Inúmeras prestadoras de serviços procuram-nos com uma indagação: para quem devo recolher o ISS? Para o município em que estou sediada ou para o município onde estão localizadas as tomadoras dos meus serviços?
Comecemos por esclarecer que, ao conferir competência às pessoas políticas para criar impostos, a CF o faz de forma separada e discriminada, indicando os fatos que os entes Federativos devem descrever como geradores da obrigação tributária (arts. 153, 155 e156). O que sobra (o resíduo) da discriminação dos fatos geradores, a Constituição entrega à União (art. 154).
A análise conjunta desses dispositivos constitucionais revela que a CF proíbe um ente Federativo de invadir a competência do outro, o que equivale a dizer que cada um somente pode criar o imposto que lhe foi entregue.
Como existem vários entes Federativos com permissão para criar impostos, inclusive descrevendo os mesmos fatos geradores, como é o caso dos Estados e municípios, antevendo a possibilidade de conflitos de competência, a CF preceitua que cabe à lei complementar dispor sobre eles, certamente para evitá-los (art. 146, I).
No caso do ISS, são mais de cinco mil municípios com permissão para instituí-lo. Para evitar conflitos de competência entre eles, a LC 116/03 veicula regra dispondo que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local da prestação (artigo 3º).
Pois bem: o art. 3º da LC 116/03 estipula que o ISS é devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta desse, no local do domicílio do prestador, justamente para evitar conflitos de competência entre os diversos Municípios e discrimina taxativamente as hipóteses configuradoras de exceção, nas quais o imposto é devido no local da prestação, também com esse mesmo propósito.
Sucede que a LC 116/03 não conseguiu evitar conflitos de competência entre os municípios.
Os conflitos de competência entre os municípios, em torno da exigência do ISS, ainda permanecem e as circunstâncias que os ensejam beiram o indecoroso e o imoral.
Tais situações, para além de inconstitucionais e ilegais, são indecorosas e imorais porque o mesmo município defende ter direito ao imposto, se a prestadora de serviços está sediada em seu território, e, também, defende ter direito ao imposto, se a prestadora está sediada no território de outros Municípios, mas as tomadoras se encontram em seu território.
À situação indecorosa e imoral de um município exigir o ISS como lhe convém e somente para si foi conferida certa aparência de legitimidade, por meio da criação do cadastro obrigatório de empresas prestadoras de serviços sediadas em outros municípios.
Desconsiderando a CF, notadamente, o art. 146, I, e a LC 116/03, especialmente, seu art. 3º, os municípios têm criado um cadastro para prestadoras de serviços sediadas fora de seu território. Se o pedido de inscrição nesse cadastro é indeferido, as prestadoras passam a ser sua contribuinte.
Esse cadastro acaba por definir quem é o credor do ISS e, por isso, a lei que o cria viola o art. 146, I, da CF, que estabelece ser tarefa da lei complementar dispor para evitar conflitos de competência entre os municípios, assim como viola o art. 3º da LC 116/03, por ser esse dispositivo o que define o Município competente para exigir o ISS.
Repise-se: na prática, é a inscrição, ou não, nesse cadastro que define se o ISS é devido ao Município onde está sediada a empresa prestadora dos serviços.
Quando a inscrição é indeferida, a prestadora de serviços, obrigatoriamente, vê-se diante de uma situação de bitributação, dado que o município onde está sediada exige o ISS, com fundamento no art. 3º da LC 116/03, e o município onde estão localizadas as tomadoras exige, via retenção na fonte, o ISS sobre a mesma base de cálculo.
Observe-se: a não inscrição no cadastro torna a empresa contribuinte do município que o criou. Entretanto, como sua legislação não tem validade, vigência e eficácia fora de seu território, ele não pode exigir diretamente o ISS da prestadora sediada em outro município, então, ele faz a exigência, via retenção, da tomadora. Há, assim, uma nítida invasão de competência.
Esse tal cadastro, por qualquer ângulo que se examine, é inconstitucional.
A inconstitucionalidade evidencia-se pelo fato de a lei municipal, criadora do cadastro, ombrear com o art. 3º da LC 116/03 para evitar conflitos de competência entre os municípios no que concerne à exigência do ISS.
A exigência de inscrição da prestadora sediada em outro município no tal cadastro para não se tornar contribuinte do município que o criou, sem margem para dúvidas, afronta o inciso I do art. 146 da CF.
Em conformidade com o inciso I do art. 146 da CF somente lei complementar pode definir qual o critério para tornar um Município competente, ou não, para exigir o ISS.
É evidente que o indeferimento num cadastro exigido por lei municipal não pode definir quem é o município credor do ISS, porque a CF proíbe no inciso I do art. 146!
Com essa conduta, os municípios contribuem para sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário, pois as prestadoras de serviços que se veem diante da situação de bitributação acionam-no para definir qual dos Municípios em conflito é competente para exigir o ISS e por fim à dúvida que as atormentam.
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* Maria Ednalva de Lima é advogada do escritório Maria Ednalva de Lima Advogados Associados.