A aplicação à internet das regras que limitam o capital estrangeiro nos meios de comunicação social não deve ser vista apenas como uma disputa entre a nova mídia e a tradicional. Essa perspectiva deixa em segundo plano a análise do que efetivamente estabelece o art. 222 da CF em relação à matéria. Goste-se ou não, há no texto constitucional opção por limitar certas atividades a estrangeiros, no que o Brasil não destoa de outros países.
A restrição em questão aplica-se à propriedade de dois tipos de empresas: jornalística e de radiodifusão. Em um caso – radiodifusão – há referência a meio específico e não há como pretender incluir aqui outras hipóteses além do rádio e da televisão aberta. No outro, não há menção a determinado meio ou à sua respectiva tecnologia, mas a atividade organizada de produção, edição ou divulgação de notícias, a qual pode ser desenvolvida de distintos e indefinidos modos.
Atualmente, a atividade jornalística se estrutura também – e cada vez mais – com suporte na Internet. A diferença em relação ao meio – quando se compara com a forma impressa tradicional do jornal – não é suficiente para descaracterizar a existência da empresa jornalística. Não afasta, portanto, a incidência da restrição constitucional.
A resistência à aplicação do limite ao capital estrangeiro funda-se mais em razões de ordem prática do que propriamente jurídica. Destaca-se que a norma não teria sentido no contexto de rede que permite a difusão de informação e o contato entre pessoas em escala global. Acrescenta-se que as autoridades brasileiras não conseguiriam fiscalizar sua aplicação – e sequer seria desejável que tentassem, pois a liberdade no uso da Internet não deveria sofrer intervenções dessa espécie.
Há alguns equívocos associados a tais ideias. Dar efetividade à norma constitucional não significa aplicá-la a todo e qualquer sítio na internet. A restrição abrange apenas as atividades que puderem configurar empresa jornalística e quando voltadas ao público brasileiro, o que representa universo bastante limitado de casos. Blogs, agregadores de notícias, redes colaborativas e tantas outras formas de expressão não se enquadram nesse conceito. Muito menos jornais voltados ao público estrangeiro, mas acessíveis a brasileiros a partir da rede – como já eram em menor escala os impressos de outros países que chegavam às bancas brasileiras.
Também não é correto conceber a Internet como espaço totalmente separado das relações sociais não mediadas pela rede, que não deveria sofrer qualquer interferência normativa ou exigiria sistema jurídico todo próprio. A internet, apesar de todas as mudanças que trouxe, em muitos contextos é apenas um meio diverso de se fazer o que já se fazia antes de seu advento. Quando da edição do CDC, por exemplo, praticamente não se faziam compras pela internet. O fato de atualmente serem feitas em larga escala traz novas questões e problemas de ordem prática, mas isso não significa que essas compras deixaram de ser contratos do ponto de vista jurídico ou que a legislação protetiva dos consumidores deveria deixar de incidir sobre tais relações. Raciocínio análogo alcança diversas outras esferas, inclusive o jornalismo quando organizado no âmbito de empresa jornalística.
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* Alexandre Ditzel Faraco é advogado do escritório Levy & Salomão Advogados.