Ao tirar do Jackson o diploma de governador eleito para entregá-lo a quem perdeu a eleição, o TSE manchou a sua história com uma violência inenarrável.
Até o último minuto, nós da defesa sustentávamos que o recurso contra a expedição de diploma, embora se chamasse recurso, não era recurso judicial porque não decorria de decisão judicial, mas de ato administrativo para o qual não cabe recurso diretamente ao TSE.
Sem prévia decisão recorrível jamais poderia ser recebido como recurso e tampouco julgado originariamente porque o TSE não possui autorização constitucional para isso.
Aquela supressão de instância configurava a negativa de vigência da Constituição, em especial quanto aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
Das audiências que tive com os ministros do TSE saí com a leve impressão de que eles não iriam nem conhecer do recurso, tamanha a escancarada e inconstitucional supressão de instância.
O bom senso que eu aferia naqueles encontros me levava a crer que o TSE não conheceria daquela maluquice carimbada de recurso devolvendo o processo ao Tribunal Regional, onde tudo, em tese, deveria ter começado. Até porque já tramitava ali sob o segredo de Justiça uma ação de impugnação de mandato eletivo, de natureza constitucional.
O recurso que não era recurso, mas ainda que o fosse legalmente, estaria prejudicado por tratar das mesmas imputações contra os mesmos acusados e com os mesmos objetivos – cassar os mandatos dos eleitos, no caso o Jackson e seu vice, o Pastor Porto.
Pois os doutores da ocasião, rejeitando a supressão de instancia e ignorando o trâmite na origem da ação constitucional, admitiram o pseudo recurso e ainda lhe deram um incabível provimento para determinar a imediata diplomação, por conseguinte a posse, da segunda colocada na votação popular, independentemente da publicação de acórdão. Teratologia pura.
Não havendo acórdão publicado, não haveria como o Jackson ir ao Supremo com um Recurso Extraordinário e pedido de liminar. Por isso a segunda colocada assumiu o cargo logo nas primeiras horas subsequentes. Vitorioso o golpe de estado pela via judicial, recorrer a quem?
Certo de que só ao povo caberia recorrer, o Jackson esperou pacientemente e com o aval de novas e respeitadas alianças construiu nova candidatura ao governo. A seu pedido, eu seria o candidato único a senador da sua chapa.
Dessa vez aconteceu contra o Jackson uma nova e grande vilania a espalhar na campanha pelo Estado inteiro a grande falsidade de que os votos que lhe desse o povo seriam anulados porque o TSE o consideraria ficha suja. O bastante para afugentar centenas de milhares de eleitores escabreados pela cassação anterior. Jogo sujo e fogo amigo.
Na verdade, havia um recurso do Ministério Público contra a decisão do TRE local que afirmara a falsidade da imputação pela qual se pretendia tirar de qualquer maneira o Jackson da competição. Eu mesmo fui cantado muitas vezes para ser o candidato a governador no seu lugar. O Jackson sabia disso tudo.
Aconteceu que um mesmo recurso contra a sua concorrente foi dissolvido no TSE em menos de dois dias depois de distribuído.
Quando, enfim, o TSE resolveu dizer que o Jackson não era ficha suja coisa nenhuma a campanha já se encerrava. Não havia mais nem horário eleitoral no rádio e na TV. Ficou impossível denunciar a todos a armação com a qual a mentira e a má fé se juntaram novamente afugentando os eleitores do 12, o número do Jackson na urna. Também o do nosso partido, o PDT.
O homem Jackson não resistiu a tanto opróbrio. Depois de dois assassinatos políticos, sua alma ainda resiste até hoje, mas o seu corpo jaz numa sepultura no Vinhais.
Em duas eleições consecutivas em que concorreu, a candidata que tem mais tempo de reinação na República do que a Princesa Isabel no Império teria auferido as vantagens de todos os abusos inventados antes para cassar o Jackson, sendo por isso denunciada ao TSE.
As ações segundo as denúncias foram mais que as mesmas. O instrumento processual, o mesmo. O inconstitucional e incabível, por todos os entendimentos legais, Recurso Contra a Expedição de Diploma, foi utilizado por que?
Ora, pensaram o autor da denúncia e seus advogados, se por menos razões serviu para cassar o Jackson, logo haveria de servir também para cassar quem lhe usurpou o lugar.
Mas agora foi tudo nos conformes da Constituição e das leis, tudo de acordo com que havíamos defendido quando do processo contra o Jackson, quando o TSE admitiu o errado e fez, ele também, tudo errado.
Lógico que um erro não justifica o outro. Agora, o TSE embora tardiamente diante do que sempre achávamos que estava errado fez o certo construindo o paradigma para não mais anular com o pseudo recurso originário o diploma de ninguém.
Mas como já disse o Santo Padre Francisco sobre as violências aos Direitos Humanos pelas ditaduras e camarilhas políticas no mundo, incluindo Argentina e Brasil – compreender, até compreendo. Perdoar, até perdoo. Mas esquecer, não. Não esqueço.
____________
* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA