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Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no Novo CPC e a necessidade de sua restruturação

Ainda que exista injustificável impaciência quanto às críticas ao Novo CPC, o fato é que o IRDR não passa incólume pela crítica de que o arquétipo procedimental projetado possa frustrar os objetivos augurados.

20/11/2013

O projeto de Novo CPC1, atualmente na Câmara dos Deputados, tramita agora sob a epiteto de "Emenda Aglutinativa Substitutiva Total", como apresentada pelo Relator-Geral Deputado Paulo Teixeira.

A análise do Novo CPC, ao que percebemos da última sessão, foi fatiada objetivando o melhor deslinde dos trabalhos legislativos, pelo que o projeto será votado de forma seccionada, livro por livro.

A par disso, como há tempo para melhora do projeto — mesmo porque retornará ao Senado —, pensamos que o incidente de resolução de demandas (IRDR) repetitivas merece alteração qualitativa na sua estruturação.

Ainda que exista injustificável impaciência quanto às críticas e aos críticos do Novo CPC, o fato é que o IRDR não passa incólume, sem retenções, pela crítica de que o arquétipo procedimental projetado possa frustrar os objetivos augurados.

Precisamente, o IRDR é uma ótima ideia enquanto instituto processual, a merecer encômios na academia e sobretudo a chancela pelo Poder Legislativo.

Deveras, o IRDR é mais um passo no caminho iniciado pelo regramento dos recursos especiais repetitivos (artigo 543-C do Velho CPC), visando afastar a insegurança jurídica, garantindo a isonomia, que a divergência intestina engendra no organismo jurídico, com o comprometimento da própria pretensão de eficácia do Direito.

Confesso que sou reticente às alegorias de GOLDSCHMIDT, sobre o estado da guerra inaugurado pelo debate judicial, momento em que os direitos passam para a ponta da espada, cujo suprassumo é a seguinte passagem de sua obra: "a incerteza é consubstancial às relações processuais, posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança."2

Justamente, e confessadamente, o IRDR tenciona evitar a quebra de isonomia, preservando a estabilidade do Direito (segurança jurídica), com a apreciação atomizada de determinada questão de Direito3.

Em específico, o IRDR atomiza determinada questão de Direito, comum a diversas demandas — que passam a ser adjetivadas de "repetitivas" pela presença da referida questão4 —, submetendo seu desate ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal.

Por conta disso, a questão atomizada é submetida ao Tribunal respectivo, passando a funcionar como prejudicial ao julgamento dos feitos, razão porque o provimento posteriormente emitido na IRDR é imposto tanto aos feitos "repetitivos" sobrestados quanto aos processos vindouros5.

Cumpre sublinhar, colocando de lado o receio de demorarmos em proclamar uma platitude, a atomização da questão de Direito permite a fixação de uma tese jurídica cuja aplicação se fará nos casos concretos anteriores e posteriores a sua enunciação.

Pelo IRDR é extraída e enviada a questão de Direito ao órgão do Tribunal respectivo, que posteriormente reenvia à questão de Direito submetida e resolvida aos feitos sobrestados no Tribunal e para o juízo de origem, a fim de que deem a devida aplicação.

Assim, o IRDR permite, num rendimento ótimo, a maximização da eficácia de um provimento jurisdicional, com a menor utilização de esforço jurisdicional, tudo em resguardo à isonomia e à segurança jurídica. Isso porque, prescindindo-se do IRDR, essas questões são decididas por cada magistrado, nos muros de um determinado processo, com o risco potencial de decisões díspares.

Dito às claras e às secas, a pedra de toque do IRDR é a uniformização jurisprudencial na questão de Direito.

Nada obstante os nobres desígnios que animam o IRDR, a conformação atribuída ao incidente pelo Novo CPC acaba por esvaziar seus objetivos, sendo que, em agravo, possibilita o reverso, cedendo eventualmente espaço à desigualdade e à insegurança jurídica.

Ninguém dúvida, penso eu, que a coincidência entre propósito e resultado depende de uma adequação dos meios aos fins, de uma adequada escolha e manuseio daqueles6.

Verdade seja, a inadequação dos meios aos fins almejados deriva da circunstância de que o modelo propugnado permitirá a instauração, quiçá simultânea, de trinta e seis IRDR’s7.

A cogitação traz consigo a gravidade das consequências, entre elas, decisões diversas e dispersas sobre idêntica questão de Direito, seja no tocante ao fundo, seja ainda no dimensionamento da eficácia (efeitos prospectivos e etc.).

E aí, o quadro de incerteza, com comprometimento severo à isonomia, é exponencial. Se por vezes um ou outro magistrado decide de forma divergente, na hipótese de grassar controvérsia nos IRDR’s teríamos divergências entre processos tramitando, numa massa sólida, num determinado Estado frente a outro ou perante regiões.

Esse o quadro, suas consequências são sérias. Além da quebra da uniformidade do Direito, o esmaecimento de sua força normativa, o incremento da incerteza jurídica, surgem os diletantes de plantão, inclusive com a ocorrência nefasta do fenômeno da migração processual8.

Se a conclusão acima enunciada não defluísse, como deflui, do próprio texto do artigo 988, a ela se poderia chegar, como igual segurança, pela inexistência de barreira ope legis a instauração contemporânea de IRDR’s.

A situação não é remediada pela possibilidade de manejo do incidente de suspensão de que trata o artigo 997 do projeto9, muito menos pela virtual interposição dos recursos especiais e extraordinários.

No ponto, é de se registrar, o IRDR na fisionomia traçada pelo projeto padece de irremissível ambivalência.

Num primeiro momento, visível seu caráter publicístico: instauração de ofício e ampla legitimidade para suscitação (artigo 988, § 3º); autonomia perante o caso concreto (artigo 988, § 5º); participação obrigatória do custos legis (artigo 988, 6º); ausência de custas processuais (artigo 988, § 9º); ampla divulgação e publicidade por parte do Conselho Nacional de Justiça (artigo 989).

Porém, no aspecto fulcral, no próprio ponto de apoio da existência do IRDR — uniformização da jurisprudência —, a eficácia do instituto fica submetida ao alvitre as partes, razão porque possível, por exemplo, que o caso não seja submetido ao Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal (artigo 995, § 4º10).

Daí porque, poderemos ter uma decisão em IRDR definitiva, com eficácia limitada à competência do respectivo Tribunal — não interposto recurso aos Tribunais de superposição —, que eventualmente esteja em divergência com outros provimentos prolatados em IRDR’s, mas que não será mais alcançada pelo incidente de suspensão (artigo 997, § 2º11).

Obviamente, sabido é, o incidente não pode ser instaurado após a submissão da questão aos Tribunais Superiores (artigo 988, § 8º12). Ocorre que, não orça como o irreal, tampouco é uma quimera, a situação de IRDR’s instaurados de forma coetânea e resolvidos antes daquela submissão.

Noutro giro, o regime dos repetitivos não alcançarão os processos em que eventualmente tenha sido aplicada a decisão do IRDR já julgados (artigo 1.049 e seguintes).

Demais disso, não se pode olvidar, o provimento em IRDR projeta uma eficácia candente sobre todo o sistema processual propugnado, pois permitirá a improcedência liminar de pedidos (artigo 333, inciso III), obstaculizará a remessa necessária (artigo 507, § 3º, inciso III), configurará precedente judicial a ser observado pelos magistrados (artigo 521, inciso II), possibilitará julgamentos monocráticos (artigo 945, incisos IV e V, ambos alínea c).

Portanto, as potencialidades de IRDR apreciado exclusivamente por um Tribunal de Justiça ou Regional Federal são inúmeras e impossíveis de serem dimensionadas abstratamente.

Alguém poderia objetar dizendo que, nesses casos, dificilmente não será interposto o recurso especial e/ou extraordinários, haja vista o forte vetor presente no incidente relativo à própria uniformização da jurisprudência nacional.

Essa é exatamente a questão.

A conformação do arco procedimental do incidente não pode esmaecer sua eficácia, criando possíveis gargalos donde desaguarão os objetivos primordiais do IRDR, entre eles, a uniformização da jurisprudência.

Por conta disso, convém ponderar, a disciplina normativa não pode ficar no meio do caminho, tropeçando em pedras.

O ideal é que a disciplina do IRDR previsse sua instauração direta no Superior Tribunal de Justiça — com a suspensão dos processos na origem —, órgão predestinado constitucionalmente a uniformização jurisprudencial, o que eventualmente demanda adaptação constitucional ou uma interpretação compreensiva.

Ainda, igualmente suficiente ao desiderato que a instauração do IRDR imponha à suspensão automática de outros incidentes (ope legis e não ope iudicis como prevê o artigo 997), decidindo o Tribunal prevento a questão no âmbito nacional, com a possibilidade de interposição de recursos aos Tribunais Superiores.

Nessa última alternativa, além do aumento do rol de interessados na interposição do recurso, o provimento jurisdicional, certo ou errado, impor-se-ia a totalidade do país, evitando-se a quebra de isonomia e a incerteza jurisprudencial.

O caráter nacional do Poder Judiciário agasalha a proposta, a qual não destoa muito daquela resultante do implemento da eficácia suspensiva sugerida no artigo 997 do projeto. Só que, pelo menos, isso não fica ao alvitre das partes, com os danos marginais consequentes.

Ora bem, o IRDR tem que ser prescrito de modo que efetivamente dê cabo às patologias diagnosticadas, sob pena de tornar o patógeno da incerteza e da desigualdade ainda mais resiliente, porquanto a tolerância daquele será reforçada pela própria decisão do IRDR eventualmente divergente e não submetida aos Tribunais Superiores.

___________

1 Designaremos o projeto de Novo Código de Processo Civil, tramitando atualmente na Câmara de Deputados, tombado pelo número 8046/2010, com a expressão “Novo CPC”, sendo que, em contrapartida, o atual Código de Processo Civil — lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 —, pelo rótulo “Velho CPC”.

2 GOLDSCHMIDT, James. Princípios gerais do processo civil. Belo Horizonte: Líder, 2002. p. 50.

3 “Art. 988. E' admissi'vel o incidente de resoluc¸a~o de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa a` isonomia e a` seguranc¸a juri'dica, houver efetiva repetic¸a~o de processos que contenham controve'rsia sobre a mesma questa~o unicamente de direito. (…)”.

4 “Art. 990. Apo's a distribuic¸a~o, o o'rga~o colegiado competente para julgar o incidente procedera' ao seu jui'zo de admissibilidade, considerando a presenc¸a dos pressupostos do art. 988. § 1o Admitido o incidente, o relator: I – suspendera' os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no estado ou na regia~o, conforme o caso; (...)”.

5 “Art. 995. Julgado o incidente, a tese juri'dica sera' aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre ide^ntica questa~o de direito e que tramitem na a'rea de jurisdic¸a~o do respectivo tribunal, inclusive a`queles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou regia~o. § 1o A tese juri'dica sera' aplicada, tambe'm, aos casos futuros que versem ide^ntica questa~o de direito e que venham a tramitar no territo'rio de compete^ncia do respectivo tribunal, ate' que esse mesmo tribunal a revise. (...)”.

6 CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do direito. Campinas: Bookseller, 2000. p. 19.

7 Considerando nove Tribunais Regional Federais — Emenda Constitucioanal no 73, de 6 de abril de 2013.

8 Litigantes que utilizam domicílios diversos para ingresso de suas demandas.

9 “Art. 997. Visando a` garantia da seguranc¸a juri'dica, qualquer legitimado mencionado no art. 988, § 3o, inciso II, podera' requerer ao tribunal competente para conhecer de recurso extraordina'rio ou recurso especial a suspensa~o de todos os processos individuais ou coletivos em curso no territo'rio nacional que versem sobre a questa~o objeto do incidente ja' instaurado”.

10 “§ 4º Contra a decisa~o que julgar o incidente cabera' recurso especial ou recurso extraordina'rio, conforme o caso”.

11 “§ 2º Cessa a suspensa~o a que se refere o caput se na~o for interposto recurso especial ou recurso extraordina'rio contra a decisa~o proferida no incidente”.

12 “§ 8º E' incabi'vel o incidente de resoluc¸a~o de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no a^mbito de sua respectiva compete^ncia, ja' tiver afetado recurso para definic¸a~o de tese sobre questa~o de direito material ou processual repetitiva”.

__________

* Zulmar Duarte de Oliveira Junior é advogado/SC. Professor. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Membro do IAB.

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