Segundo o clássico dicionário Aurélio é: "momento ou local ou trecho em que algo tem origem; começo. Causa primária. Preceito, regra, lei...".
No Direito, entretanto, há, como em toda ciência, suas particularidades. Os princípios, bem como as normas estão inseridos no gênero "norma", que expressa um comando de "dever ser", podendo se revelar numa obrigação, permissão ou proibição. Assim, pode-se afirmar que o sistema normativo é composto por normas jurídicas, na qual se enquadram os princípios e as regras.
Para hermenêutica clássica (arte de interpretar as leis) os princípios são enunciados gerais, parâmetros, diretrizes, que tem por finalidade nortear os operadores do Direito (o intérprete e o aplicador da lei).
Os princípios, uma vez constitucionalizados, são "a chave de todo o sistema normativo"1. Os princípios, afirma Bonavides, "são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa".
Segundo a clássica definição de Celso Antônio Bandeira de Mello2 "O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico".
Verifica-se que os princípios refletem os valores, em sede do ordenamento jurídico, resguardados na sociedade, os seus fins maiores. Explícitos ou implícitos, os princípios buscam a unidade e harmonização do sistema. Deste modo, são verdadeiros guias ao interprete, a quem compete à identificação do princípio maior que rege o tema apreciado e aqueles que dão maior especificidade, para que a regra a ser aplicada seja corretamente interpretada. Finalmente, pode-se afirmar que os princípios desempenham as funções de: a) exprimir valores; b) harmonizar o sistema jurídico; c) conduzir a atividade do intérprete3.
No âmbito do Direito Penal e em consonância com a CF advém "princípios de direito penal constitucional" (princípios especificamente penais) e de "princípios constitucionais influentes em matéria penal"4. Os primeiros, como o próprio nome diz, são tipicamente penais. Os segundos (não propriamente penais) impõe-se tanto as matérias penais como as extra-penais (civil, administrativa, tributária e etc.). De acordo com Luiz Luisi5 os princípios penais estiveram presentes nas diversas Constituições brasileiras, mas sem dúvida foi na CF/88 que ganharam maior status.
Assim como os princípios da legalidade e da irretroatividade, o princípio da proporcionalidade e da individualização das penas são exemplos de princípios penais constitucionais que podem estar explicitado, como os citados, ou implícitos como, por exemplo, o da intervenção mínima.
A CF, nossa lei maior, consagrou vários princípios penais, entre os quais destacamos os seguintes:
1) Princípio da legalidade – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal - sem dúvida a pedra angular do direito penal e da segurança jurídica, pois garante ao cidadão o direito de somente ser punido de acordo e nos limites da lei;
2) Princípio da irretroatividade – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
3) Princípio da lesividade – somente pode ser castigado penalmente os comportamentos humanos que lesione direitos alheios e não simplesmente um comportamento pecaminoso e imoral;
4) Princípio da culpabilidade – não há crime e não há pena sem culpabilidade – deste princípio decorrem os princípios da proporcionalidade (a pena deve ser proporcional ao crime), da individualização (a pena deve ser aplicada considerando a pessoa concreta à qual se destina) e da pessoalidade da pena (a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado);
5) Princípio da intervenção mínima - o Estado somente deve intervir em matéria penal quando esgotados todos os meios de proteção aos bens jurídicos fundamentais para a vida do homem e da sociedade.
Assim, quando encontramos em outro ramo do Direito, que não o Penal, uma proteção adequada e satisfatória de um determinado bem jurídico desnecessário recorrermos ao Direito Penal que funciona como remédio sancionador extremo e, portanto, só deve ser ministrado em último caso, ou seja, como ultima ratio.
Não podemos nos olvidar dos princípios Processuais Penais. 1) do devido processo legal; 2) do contraditório e da ampla defesa; 3) da presunção de inocência; 4) do direito a não auto-incriminação; 5) da inadmissibilidade das provas ilícitas; e de outros que representam, ao lado dos princípios constitucionais penais, garantia fundamental para o cidadão e para consolidação do Estado Democrático de Direito. Sendo certo, portanto, que após a entrada em vigor da CF, tanto o Direito Penal quanto o Direito Processual Penal passaram por uma nova leitura e uma nova interpretação a luz dos princípios fundamentais e garantistas.
Considerando os princípios constitucionais ora elencados, não resta dúvida, que o grau de respeito às garantias do cidadão e aos direitos humanos é satisfatoriamente elevado, o que, infelizmente, não ocorre na prática efetiva do sistema penal brasileiro. Como dizia Norberto Bobbio, uma coisa é proclamar esses direitos outra é desfrutá-los efetivamente. Assim, esperamos que nos próximos 25 anos os direitos fundamentais proclamados na CF sejam verdadeiramente efetivados para que todos os cidadãos, independente de sexo, cor, religião e condição social, possam deles desfrutá-los.
Hodiernamente, é imperioso que o Direito Penal e Processual Penal seja compreendido sob uma perspectiva garantista e constitucional nas quais os princípios "situam-se no mais elevado nível hierárquico do ordenamento jurídico"6.
Somente através de um modelo garantista de maximização da liberdade e minimização do poder punitivo é que o Estado, efetivamente, poderá cumprir com sua função social.
A pena, no modelo garantista e em seu "utilitarismo reformado"7 apresentado por Ferrajoli, "não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições"8.
Um dos fundamentos do Estado Democrático e de Direito, bem como da CF é o da proteção da dignidade da pessoa humana. Para tanto, é necessário à participação social do individuo no próprio destino deste Estado como condição de cidadania. No que diz respeito ao Direito Penal, a proteção à dignidade humana estabelece parâmetro ao legislador na configuração dos tipos (seleção de crimes)9 e na limitação do poder punitivo (cominação de penas).
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1 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: 15. ed. Malheiros, 2004, p. 255-286.
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p .451.
3 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 327.
4 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 2003, p. 13.
5 Idem, p. 14.
6 COMPARATO, Fábio Konder. Comentário ao artigo 1º. In: 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: conquistas e desafios. Brasília: OAB-Conselho Federal, 1998.
7 QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 72-75.
8 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002, p. 268.
9 TAVARES, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, dez. 1992. (Edição especial de lançamento).
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* Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados.