1. INTRODUÇÃO
Em 7 de junho de 2013, o Ministério das Cidades emitiu a portaria 262/13, que trata dos repasses de recursos do OGU – Orçamento Geral da União para projetos de mobilidade urbana do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento a serem implantados e operados por meio de contratos de PPP – Parceria Público-Privada.
Esses recursos já estavam prometidos há muito e a definição da sua alocação para cada um dos projetos foi objeto da portaria 185, de 4 de abril de 2012, do Ministério da Cidades, que selecionou 32 projetos de mobilidade urbana (linhas de metrô, VLT, monotrilho etc.), com valor de investimento total estimado, somando-se todos os projetos, de aproximadamente R$30 bilhões, sendo que a transferência de recursos da União para viabilizar esses projetos seria na ordem de R$ 21 bilhões.
Tabela 1 – Valor do investimento dos projetos de mobilidade urbana do PAC2 – Mobilidade – Grandes Cidades e valor dos recursos a serem disponibilizados pela União
(em R$ milhões)
O restante dos recursos necessários para a viabilização desses projetos seriam oriundos ou dos Estados/Municípios responsáveis pela implantação dos projetos, ou da cobrança de tarifas aos usuários do serviço. [1]
Na época em que foi emitida a portaria 185/12 (aquela que definiu a alocação dos recursos para cada projeto), os repasses do Ministério das Cidades para obras de Estados e Municípios eram regidos pela portaria 40, de 31 de janeiro de 2011 [2], que aprovou o Manual de Instruções para Contratação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades inseridos na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC 2.
Exatamente porque era focada nos repasses de recursos da União para obras de Estados e Municípios, a portaria 40/11 estabelecia sistemática de repasses incompatível com a implantação de projetos por meio de contratos de PPP [3].
Após processo de convencimento realizado por Estados e Municípios – que já estavam desenvolvendo vários dos projetos de mobilidade urbana para contratação sob a forma de PPP – o Ministério das Cidades decidiu que emitiria um outro normativo para viabilização dos repasses para os projetos de PPP.
Por isso, em 24 de julho de 2012, o Ministério das Cidades emitiu a portaria 331/12, que anunciava, no seu artigo 1º, parágrafo 3º, que haveria um normativo específico para repasses para PPPs de mobilidade urbana.
Já antes da emissão da portaria 331/12, e sobretudo após a sua emissão, participei, na condição de especialista em PPPs, de diversas reuniões, seminários e oficinas, inclusive um seminário promovido pela Caixa Econômica Federal em 18 de outubro de 2012, com a participação do Ministério das Cidades e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no qual ministrei duas palestras, uma sobre projetos de PPP de mobilidade urbana e outra sobre os requisitos que deveria cumprir a já esperada portaria sobre repasses para PPPs.
Contratado como consultor em diversos projetos de PPP de mobilidade urbana de Estados e Municípios, fui instado duas vezes a redigir minutas dessa portaria e o fiz, minutas essas que, até onde sei, chegaram ao conhecimento do Ministério das Cidades, por meio dos Governos estaduais e/ou municipais.
Outras tantas vezes elaborei pequenos textos para explicar aos mais diversos agentes públicos e privados o que era necessário estar contido nessa portaria para viabilizar as PPPs de mobilidade urbana. Fiz também em diversos fóruns exposição sobre a relevância dessa portaria e o que tinha que estar contido nela. [4]
Nas discussões que tive sobre a estrutura dessa Portaria, alguns argumentaram que, para realizar a Portaria com a estrutura que eu propunha, seria necessário alterar a lei do PAC (lei 11.578/07) e estabelecer claramente que os repasses de recursos do OGU para PPPs não precisariam seguir a exigência constante da LDO – lei das diretrizes orçamentárias de que os orçamentos das obras custeadas com dinheiro da União tenham que ser realizados utilizando como referência o SICRO e/ou o SINAPI.
O meu entendimento era que essas alterações legais não eram necessárias. Mas sempre disse a meus interlocutores que se o Governo, ou se os órgão de controle da União, nomeadamente CGU – Controladoria Geral da União e TCU – Tribunal de Contas da União, por terem uma interpretação mais conservadora da legislação, entendiam que tais alterações legais eram necessárias, por que o Governo não as fez, ou pelo menos não as propôs?
Grandes projetos de mobilidade urbana são tão importantes que justificam, inclusive, realizar essas alterações por Medida Provisória. E acho que, até as manifestações de rua recentes, estava claro que o Governo, se quisesse, não teria grandes dificuldades em aprovar medidas desse tipo no Congresso. Com as manifestações de rua, talvez se torne ainda mais fácil aprovar essas alterações.
Para afastar a exigência da LDO de precificação dos estudos de viabilidade utilizando SICRO e/ou SINAPI, a lei 12.766/12, inseriu o §4º, no art. 10, da lei de PPP (lei 11.079/04) que estabeleceu expressamente que o orçamento dos investimentos de PPP poderiam não seguir SICRO e/ou SINAPI, de maneira que uma das questões acima apontadas estaria superada.
Emitida quase um ano depois do seu anúncio, a portaria 262/13 (que, de agora em diante, chamarei apenas de "portaria") foi emitida com uma estrutura coerente com as regras tradicionais do PAC, mas inadequada para o cronograma necessário para a implantação dos projetos de mobilidade dos Estados. A seguir, pretendo sugerir as linhas mestras do que me parece uma estrutura adequada para uma portaria a ser emitida nesse momento.
Além disso, há outras dificuldades que decorrem de posições adotadas pela Portaria, que eu pretendo apontar, com objetivo de contribuir para a sua mudança.
2. O ATRASO NA EMISSÃO DA PORTARIA TORNOU NECESSÁRIA MUDANÇA NA SUA ESTRUTURA
Ao longo do ano passado, todos nós envolvidos com a modelagem de projetos estaduais e municipais de mobilidade urbana trabalhamos com a premissa da emissão, ainda no ano passado, da Portaria.
Se emitida no ano passado, talvez a Portaria pudesse viabilizar ainda neste ano a contratação dos projetos estaduais seguindo as regras tradicionais do PAC, que implicam em análise e aprovação pela União (neste caso, representada pelo Ministério das Cidades) dos estudos de viabilidade (técnica, econômico-financeira, e jurídica), minutas de edital e contratos elaborados pelos Estados e Municípios.
Essa estrutura tradicional de repasses da União para Estados e Municípios é calcada na desconfiança de que se não forem devidamente controlados, Estados e Municípios usarão os recursos repassados pela União para outros fins, diversos daqueles para os quais os recebeu. Por isso que, na sistemática tradicional de repasses do PAC, a União (a) analisa e aprova previamente os projetos de engenharia das obras; (b) estabelece diretrizes para a contratação dessas obras; (c) libera os recursos apenas em conta vinculada para pagamento da empresa contratada para a realização da obra após a verificação pela Caixa Econômica Federal da medição da obra realizada ou do cumprimento da etapa prevista no contrato.
Essa mesma lógica foi utilizada na Portaria, mudando apenas o que era necessário para compatibilizar essa lógica com a das PPPs.
Como, contudo, a emissão da Portaria se deu no meio desse ano, na minha opinião, ela praticamente inviabilizou que projetos estruturados pelos Estados sejam contratados ainda nos atuais mandatos dos Governadores. Isso significa que esses projetos ficariam, no melhor dos mundos, para serem licitados em 2015 ou 2016.
É que não há tempo para que seja realizada a análise e validação pelo Ministério das Cidades dos estudos de viabilidade, editais e contratos em tempo de se fazer o processo de contratação antes de 2014 que é ano eleitoral para os Estados. Como assinalo com mais vagar nos itens abaixo, se o processo de contratação de PPPs de mobilidade urbana estaduais não forem realizadas no ano de 2013, o mais provável é que a contratação desses projetos seja empurrada para 2015 em diante, a depender do ocorrer nas próximas eleições estaduais.
Para a Portaria ser efetiva, e viabilizar a contratação dos projetos, ela deveria ter adotado uma estrutura diferente da tradicional do PAC. Seria preciso repassar os recursos para os Estados e Municípios sem análise dos estudos de viabilidade, editais e contratos dos projetos, porque não há tempo para essas análises.
Para proteger a União contra a possibilidade de Estados e Municípios resolverem usar os recursos do OGU para fins diversos da implantação dos projetos de mobilidade urbana, a União poderia exigir contragarantias dos Estados e Municípios, que seriam executadas apenas se os projetos não forem executados nos prazos cabíveis.
O cronograma de implantação desses projetos a constar dos termos de compromisso para repasse poderia ser proposto pelos Estados e Municípios e aprovados pela União. A preocupação central da União, nesse caso, seria adotar cronogramas que tornassem as administrações atuais estaduais e municipais comprometidas com a implantação dos projetos sob pena de execução das contragarantias.
O problema é que para aprovação de uma portaria com essa estrutura que estou propondo, seria indispensável a emissão de uma medida provisória, que criasse uma nova lógica de repasses de recurso da União diversa da lógica tradicional do PAC.
Essa medida provisória deveria ser enviada para o Congresso o quanto antes – e paralelamente ao seu envio, e utilizando da sua eficácia jurídica imediata como Medida Provisória – dever-se-ia iniciar e praticar os atos necessários à realização dos repasses.
Isso parece algo drástico quando comparado ao que o Governo planejou até aqui. Mas me parece a única forma de viabilizar a efetiva implantação dos projetos de PPP de mobilidade urbana com a urgência cabível, até mesmo para dar resposta aos clamores das ruas.
Manter a Portaria como está, isto é supondo que o Ministério das Cidades analisará e aprovará os estudos de viabilidade, editais e contratos de cada PPP de mobilidade do PAC – Mobilidade – Grandes Cidades implica, na minha opinião, em alto risco dos projetos estaduais (que representam mais da metade dos projetos inseridos no programa) ficarem para 2015 em diante, o que seria lamentável.
A seguir analiso a Portaria com o objetivo sobretudo de evidenciar o risco de atraso dos projetos que a sua atual estrutura acarreta.
3. O ATRASO NA EMISSÃO DA PORTARIA E O ATRASO NOS PROJETOS ESTADUAIS QUE PODEM FICAR AGORA SÓ PARA 2015/16
A Portaria condicionou o início das licitações dos projetos de mobilidade urbana a serem implantados e operados por PPPs à assinatura dos termos de compromisso que disciplinam os repasses entre a União, os Estados e os Municípios.
Além disso, a Portaria condicionou a assinatura dos termos de compromisso à aprovação dos estudos de viabilidade dos projetos, editais e contratos pelo Ministério das Cidades.
Portanto, até que o Ministério das Cidades aprove os estudos de viabilidade e demais documentos, as licitações dos projetos de mobilidade terão que ficar paradas, terão que esperar...
Note-se que diversos desses projetos já têm estudos de viabilidade prontos e editais e contratos de concessão que já foram à consulta pública. Veja-se, o exemplo da Linha 03, do Metrô do Rio, cujos estudos de viabilidade estão prontos, mas não foram à consulta pública, e os casos do VLT de Goiânia e do Metrô de Curitiba cujos editais e contratos também já foram à consulta pública.
A reanálise e mudança pelo Ministério das Cidades dos estudos de viabilidade, editais e contratos implicaria em atrasos relevantes em projetos que estão prontos para sair. Será que essas alterações, uma vez realizadas, vão requerer novas consultas e audiências públicas antes de dar seguimento à contratação das PPPs? Ou as alterações solicitadas pelo Ministério das Cidades serão frugais e, por isso, será viável publicar as versões finais dos editais diretamente, sem nova consulta pública?
Além disso, há o caso do Metrô de Salvador que está em licitação. Não está claro o que fará o Ministério das Cidades nesse caso... será que por ocasião da aprovação do respectivo Termo de Compromisso para repasse, o Ministério das Cidades vai estabelecer condições para o repasse que implicam em necessidade de alterar projetos já licitados, induzindo os Estados/Municípios a mudar as condições de competição e violar o princípio da vinculação ao edital? Espero que não.
Há um sinal alvissareiro, contudo, em relação aos projetos já licitados que vem da rapidez com que foi aprovado o Termo de Compromisso relativo ao VLT do Rio, cujo contrato de PPP entre o Município e os vencedores da licitação já estava assinado na data em que foi publicada a Portaria. Mas será que isso será repetido em relação aos projetos que estão ainda por iniciar a licitação?
Enfim, creio que há reais riscos da Portaria levar ao adiamento de diversos projetos de mobilidade.
No caso dos projetos estaduais e do Distrito Federal, esse risco de atraso é ainda maior. E note-se que dos 32 projetos incluídos no PAC2 – Mobilidade – Grandes Cidades, 17 são estaduais ou do Distrito Federal, isto representa mais de 50% do programa.
Como licitações de PPPs e concessões sempre levantam alguma controvérsia do ponto de vista político, são raros os agentes políticos que têm a coragem de colocar uma licitação de PPP ou concessão na rua em ano eleitoral. E 2014 é ano eleitoral para Estados e União.
Além disso, mesmo que se iniciem licitações de projetos estaduais em 2014, elas ocorrerão em ambiente político-institucional minado, propício para a sua interrupção ou seu adiamento, por denúncias na imprensa, ao Ministério Público e outros órgãos de controle. Por isso, é provável que, se as licitações dos projetos de PPP de mobilidade urbana estaduais não forem colocadas na rua nesse segundo semestre de 2013, elas terminarão adiadas, possivelmente, no melhor dos mundos, para 2015.
Existe ainda a possibilidade das licitações dessas PPPs serem iniciadas em 2014, a contratação não ser concluída antes da eleição e o eventual novo Governo simplesmente cancelar a licitação no princípio de 2015. Veja-se o caso das PPPs colocadas em licitação no último ano de mandato (2010) de Yeda Crusius no Rio Grande do Sul – a PPP do Complexo Prisional de Canoas e da rodovia ERS 010 – cujos processos licitatórios não chegaram ao fim no seu mandato e que foram cancelados, em 2011, logo após a posse de Tarso Genro, como Governador.
4. A PORTARIA EXIGIU QUE OS ESTUDOS DE VIABILIDADE E OUTROS DOCUMENTOS DOS PROJETOS SEJAM ENVIADOS AO MINISTÉRIO DAS CIDADES, MAS NÃO DISSE O QUE O MINISTÉRIO EXIGIRÁ EM RELAÇÃO A ESSES ESTUDOS
A Portaria enunciou que o Ministério das Cidades terá que aprovar os estudos de viabilidade dos projetos de mobilidade para os quais haverá repasse de recursos, mas não estabeleceu quais exigências terão que ser obedecidas pelos estudos de viabilidade e editais e contratos para obtenção dessa aprovação.
Não me surpreenderia que, nos próximos meses, o Ministério das Cidades emita um outro ato normativo estipulando, por exemplo:
(i) o valor da taxa de retorno "oficial" que o estudo de viabilidade terá que prever para ser aprovado (seria ingênuo achar que essas taxas não terão os vezos das taxas de rentabilidade calculadas atualmente pelo Tesouro Nacional para as concessões federais);
(ii) o critério de precificação dos investimentos (exigindo que os estudos de engenharia sejam precificados seguindo SICRO/SINAPI) [5]; e,
(iii) o texto padrão das cláusulas dos editais e contratos sobre equilíbrio econômico-financeiro ou outros temas, atualmente caros para a forma padronizada de pensamento no Governo Federal sobre concessões (a fórmula vem sendo repetida, com mudanças pontuais nas concessões de rodovias, aeroportos, ferrovias e eventualmente será também nos arrendamentos e concessões de Portos).
Essa indefinição e, portanto, também incerteza sobre o que, de fato, o Ministério das Cidades exigirá para aprovar os estudos, na minha opinião, tem o potencial de se tornar mais uma fonte possível de atrasos e de discussões infindáveis.
As últimas vezes que perguntei a agentes públicos federais a razão porque a União teria que "reaprovar" (perdoem-me o neologismo) os estudos de viabilidade feitos pelos Estados e Municípios, ao fim e ao cabo, o argumento era que os órgãos de controle, nomeadamente a CGU e o TCU, não deixariam que os repasses fossem feitos sem que os projetos sejam "reaprovados" pela União.
Para mim, esse argumento pode fazer algum sentido quando vindo de um agente público subalterno. Mas não faz nenhum sentido quando vindo de um Ministro responsável por viabilizar os projetos de mobilidade urbana.
É que CGU e TCU cumprem leis. No limite, se não houver outra forma de discipliná-los, que se envie uma Medida Provisória para o Congresso mudando as leis, mudando, por exemplo, a Lei do PAC, para permitir que os repasses sejam feitos sem necessidade de "reaprovação" desses estudos no âmbito da União.
Note-se que os repasses da União para Estados e Municípios eram feitos no passado muito mais facilmente, e com muito mais simplicidade. Foi a legislação do PAC que inaugurou o conjunto de exigências que existem atualmente para esses repasses. Isso juntamente com a exigência que vinha desde a LDO de 2003 de se utilizar SICRO e/ou SINAPI para precificar as obras a serem realizadas com repasses da União deu os contornos do que é hoje a atividade de realização de repasses da União para projetos do PAC.
Em vista da relevância do problema do transporte urbano no Brasil, poderia o Governo ter modificado a Lei do PAC para viabilizar os repasses deixando para os Estados e Municípios a aprovação desses estudos e dos editais e contratos de PPP dos respectivos projetos. Isso seria, de fato, privilegiar o princípio da cooperação entre entes estatais na implantação desses projetos. [6]
5. QUEM FARÁ A ANÁLISE DOS ESTUDOS PARA O MINISTÉRIO DAS CIDADES?
Apesar do Ministério das Cidades ter tomado para si a incumbência de reanalisar e aprovar os estudos de viabilidade realizados por Estados e Municípios, a Portaria não estabeleceu quem exatamente analisará esses estudos.
Não é segredo para ninguém que o Ministério das Cidades não tem atualmente corpo técnico treinado para analisar estudos de viabilidade de projetos de PPP e concessão de mobilidade urbana. Aliás, a falta dessa expertise no Ministério das Cidades é exatamente uma das justificativas para o atraso na emissão da Portaria.
Criar e treinar corpo técnico para analisar esses estudos de viabilidade, mesmo que com a ajuda do corpo técnico da Unidade de PPP do Ministério do Planejamento [7], vai demorar algum tempo. E isso, na minha percepção, caminha no sentido de se configurar como mais uma fonte de atraso dos projetos: projetos ficarão parados aguardando a análise e aprovação dos seus respectivos estudos de viabilidade pelo Ministério das Cidades.
Sobre quem analisará os estudos de viabilidade, a Portaria diz o seguinte:
"§ 4° Para a aprovação de que trata o § 1° deste artigo (aprovação do Termo de Compromisso entre Estados ou Municípios e União, Termo de Compromisso esse cuja assinatura é condição do repasse), o Ministério das Cidades deverá apreciar o EVTE e verificar a aderência das minutas do edital e do contrato ao EVTE e às condições estabelecidas nesta Portaria.
§ 5° Para os fins do disposto no parágrafo anterior, o Ministério das Cidades poderá celebrar convênios, acordos de cooperação técnica, contratos ou quaisquer outras avenças, com pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou internacionais, de direito público ou privado, observado o disposto na legislação aplicável."
A Portaria, portanto, deu a entender que o Ministério das Cidades contratará ou fará convênios ou termos de cooperação técnica com terceiros para analisar os estudos de viabilidade dos projetos.
Um convênio ou um termo de cooperação desses no âmbito da União demora, no melhor dos mundos, 4 meses para ser assinado. Uma contratação de empresa para realizar análise desses estudos, se for mediante licitação, demora, em regra, mais de 6 meses. Se for contratação por inexigibilidade ou dispensa de licitação, demorará também em torno de 3-4 meses pelo menos, se o membro da AGU – Advocacia Geral da União encarregado de dar o parecer sobre a dispensa/inexigibilidade estiver completamente convencido da legitimidade da dispensa ou da inexigibilidade.
Parece-me enfim difícil que os projetos sejam aprovados antes do ano que vem. E, em relação aos projetos estaduais, creio haver risco que eles sejam lançados agora para, no melhor dos mundos, 2015 e 2016.
6. E OS RECURSOS DE FINANCIAMENTO DO BANCO DO BRASIL E DO BNDES?
O PAC 2 – Mobilidade – Grandes Cidades selecionou projetos estaduais e municipais para receber recursos da União tanto por repasse do OGU quanto sob a forma de financiamento pelo BNDES e Banco do Brasil.
A Portaria tratou apenas das condições para repasse dos recursos do OGU. Nada foi dito nela sobre as condições para recebimento dos demais recursos.
Como é inviável dar seguimento ao processo de implantação dos projetos sem certeza sobre o equacionamento do recebimento de todos os recursos, é possível que os projetos continuem aguardando clareza sobre as regras a respeito dos demais recursos a serem destinados aos projetos.
7. O REPASSE DE DINHEIRO DO OGU NÃO CRIA QUALQUER RESPONSABILIDADE PARA A UNIÃO: QUEM PAGARÁ PELOS REEQUILÍBRIOS POR ATRASO NO PAGAMENTO?
A Portaria diz que os repasses de recursos do OGU não criam qualquer responsabilidade para a União (art. 1°, §4°).
Na minha opinião, isso cria problemas de uma perspectiva técnica e política.
De uma perspectiva técnica, a minha preocupação é com o atraso nos pagamentos a serem feitos pela União ao concessionário.
Atrasos no pagamento resultam geralmente em queda de rentabilidade do projeto para o concessionário. A depender de sua dimensão, podem ter consequências graves, como a interrupção das obras (com custos, eventualmente, de desmobilização e depois de remobilização), atraso na disponibilização do serviço e, portanto, do início da percepção das receitas do concessionário. Tudo isso, em regra, impacta negativamente a rentabilidade do projeto para o concessionário.
Uma questão relevante na modelagem dos projetos é quem assume esse risco. Não faz sentido que o risco seja do concessionário, porque diz respeito a atrasos consequentes da burocracia da União ou dos Estados e Municípios.
Como a Portaria estipulou que a União não cobrirá esse risco, ele será necessariamente do Estado ou Município. E aí a questão é se o orçamento do Estado e do Município tem condição de suportar esse risco. Em outras palavras, a questão é – caso a União atrase o repasse por qualquer motivo não imputável ao concessionário – se o orçamento ou se a estrutura de garantia para a PPP montada pelo Estado ou Município terá condição de cobrir (ainda que temporariamente) o valor do repasse. Em muitos casos, o Estado ou Município simplesmente não terá condição de cobrir o atraso da União.
Isso resultará em interrupção de obras e na necessidade de reequilibrar o contrato de PPP, o que tornará o projeto como um todo mais caro para o usuário e para o Poder Público.
Na minha opinião, seria mais razoável que a União arcasse com as consequências do seu atraso, o que geraria incentivo para que os pagamentos não fossem interrompidos ou atrasados por questões de menor relevância.
Da perspectiva política, me parece que a Portaria, por meio do já aludido art. 1º, §4º e de outros dispositivos, criou um sistema de incentivos equivocado. É que se a União não tem qualquer responsabilidade, nem assume riscos em relação aos projetos, qual o sentido dela ter que aprovar os estudos de viabilidade, editais e contratos dos projetos?
O natural seria que os estudos de viabilidade, editais e contratos sejam aprovados apenas pelo órgão contratante (Estado, Distrito Federal ou Município) até mesmo para gerar o incentivo adequado: se contratar bem, seguindo as cautelas devidas, o Chefe do Poder Executivo do órgão contratante terá os louros políticos de ter tirado o projeto do papel. Se contratar mal, e se o projeto não se viabilizar, ele terá que arcar com o seu insucesso.
Nesse contexto, não me parece fazer sentido que a União (que não assume qualquer responsabilidade ou risco no projeto) aprove os estudos, edital e contrato do respectivo projeto.
8. À GUISA DE CONCLUSÃO
Creio que há grande risco que os grandes projetos de mobilidade urbana tão importantes para melhoria das condições de vida das populações das grandes cidades e, agora também relevantes para responder aos protestos e manifestações de rua, terminem atrasados por consequência da própria engenharia institucional montada para a realização dos repasses.
Como já mencionei acima, a única forma de viabilizar que os projetos estaduais sejam contratados e se tornem legados dos atuais Governos Federal e Estaduais é viabilizar os repasses sem a reanálise e "reaprovação" pela União dos estudos de viabilidade, editais e contratos elaborados pelos Estados e Municípios.
____________
[1] Notem que, para os projetos a serem implantados sob a forma de PPP, o valor dos pagamentos do Estado ou Município e dos usuários seria possivelmente muito superior à diferença entre o total de recursos disponibilizados pela União e o valor total do investimento. É que ao diluir o pagamento ao concessionário em, por exemplo 30 anos, além do custo do investimento, o pagamento do Estado/Município e usuários deverá fazer face aos custos operacionais do projeto, tributos, encargos e à remuneração do concessionário.
[2] Revogada e substituída posteriormente pela Portaria 164, de 2013.
[3] Entre outros, a Portaria 40/11 exigia que, para assinatura do Termo de Compromisso, houvesse projeto básico das obras, “termo de dominialidade” das áreas a serem utilizadas para a implantação do projeto e licença prévia ambiental. Em projetos a serem implantados por meio de contratos de PPP, muitas vezes a elaboração do projeto básico, as licenças ambientais, e as desapropriações e desocupações são responsabilidade do parceiro privado. Por isso, na sistemática da Portaria 40/11 seria inviável ter o Termo de Compromisso, que assegura os recursos para repasse da União para o Estado ou Município assinado antes da contratação da PPP. E isso criava uma insegurança relevante, pois os projetos teriam que ser licitados sem a assinatura do Termo Compromisso, isto é sem a garantia de que os recursos indispensáveis à sua implantação estariam disponíveis para pagamento ao parceiro privado.
[4] Cf.: exposição feita sobre o tema na FGV, em março de 2013, cuja apresentação está publicada no seguinte link: https://www.slideshare.net/portugalribeiro/aula-fgv-mobilidade-lei-12766-e-portaria-de-repasse-versao-preliminar
[5] Na minha opinião, não se aplica ao repasse para PPPs a exigência que os estudos sigam SICRO/SINAPI, prevista nas LDOs da União dos últimos anos. Na minha opinião, a exigência constante da LDO alcança apenas o caso de investimentos realizados por meio de contratos de obra pública.
[6] A Portaria diz basear-se nesse princípio (§3°, do art 1°). Na minha opinião, esse princípio seria verdadeiramente privilegiado se a aprovação dos estudos de viabilidade, dos editais e contratos de PPP fosse realizado pelo ente responsável pela sua contratação.
[7] Apesar da equipe da Unidade de PPP ser bem formada, por razões políticas, não houve ainda PPP no Governo Federal que saísse do papel, com exceção do Datacenter montado pelo Banco do Brasil e pela Caixa, cuja modelagem ocorreu independente da Unidade de PPP.
_____________
* Mauricio Portugal Ribeiro é sócio do escritório Portugal Ribeiro & Navarro Prado Advogados.