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“Decisões definitivas no processo administrativo fiscal federal e a irradiação de seus efeitos em relação a terceiros”

1.O artigo 100, inciso II, do Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/66 – CTN), estipula que as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa, são normas complementares das leis, tratados e convenções internacionais e dos decretos. O parágrafo único daquele comando estabelece ainda que a “observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

17/11/2005


“Decisões definitivas no processo administrativo fiscal federal e a irradiação de seus efeitos em relação a terceiros”


Rogério Pires da Silva*


1. O artigo 100, inciso II, do Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/66 – CTN), estipula que as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa, são normas complementares das leis, tratados e convenções internacionais e dos decretos. O parágrafo único daquele comando estabelece ainda que a “observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.


2. Há pelo menos dois princípios jurídicos que justificam a exclusão de penalidades e acréscimos legais em relação ao particular que tenha seguido à risca a orientação fazendária consignada em decisão proferida no âmbito do processo administrativo fiscal. Trata-se de imposição decorrente do postulado da igualdade ou isonomia (Constituição Federal, art. 5º, “caput”, e art. 150, II), e que encontra amparo também no princípio da boa-fé ou da proteção da confiança depositada pelo contribuinte na palavra do fisco – princípio implícito na Carta (idem, art. 5º, § 2º), e já reconhecido positivamente no processo administrativo fiscal federal (Lei n.º 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, incisos IV e XIII).


3. A segurança jurídica que deve nortear as relações entre a administração e os administrados também recomenda que as decisões definitivas proferidas no contencioso administrativo fiscal, especialmente as que se tornam reiteradas, sirvam de orientação a ser respeitada pelo contribuinte e pelo próprio fisco.


4. A eficácia normativa de tais decisões deve ser conferida pela lei, como determina expressamente o art. 100, II, do CTN. Interessa neste trabalho, por isso mesmo, o exame do art. 76 da Lei n.º 4.502/64, bem como do art. 101 do Decreto-lei n.º 37/66, pois ambos excluem a imposição de penalidades a quem proceder ou pagar tributos de acordo com interpretação constante de decisão definitiva proferida em processo fiscal, quer o interessado seja parte, quer não.


5. Os citados dispositivos são a seguir reproduzidos para melhor clareza:

Lei n.º 4.502/64:


“Art . 76. Não serão aplicadas penalidades:


I - aos que, antes de qualquer procedimento fiscal, procurarem espontâneamente, a repartição fazendária competente, para denunciar a falta e sanar a irregularidade, ressalvados os casos previstos no art. 81, nos incisos I e II do art. 83 e nos incisos I, Il e III do art. 87;


II - enquanto prevalecer o entendimento - aos que tiverem agido ou pago o impôsto:


a) de acôrdo com interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta,
seja ou não parte o interessado;


b) de acôrdo com interpretação fiscal constante de decisão de primeira instância, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, em que o interessado fôr parte;


c) de acôrdo com interpretação fiscal constante de circulares instruções, portarias, ordens de serviço e outros atos interpretativos baixados pelas autoridades fazendárias competentes.” (grifamos)


Decreto-lei n.º 37/66:


“Art. 101 - Não será aplicada penalidade - enquanto prevalecer o entendimento - a quem proceder ou pagar o imposto:


I - de acordo com interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal inclusive de consulta,
seja o interessado parte ou não;


II - de acordo com interpretação fiscal constante de decisão de primeira instância proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, em que o interessado for parte;


III - de acordo com interpretação fiscal constante de circular, instrução, portaria, ordem de serviço e outros atos interpretativos baixados pela autoridade fazendária competente.” (grifamos)

6. Aquelas regras chegaram a ser escrupulosamente compiladas em decretos regulamentares editados pelo Poder Executivo Federal, vinculando por isso mesmo toda a administração fazendária naquela esfera. Aliás, é a própria Constituição que atribui solenemente ao Presidente da República a competência de expedir decretos e regulamentos exatamente para a fiel execução das leis (art. 84, IV).


7. Assim, o Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (RIPI) baixado com o Decreto n.º 2.637/98 (a exemplo dos diplomas que antecederam aquela compilação) reproduzia fielmente, em seu art. 459, o conteúdo do citado art. 76 da Lei n.º 4.502/64, e o atual RIPI (Decreto n.º 4.544/02) também reproduz integralmente o referido comando no seu art. 486.


8. Da mesma forma, o art. 506 do Regulamento Aduaneiro (RA) baixado com o Decreto n.º 91.030/85 repetia lealmente o texto do art. 101 do Decreto-lei n.º 37/66.


9. Todavia, a matéria de que cuida aquele dispositivo vem hoje compilada no art. 610 do vigente RA, publicado com o Decreto n.º 4.543/2002 e, estranhamente, o comando regulamentar limitou consideravelmente o alcance da lei, ao estipular que a penalidade não será aplicada a quem seguir orientação decorrente de decisão proferida apenas em processo em que o interessado seja parte, como se pode ler a seguir:

“Art. 610. Não será aplicada penalidade enquanto prevalecer o entendimento, a quem cumprir as obrigações acessória e principal (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 101):

I - de acordo com interpretação fiscal constante de decisão de qualquer instância administrativa, proferida em processo de determinação e exigência de créditos tributários ou de consulta, em que o interessado seja parte; ou

II - de acordo com interpretação fiscal constante de ato expedido pela Secretaria da Receita Federal.” (grifamos)

10. É possível concluir que, se não se trata de uma flagrante ilegalidade (que ofende claramente o art. 84, IV, da Constituição), só pode se tratar de manifesto equívoco de compilação.


11. De todo modo – e a conclusão que se impõe já retoma o citado princípio da igualdade – não faz sentido que a decisão proferida em processo fiscal federal relativamente a um contribuinte não seja estendida a outro contribuinte que se encontre na mesma condição.


12. Ademais, e se tal regra vale para os processos administrativos em matéria de IPI (conforme se viu acima), não há razão para que sua eficácia seja limitada apenas e tão somente em matéria aduaneira, de modo que mesmo naquela seara deve prevalecer a inexigibilidade da multa em relação a quem tenha procedido de acordo com interpretação definitiva proferida em processo administrativo fiscal. Impõe-se o mesmo entendimento, aliás, no que se refere a litígios administrativos envolvendo também outros tributos federais, pelas mesmas razões de isonomia.
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*Advogado do escritório Boccuzzi Advogados Associados









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