O ato de humilhar, vexar, aviltar alguém, por si só é repugnante, torpe e detestável. Quando este ato é praticado por agentes do poder público torna-se, ainda, mais execrável, torna-se criminoso.
Ao falar do poder disciplinar nas prisões e dos "recursos para o bom adestramento" no seu clássico livro Vigiar e Punir, Michel Foucault afirma que: "o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo". A disciplina - prossegue aquele que foi um dos maiores pensadores do século XX – "fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício...".
Que a prisão é instituição falida, fábrica de delinquentes e universidade do crime parece que quase ninguém mais duvida. O que causa estranheza é porque ainda hoje, mais de dois séculos após o surgimento das primeiras penitenciárias nos Estados Unidos da América, insistimos neste método cruel e desumano de punir.
Referindo-se à questão penitenciária e às alternativas à prisão no Brasil, Nilo Batista nos ensina que "a falácia do discurso penal tradicional minava tanto do irracionalismo retibutivista quanto da hipocrisia preventivista; as finalidades reais da pena, ainda que ocultas pelo discurso, começavam a impor-se àquele esquálido esquema. 'Só a pena necessária é justa', dissera von Liszt em Marburgo; mas o problema - com precisão assinala o penalista -, é exatamente saber para quê e para quem a pena é necessária, quais os fins reais, e não ideológicos, por ela perseguidos, e quais os sujeitos históricos dessa necessidade". (BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro. Revan, 1990).
Como é sabido, ninguém sai da prisão melhor do que entrou. A prisão é a maneira mais cara de se transformar os seres humanos em piores. É um meio criminógeno por excelência. É um dos principais fatores da reincidência criminal. Na prisão, observa HULSMAN, o condenado "penetra num universo alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão representa muito mais que a privação da liberdade com todas as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento estéril". (HULMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1993).
Tudo que foi dito até aqui é válido para toda e qualquer espécie de prisão, seja ela definitiva, resultante de uma sentença condenatória transitada em julgada (prisão-pena) ou processual, provisória, cautelar (temporária ou preventiva por ex.).
Contudo, quando se tratar de prisão provisória, aquela que não decorre de uma sentença definitiva e que por vezes é decretada antes mesmo do oferecimento da denúncia, ainda na fase policial e de "investigação", estes males deveriam ser senão evitados, pelo menos, mitigados. Não é sem razão que o CPP determina que as pessoas presas provisoriamente devam permanecer separadas das condenadas definitivamente (art. 300 do CPP).
Necessário ressaltar, que como se trata de prisão cautelar, a qual deveria ser decretada apenas em casos extremados, como ultima ratio e somente quando demonstrada a existência do fumus commissi delicti, no dizer de Aury Lopes Jr., probabilidade da ocorrência de um delito, prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria. (Lopes Junior, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. II. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010), todas as cautelas, cuidados e precauções deveriam ser tomados pelo (a) juiz (a) que a decretar, até porque, segundo a CF "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º LVII da CF). Para alguns, presunção de inocência, para outros, presunção de não culpabilidade, mas certo é que muitos dos que são presos provisoriamente nem sempre são condenados definitivamente e alguns sequer são denunciados.
Infelizmente, a prisão provisória, que deveria ser decretada, conforme já salientado, em casos excepcionais, de extrema necessidade e quando não houver outra medida cautelar menos danosa e aflitiva, vem se transformando em regra. Não sendo despiciendo lembrar que o processo penal não pode constituir instrumento de arbítrio do Estado, mas ao contrário, representa meio de delimitação e contenção do poder punitivo.
Como se não bastasse as agruras daquele que suporta um processo penal e todos os males da prisão, no Estado de Minas Gerais homens que são presos provisoriamente, em razão de mandado de prisão temporária (lei 7.960/89) pelo período de 5 (cinco) dias e que muitas vezes permanecem no máximo dois ou três dias na prisão, já que todas as diligências determinadas pelo juízo (busca e apreensão, oitiva de testemunhas, interrogatório e etc.) são devidamente cumpridas, têm, mesmo sendo presos provisórios, suas cabeças raspadas, em nome da "norma", do "regulamento", da "disciplina", da "higiene", sabe-se lá em nome de que e de quem, quando levados para uma das unidades prisionais do estado, como mais uma forma de humilhação e de recuso para o "bom adestramento".
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* Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal.