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A sanção do projeto de lei anticorrupção e os vetos da Presidência da República

Foi sancionada a lei 12.846/13, também chamada de lei anticorrupção. A canetada presidencial, contudo, vetou alguns termos da referida norma e importou em um endurecimento do texto aprovado pelo Senado

16/8/2013

Foi sancionada pela presidenta da República a lei 12.846, de 1º de agosto de 2013 ("lei 12.846/13"), também chamada de lei anticorrupção, que tramitou pelo Senado Federal na forma do projeto de lei da Câmara 39/13 ("Projeto de Lei").

Já tivemos a oportunidade de apresentar comentários ao projeto de lei (disponível em nosso anexo BI 2.262), que estabelece a responsabilização objetiva, tanto civil quanto administrativa, às pessoas jurídicas pela prática de atos contrários à Administração Pública, nacional ou estrangeira. Conforme já apontamos, a nova lei incentiva uma profunda reformulação na forma como as empresas conduzem suas operações no Brasil, na medida em que treinamento de funcionários para evitar a prática de atos lesivos à Administração Pública, adoção de códigos de ética e implementação de programas de compliance passam a se tornar providências necessárias de governança corporativa.

No entanto, a presidenta, seguindo orientação do Ministério da Justiça e da Controladoria Geral da União, vetou determinados dispositivos que haviam sido inseridos ao longo das discussões sobre o projeto de lei no Congresso. Tais vetos, conforme se verá a seguir, importam um endurecimento dos termos da lei 12.846/13 em relação ao projeto de lei na forma como aprovado pelo Senado. Foram vetados os seguintes dispositivos, conforme mensagem 314, de 1º de agosto de 2013 ("Mensagem de Veto"):

Artigo 6º, § 6º. O artigo 6º, § 6º determinava que o valor da multa administrativa aplicada às pessoas jurídicas responsabilizadas por atos lesivos à Administração Pública "não poderá exceder o valor total do bem ou serviço contratado ou previsto". Tal limitação havia sido incluída no projeto de lei por ocasião de sua passagem pela Câmara dos Deputados.

De acordo a mensagem de veto, a limitação da multa administrativa ao valor de contrato ou serviço obtido por meio de ato lesivo poderia não corresponder ao valor efetivo dos danos causados pelo ilícito, assim como poderia tornar tal multa insuficiente para desestimular a prática de infrações.

De fato, tal disposição poderia limitar a pretendida efetividade da lei. Porém, a nosso ver a principal crítica a tal dispositivo diz respeito ao fato de que tal limitação seria aplicável apenas a situações de oferta de vantagens para a celebração de contratos, não restando claro se e como haveria de se aplicar às outras situações previstas na lei, como, por exemplo, o pagamento de propina para obtenção de uma licença.

Tem-se, portanto, que o valor da multa máxima aplicável corresponde a 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica no exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, conforme artigo 6º, inciso I, da lei 12.846/13. No entanto, tal valor deverá ser temperado levando-se em consideração os critérios subjetivos de dosimetria fixados nos incisos I a VI do artigo 7º da lei 12.846/13 (gravidade da infração, vantagem auferida, consumação ou não do ato, grau e efeito negativo da lesão e a situação econômica do infrator), bem como os possíveis atenuantes fixados nos incisos VII e VIII do mesmo dispositivo (cooperação da pessoa jurídica na apuração dos fatos e existência e eficácia de programa de compliance).

Artigo 7º, inciso X. O dispositivo em questão determinava que "o grau de eventual contribuição da conduta de servidor público para a ocorrência do ato lesivo" seria relevante para a dosimetria na aplicação das sanções previstas na lei.

Conforme a mensagem de veto, a pessoa jurídica deverá ser penalizada levando em consideração exclusivamente os atos praticados exclusivamente por seus representantes e agentes, não devendo ser beneficiada pelo fato de agente público ser partícipe do ato lesivo em menor ou maior grau. Este último haverá de ser penalizado independentemente, tanto pela via administrativa quanto judicial, em especial à luz da legislação penal aplicável e da lei de improbidade administrativa.

Artigo 19, §2º. Esse dispositivo estabelecia a necessidade de comprovação de dolo ou culpa (responsabilização subjetiva) para imposição de determinadas penalidades cuja aplicação é competência exclusiva do Poder Judiciário, quais sejam: (i) suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica; (ii) dissolução compulsória; e (iii) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público.

Segundo a mensagem de veto, o dispositivo contraria a lógica do projeto de lei e anularia os avanços por ele apresentados, eis que seu propósito é, justamente, estabelecer a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas.

O estabelecimento da responsabilização objetiva tem por objetivo impor às empresas o ônus de adotar medidas preventivas, como programas de compliance, códigos de ética e auditorias internas, para ativamente coibir seus agentes e representantes de agirem de forma lesiva à Administração Pública. A exclusão da responsabilização objetiva reduziria os incentivos para as empresas atuarem ativamente na prevenção de tais atos.

Deve-se reconhecer que responsabilização objetiva pode, eventualmente, impor a aplicação desproporcional das penalidades judiciais, especialmente naqueles casos em que a pessoa jurídica efetivamente tenha adotado mecanismos de prevenção à corrupção e tomado as medidas possíveis para coibir tais práticas. Ademais, o fato de tais penalidades serem aplicadas com base em responsabilidade objetiva cria dúvidas a respeito de qual será o critério adotado para a sua dosimetria, em especial pelo fato de a lei 12.846/13 não indicar critérios a serem considerados para aplicação das penalidades de suspensão ou interdição parcial das atividades (artigo 19, inciso II) ou de proibição de recebimento de incentivos, empréstimos, e subvenções de órgãos públicos ou bancos oficiais pelo prazo de um a cinco anos (artigo 19, inciso IV). Tais critérios existem apenas em relação à aplicação da pena de dissolução compulsória da sociedade (artigo 19, inciso III, combinado com o §1º do mesmo artigo).

A mensagem de veto foi encaminhada ao Congresso Nacional, que deverá conhecer e deliberar sobre os vetos da presidente em até 30 dias de seu recebimento.

____________

* Alessandro Pezzolo Giacaglia e Marcos Masenello Restrepo são associados da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.

** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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