pois inverter vem do latim invertere e significa mudar a ordem de, dispor de maneira contrária ao normal" (destaques originais).
A inversão do ônus probandi conduz à dispensa da parte de fazer prova de algum fato por ela alegado, ou seja, dispensa a lei que o demandante faça prova efetiva do fato constitutivo de seu direito, não sendo suficiente ao demandado apenas impugnar as alegações feitas pela parte contrária.
Além da inversão prevista em casos específicos pela lei, discute-se atualmente a possibilidade de alteração ope iudicis da distribuição estática prevista no art. 333 do CPC.
Trata-se da chamada dinamização do ônus da prova, que consiste na "superação, pelo juiz, das regras legais sobre o ônus da prova, de modo a fazer recair o encargo de comprovar determinado fato sobre a parte que tem mais facilidade na produção da prova, embora não estivesse ela inicialmente onerada".
O tema tem ocupado a atenção tanto da doutrina como da jurisprudência, inserindo-se, ainda, na pauta de discussões sobre o projeto de novo CPC (no qual a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova encontra previsão expressa no art. 358 do PL 8.046/10 da Câmara).
A dinamização do ônus da prova não implica propriamente a inversão, mas sim a correta imputação pelo juiz do encargo de produzir de determinada prova a uma das partes.
Isso ocorre, nas palavras de Antônio Janyr Dall’Agnol Junior, "em primeiro lugar, no interesse de propiciar a melhor solução para o processo (interesse público) e, em segundo lugar, no interesse da própria parte de contornar uma probatio diabólica (interesse particular)" (destaques originais).
Para Paulo Henrique dos Santos Lucon, a recepção de tais ideias no Brasil se deu por meio da doutrina argentina das "cargas probatorias dinámicas", "desenvolvida, sobretudo, a partir de casos de mala práxis médica pela pena de Jorge W. Peyrano" (destaques originais).
Fazendo referência à doutrina argentina das "cargas probatorias dinámicas", Paulo Henrique dos Santos Lucon assevera que, "com ela, visa-se superar a probatio diabolica, transferindo a contraprova de determinados fatos à parte contrária, quando esta possua conhecimentos científicos, técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade para sua demonstração" (destaques originais).
Seja qual for a origem, dinamizar o ônus da prova, segundo Camilo Couto, "implica estabelecer favor probationis em prol do demandante, transferindo o encargo de provar a inveracidade de certas alegações suas ao réu. Há uma alteração do próprio objeto da prova, presumindo-se existente, no próprio processo e por obra do juiz, o fato constitutivo do direito do autor, para que caiba então ao réu produzir a respectiva contraprova, sob pena de julgamento desfavorável" (destaques originais).
O fundamento para essa dinamização é, primeiramente, a igualdade das partes; para alguns, ainda, a posição privilegiada com relação ao material probatório faz com que o dever de colaboração da parte se acentue ao ponto de atribuir-lhe encargo que, ordinariamente, não é seu.
Conclui-se que a análise da teoria das cargas dinâmicas deve levar em consideração duas questões fundamentais.
De um lado, deve se averiguar a legitimidade da prática judicial consistente em relativizar a rígida previsão legal do artigo 333 do CPC.
Superada que seja a primeira questão e estabelecidos os critérios para aferir os limites dentro dos quais a dinamização é possível, cumpre estabelecer o momento em que isso deve ser feito no processo.
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Bibliografia
Paulo Henrique dos Santos LUCON. Formalismo Processual e Dinamização do Ônus da Prova. “In” Processo Civil – Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012.
Antonio Janyr DALL’AGNOL JUNIOR. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios (ensaio seminal sobre o tema). “In” Revista Jurídica, nº 280. Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, 2001.
Camilo José D’Ávila COUTO. Dinamização do ônus da prova: teoria e prática. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011.
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