É estranho o que sucede com a terceirização, nome que damos ao velho e difundido contrato civil de prestação de serviços. Por mais que alguns a combatam e acusem de ser responsável pela precarização do emprego, continua a se alastrar na administração pública e na iniciativa privada, dando seguidas demonstrações de estarmos diante de produto típico da economia moderna.
A primeira lei que trata da terceirização data de 1965, e tem o nº 4.886, cujo art. 1º prescreve: "Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios."
Seguiu-se o decreto-lei 200/67, no qual a descentralização, ou seja a terceirização, ocupa o terceiro lugar entre os cinco princípios fundamentais da Administração Pública, a saber: 1º) planejamento; 2º) coordenação; 3º) descentralização; 4º) delegação de competência; 5º) controle.
Vieram depois a lei 6.019/74, sobre o trabalho temporário, a lei 7.102/83, que exigiu dos estabelecimentos financeiros a contratação de serviços de vigilância terceirizados, e a lei 9.472/97, relativa à organização dos serviços de telecomunicações, permitindo, expressamente, à concessionária a contratação de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares.
Temos, ademais, a terceirização de serviços bancários, autorizada pelo Banco Central, como órgão de fiscalização e controle das instituições financeiras. Segundo informação do BACEN "Atualmente existem cerca de 3.200 postos de atendimento espalhados por todo o país, instalados nas agências próprias dos Correios. Em março de 2002, 1.750 municípios brasileiros não dispunham de agências bancárias. Com o Banco Postal, 939 desses municípios já foram atendidos".
Situação peculiar, em matéria de terceirização, ocorre na Petrobrás. Nas décadas de 40 e 50 o Brasil dividia-se, ideologicamente, entre aqueles que empunhavam a bandeira "o petróleo é nosso", e forças de direita que admitiam a pesquisa, lavra, extração e refino por empresas multinacionais.
A luta findaria com a aprovação da lei 2.004, de 3 de outubro de 1953, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, que criou a Petrobrás como sociedade anônima aberta, cujo acionista majoritário e controlador é o governo, à qual foi entregue, com exclusividade, a exploração da indústria petrolífera.
A Constituição de 1967 não tratou da matéria, mas a de 1988 foi taxativa e, no art. 177, do Título VII, alusivo à Ordem Econômica e Financeira, revigorou a tese monopolista, para reafirmar aquilo que prescrevia a lei: compete à União, com exclusividade, a pesquisa, lavra, refino, importação e exportação, e transporte marítimo do petróleo bruto, ou derivados.
Sabemos, todavia, que normas jurídicas são, às vezes, inexoravelmente atropeladas pelos fatos. Diante da descoberta das jazidas do pré-sal, o governo brasileiro convenceu-se de que o País não dispõe de recursos para explorá-las. Após alguma relutância rompeu com o princípio histórico e abriu as portas ao capital estrangeiro. Foi, então, promulgada a EC 9, de 9 de novembro de 1995, que altera o art. 177, e autoriza a União a contratar com empresas estatais ou privadas atividades até então exercidas através da Petrobrás. São as atividades-fim relacionadas entre os incisos I e V do citado dispositivo.
Torna-se cada vez mais difícil sustentar a ilegalidade da terceirização. A União se serve dela para privatizar portos e aeroportos e torná-los eficientes, e na construção de grandes obras, sem exceção. As melhores rodovias estaduais são aquelas entregues à administração de empresas privadas. O Município de São Paulo delegou a entidades privadas a administração de hospitais. Na iniciativa privada de médio e grande porte é impossível sobreviver sem ela.
A batalha contra a terceirização se aproxima do fim. A polêmica distinção entre atividade-meio e atividade-fim, adotada pelos redatores do Enunciado (entre os quais me encontrava), permitiu a duas correntes antagônicas, dentro do TST, se concertarem em torno de redação que, com mudanças superficiais, vem sendo penosamente conservada.
A autorização deferida pela Constituição, para a terceirização de atividades e serviços dos quais a União detinha o monopólio, e explorava através da Petrobrás, coloca em cheque a integridade do Enunciado 331, cuja principal característica reside na instituição de dicotomia (atividade-fim/atividade-meio) não reconhecida em lei.
Assim como o havia feito em relação ao Enunciado 256, cabe ao TST dar um passo adiante em relação ao 331, e adaptá-lo à realidade pós-Emenda 9. Poderá fazê-lo, com sensíveis benefícios para todos, se substituir a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, pela responsabilidade solidária, e eliminar a expressão atividade-meio constante do inciso III, cujo único mérito consiste em ter se transformado em multiplicador de reclamações trabalhistas e ações civis públicas.
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* Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do TST.