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Programa “mais médicos” – outro retalho legislativo!

O programa chama Mais Médicos, mas, como veremos, teremos no SUS estudantes ainda despreparados, e médicos estrangeiros sem diploma revalidado no país, ou seja, sem a confirmação da habilitação técnica para atuar no país.

5/8/2013

Impressionante a capacidade de improviso legislativo do Poder Executivo Federal, refiro-me à medida provisória que abre vagas para médicos estrangeiros sem revalidação de diploma e, exige do estudante de medicina a dedicação exclusiva, pelo tempo mínimo de dois anos, ao serviço público no SUS. Causa perplexidade a colcha de retalho legislativo, sem nexo, lógica ou respeito às técnicas jurídica e médica para implantação desse programa. Trata-se da MP 621 de 8 de julho de 2013.

O programa chama Mais Médicos, mas, como veremos, teremos no SUS estudantes ainda despreparados, e médicos estrangeiros sem diploma revalidado no país, ou seja, sem a confirmação da habilitação técnica para atuar no país.

Inicialmente o programa altera a grade curricular do curso de medicina, que terá o primeiro ciclo de atividade acadêmica correspondente a seis anos, e, ao final desse ciclo, a habilitação ao exercício da atividade médica restrita ao âmbito do SUS pelo prazo mínimo dois anos, como requisito obrigatório para o exercício pleno da medicina, cuja supervisão poderá ser por um médico pós graduado, não necessariamente um docente.

Atualmente, o médico cumpre os seis anos e já está habilitado ao exercício da medicina nos sistemas público e privado, sendo sua a escolha de onde irá atuar, por conta da liberdade ao exercício de sua profissão, conforme previsto na CF.

Aqui a primeira incoerência, a MP apela sob o argumento de que seria parte do processo pedagógico e, ao mesmo tempo, afirma que esse instrumento legal visa fomentar o SUS com mais médicos. Ora, um estudante, como é chamado pela MP, não seria médico ainda e não poderia suprir a deficiência do contingente de médicos no SUS.

Outra questão, qual o cunho acadêmico se a supervisão será de um médico pós graduado e não um docente ou, ainda, de "profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional" como dispõe a lei Federal 6.932/81 que trata da residência médica. Por outro lado, qual o cunho acadêmico se o objetivo da norma não é o estudante, mas o aumento do número de médicos no serviço público do SUS. Mais ainda, o ato supervisionado exige um médico experiente para cada estudante, quer dizer que não haverá aumento de contingente porque a atuação de cada estudante sempre exigirá um médico qualificado ao seu lado.

A MP afirma que esse segundo ciclo será obrigatório na graduação do estudante, já evidenciando que atenderá o SUS sem o preparo final técnico necessário.

Por outro lado, a MP, estranhamente, diz que o exercício profissional no segundo ciclo é restrito ao SUS, como se pudesse exercer a medicina com restrições. Confuso.

A atividade do segundo ciclo poderá ser considerada como parte da residência médica. Porém, quando o médico está na residência médica, ele já é considerado médico habilitado a exercer sua atividade em qualquer instituição que bem escolher. A MP restringe esse critério de forma arbitrária.

O estudante, nesse período, terá pagas as mensalidades de sua faculdade e receberá bolsa.

Na minha visão, considerando o escopo da norma, que nada tem a ver com projeto acadêmico ou de ensino, porque está clara a intenção de fomentar número maior de médicos no SUS, existe um vício de constitucionalidade pelo cerceamento da liberdade ao exercício profissional. Se existisse algum projeto acadêmico relacionado a tais serviços, poderia até ser justificado. Na residência médica há a especialização do médico em determinada área e isso segue uma metodologia científica previamente definida. Na leitura da MP, o estudante vai atender de forma indiscriminada os casos que lhe forem confiados, sob supervisão mas sem nenhuma metodologia acadêmica relacionada ou específica. Está ali para "quebrar o galho" e isso é inadmissível para criar uma obrigação dessa onerosidade.

Quanto a vinda dos médicos estrangeiros, a MP diz que priorizará os médicos formados no Brasil, os brasileiros formados no exterior, os médicos estrangeiros com diplomas revalidados no Brasil e, e daí vem o pavor, os médicos estrangeiros, formados fora do pais sem revalidação de diploma.

Esse último caso é preocupante, porque a falta de revalidação do diploma significa ausência de qualificação técnica para exercer sua atividade no país.

A MP chega a exigir ao médico estrangeiro "conhecimentos da língua portuguesa" e não fluência, isso significa que haverá falha na comunicação considerada fundamental para formação da anamnese, o diagnóstico e o prognóstico, com a necessária e exata compreensão do paciente.

Uma norma confusa em conceitos, contraditória, inconstitucional e adaptada como gambiarra legislativa que passa longe da solução do problema fundamental da saúde, tornando esse ainda mais complexo e insolúvel.

Triste país que ainda acredita que se resolvem questões fundamentais com a redação de leis esdrúxulas, como se o imperativo da vontade do Estado fosse suficiente para, sob o comando apenas, sanar as falhas estruturais graves que comprometem nossa saúde. Feliz e bem aventurado aquele que, no rodízio das escalas do plantão, for atendido por um médico legitimamente brasileiro!

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* Henrique Furquim Paiva é advogado sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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