A advocacia e os mercados de “tudo ou nada”
Raul Marinho*
Observando a carreira da imensa maioria daqueles que escolheram a advocacia, verifica-se que grande parte destes profissionais está se esfalfando para pagar as contas no fim do mês – o que nem sempre é possível, diga-se de passagem. Onde está a aparente racionalidade que apontava para um futuro de sucesso quase certo? Por que a grande maioria dos advogados nunca chega ao Nirvana sonhado na faculdade? Falta de sorte? Conjuntura sócio-econômica desfavorável? ...Ou talvez seria o fato de que a escolha pelo caminho do sucesso por meio da advocacia era tão racional quanto à do futebol, do cinema ou, em última análise, das viagens interplanetárias? Temo que esta última opção seja a que melhor explica os verdadeiros motivos das frustrações neste mercado, e é disto que iremos tratar neste artigo: da (ir)racionalidade na escolha profissional típica de determinados mercados onde se verificam concentrações exageradas de renda, como a advocacia.
A maior parte da renda auferida na advocacia é obtida em atuações nas demandas judiciais, o popular contencioso. Acontece que, se advogar em processos de grande ou pequena monta requer esforço semelhante, suas respectivas rentabilidades em nada se assemelham – e, por essa razão, a estratégia óbvia é concentrar esforços nas grandes causas. À exceção do idealismo, não haveria maior interesse em advogar em pequenas causas que não a própria subsistência – ou, na melhor das hipóteses, o acúmulo de experiência. Mas, como estratégia profissional racional (economicamente falando, evidentemente), advogar só faz sentido se for nas grandes demandas. Desta forma, o sucesso na advocacia é tão simples quanto ficar à espreita de uma oportunidade de pegar uma grande causa para, em seguida, aparecer na fotografia coroado de louros – de preferência, substituindo as folhas do vegetal por cédulas da moeda estadunidense. Mas, infelizmente, não é isso o que se verifica na prática e, anos depois de formados, muitos estão desiludidos com a profissão.
O problema é que o mesmo motivo que impede que o sonho de jovens e ambiciosos advogados se realize é o mesmo que os desencorajara anos antes a tentar a NASA, Hollywood ou o Maracanã. Trata-se do que um dos maiores expoentes da economia comportamental da atualidade (Robert Frank, de Cornell) definiu como “Mercados de Tudo ou Nada” (“The Winner Takes All Markets”, no original), caracterizados pelo fato de que diferenças sutis de desempenho levam a gigantescas distorções na remuneração. A advocacia é uma profissão em que uma escassa minoria poderá ter sucesso, enquanto a grande massa deverá obter rendimentos inferiores ao obtido em profissões muito menos glamourosas. Felizmente para poucos – e infelizmente para quase todos –, é justamente por esta característica que o mercado da advocacia é tão sedutor, ao contrário de tantas outras profissões que garantem o arroz e feijão na mesa, mas dispensam a gravata e a caneta Mont Blanc no bolso.
Grandes causas existem, é óbvio, mas as verdadeiras chances de um jovem e talentoso advogado as defender tendem a zero. Grandes causas pertencem a grandes clientes que, por sua vez, tenderão a decidir como gerir seu risco de modo a maximizar a sua própria eficiência econômica, não a fomentar a carreira de jovens e promissores advogados. Agindo assim, o grande cliente jamais arriscará grandes somas monetárias desnecessariamente, ou seja: ele sempre vai procurar o melhor advogado possível para atuar nestes casos. Não vai ser por um abatimento nos honorários que ele entregará sua estimada demanda para o segundo melhor advogado na questão, mesmo que a diferença de qualidade do segundo para o primeiro seja ínfima. Na verdade, ele não pode agir assim, a menos que sua estratégia não seja a de maximizar seus ganhos – mas aí aquele provavelmente não seria o demandante de uma causa de grande magnitude. É por esse mesmo motivo que um estúdio de primeira linha paga milhões para um Robert de Niro, uma Julia Roberts ou um Al Pacino: mesmo que um ator off Boroadway possa ser quase tão bom quanto uma estrela consagrada, é muito mais interessante para um produtor de um filme de orçamento multimilionário contratar uma estrela do que um talento promissor. A mesma coisa acontece com um time de futebol de primeira linha ou com a NASA: em mercados de tudo ou nada não existe espaço para segundos colocados.
As pessoas, em geral, tendem a pensar que são melhores que todas as outras e que vão vencer a corrida do tudo ou nada de alguma forma. Esse comportamento tem profundas raízes na nossa história evolutiva: nossos ancestrais já eram pródigos em se considerarem melhores que a maioria, um auto-engano muito útil na corrida da seleção sexual da nossa espécie. É por isso que, hoje, se você fizer uma enquête sobre como seus amigos acham que são em relação, por exemplo, à habilidade ao volante, vai perceber que a maioria se acha acima da média – o que, evidentemente, é impossível em termos estatísticos. Outro comportamento típico do ser humano relacionado a este mecanismo evolutivo de auto-engano é a memória seletiva para as exceções. É claro que, por mais difícil que seja vencer na advocacia, alguém acaba efetivamente vencendo, e quando isso acontece, freqüentemente acaba virando manchete na imprensa. Isso, entretanto, não mostra que as chances de outra pessoa também vencer sejam altas, pelo contrário: se os casos de sucesso são tão raros que merecem destaque na mídia, então deve ser realmente muito improvável que se vença esse jogo. Mas nosso cérebro está estruturado para lembrar das exceções positivas, não da massa de insucessos.
O resultado disso na advocacia é que muita gente – a maioria, na verdade – acabará obtendo um rendimento significativamente inferir ao que seria possível em outras carreiras menos prestigiadas. Em decorrência deste auto-engano, percebe-se um altíssimo índice de frustração profissional na classe. Se fossem realistas sobre suas próprias chances, será que tantos cérebros privilegiados se contentariam com a mediocridade que acaba por atingir a maior parte da militância na advocacia? Bem, se for para se frustrar de uma forma ou de outra, talvez tivesse sido melhor ter seguido em frente com o sonho de ser astronauta...
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*Membro do ICED – Instituto Comportamento, Evolução e Direito
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