Migalhas de Peso

Ministro Domingos Franciulli Neto

No último dia 21 de novembro, a humanidade empobreceu e o Direito e a Justiça perderam um dos seus mais ilustres cultores e idealistas, com o falecimento do inesquecível e extraordinário Juiz e Ministro Domingos Franciulli Netto.

1/12/2005


Ministro Domingos Franciulli Neto


Ovídio Rocha Barros Sandoval*


No último dia 21 de novembro, a humanidade empobreceu e o Direito e a Justiça perderam um dos seus mais ilustres cultores e idealistas, com o falecimento do inesquecível e extraordinário Juiz e Ministro Domingos Franciulli Netto.


Conheci o Ministro Franciulli no ano de 1967, em Marília, como Juiz Substituto e dando início à sua fantástica carreira na Magistratura.No ano de 1969 passei a ser seu colega na Magistratura paulista e, mais de perto, tive a oportunidade de verificar que meu querido Amigo era ponto de referência aos seus colegas, pelo elevado valor de sua inteligência, cultura e esplendorosa atuação judicante.


Passamos a ser amigos de coração, sendo esta realidade uma das maiores dádivas de Deus em minha vida.


Escreveu sua bela história de quarenta anos dedicados, de forma plena, a distribuir Justiça. Senhor de sua vocação, fez da Magistratura o porto seguro de sua vida profissional, conseguindo, a um só tempo, ser Juiz, Marido, Pai e Amigo. Foi exemplo de Homem e de Juiz, com a preocupação constante em levar a sua Fé no Cristo de Amor, como tributo de uma vida linda de ser vivida1.


Testemunhava, de forma perene, as diversas qualidades do verdadeiro Juiz: era independente e livre para formar a sua convicção sobre cada caso sujeito à sua jurisdição; possuía a coragem dos justos; devotava estudo constante para o seu aprimoramento na ciência do Direito; em nenhum momento deixou de exercitar o seu ideal de aprimoramento das instituições do Poder Judiciário e foi pioneiro em muitas contribuições para a realização desse ideal; nunca deixou de vivenciar que o Direito existe para o homem e não o homem para o direito e, em sua missão de magistrado procurou, sempre, ter diante de si a grande lição do Cristianismo: o exemplo e o respeito de Cristo pela integridade da pessoa humana; tratava a todos que o procuravam – advogados, promotores e partes – com extrema cordialidade; nunca se enclausurou em sua toga, pois gostava de gente, gostava das pessoas, ao contrário de tantos Juízes que, infelizmente, habitam nossos tribunais.


Trazia, em sua alma, atributos tão próximos de Cristo: era autêntico e sincero em sua postura diante do mundo e das pessoas.


Sabia ser gente e no cadinho da amizade se portava como autêntico Amigo, em todos os momentos, felizes ou tristes. Irá fazer uma falta enorme à legião de seus amigos queridos. Essa triste certeza foi lembrada por mim em conversa com outro querido Amigo seu – o extraordinário e notável Desembargador Laerte Nordi que teve a ventura, no sábado anterior à sua morte, de visitá-lo no Hospital e com ele manter um inesquecível encontro. Até o fim, como testemunharam Laerte e sua querida mulher Maria Thereza, Franciulli não se entregou em nenhum momento: continuava a sonhar. Recordei-me de Jorge Luiz Borges: “O sonho! Acreditar no sonho, entregar-se ao sonho, porque só o sonho existe”.


Muitas vezes lhe disse: “Franciulli, Você é uma pessoa preciosa”. Preciosa para um mundo tão carente de homens capazes de escrever a sua história, com tanta inteligência, cultura, dignidade, amor e beleza de alma.


Foi bom em tudo!


Em se último livro “A Prestação Jurisdicional” trouxe uma contribuição inestimável para melhorar e tornar mais efetiva a prestação jurisdicional, na esteira de expor o “ideal idealíssimo, o ideal realizável e o processo de resultados”, com a marca do seu estilo claro e objetivo na exposição de temas tão importantes para a reflexão de todos aqueles que se preocupam com o ideal de Justiça capaz de ser realizado. Em sua monografia, o Ministro Franciulli Netto procura lançar sugestões capazes de levar ao debate, exatamente, questões com potencialidade de aprimorar e lançar novas luzes a uma distribuição da Justiça mais célere, pronta e capaz de minorar os entraves processuais existentes. Em seu livro, como há muitos anos defendia, propõe que, quanto à execução por quantia certa, o seu quantum haverá de ser apurado durante o processo de conhecimento, sendo dispensável a abertura posterior de um novo processo para executar o crédito reconhecido, judicialmente. No ano passado foi apresentado um projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, sobre o assunto.


Ressaltava, a todo instante, a importância de se dar ao recurso especial uma efetiva aplicação, diante das disparidades das Justiças estaduais e federais em um país continental como o Brasil.


Encantava-me com a simplicidade de sua alma, a sua disposição em servir, trazendo a marca da educação haurida em seu berço familiar. De outra parte, não possuía estima aos austeros. Os austeros não têm pena de si mesmos. E, em regra, os que não têm pena de si, não têm pena dos outros. Não aceitava os São Simeões Estilitas, os praticantes da dor pela dor. Preferia guardar de André Malraux, que “toda dor que não ajuda a ninguém, é absurda”. Guardava, ainda, no âmago de sua alma, a imagem de São Francisco de Assis, que era bom e alegre, cantava e servia, não vivia espalhando tristezas. Trazia, também, a lembrança consoladora e estimulante da figura de Santo Agostinho que, antes de pertencer à santidade, pertenceu ao grande número, pecou como pecam os comuns dos homens, vindo Papini a dizer: “Mas, semelhante como foi a nós no pecado, dá-nos sempre a esperança de vir a ser como ele na vitória” e “no cume da montanha”, escreve o biógrafo, “nos convida a galgar a ladeira e faz-nos esperar que o esforço não nos seja impossível”.


O meu querido Amigo Ministro Domingos Franciulli Netto fará uma falta imensa, mas passará a viver uma nova dimensão do Amor, na lembrança da sua querida Maria Thereza e de seus amados filhos Ana Rita, Paulo e Domingos Sávio, bem como de todos aqueles que tiveram a ventura e a alegria de ser seus Amigos.


Meu querido e inesquecível Amigo, Você estava maduro para o Céu.


Até sempre, como Você dizia em suas cartas a mim dirigidas.


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1
Anos atrás, ao telefonar à sua casa, para comunicar, a pedido de meu querido Amigo Saulo Ramos, a sua indicação para o cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, fui atendido por sua querida filha Ana Rita e a ela transmiti a notícia, com o adendo de que aquele colendo Tribunal recebia, sem seu seio, um dos maiores Juízes brasileiros e exemplo de Homem. Dela ouvi a seguinte mensagem: “Papai merece: ele é um grande Homem e vale a pena ser sua filha na admiração constante de quem dedica todo o seu amor a mamãe, a mim e aos meus irmãos”. Encantei-me com o testemunho e senti vibrar o quanto de fantástico havia de Amor no coração de meu velho e querido Amigo. Poucos são aqueles que conseguem, em sua vida, um reconhecimento tão compensador no exercício de um dom tão próximo de Deus – a paternidade.

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* Advogado do escritório Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão








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