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A configuração legal da área de proteção ambiental

Tomando consciência de que é necessário preservar, conservar e defender a natureza, diante das agressões e ofensas que, ao longo dos séculos, têm-lhe sido feitas pelo homem, este próprio, sentindo-se ameaçado, tem procurado, a nível global, estabelecer meios e condições para não perecer.

16/11/2005


A Configuração Legal da Área de Proteção Ambiental

Capivari-Monos da Cidade de São Paulo

Jayme Vita Roso*

1- Tomando consciência de que é necessário preservar, conservar e defender a natureza, diante das agressões e ofensas que, ao longo dos séculos, têm-lhe sido feitas pelo homem, este próprio, sentindo-se ameaçado, tem procurado, a nível global, estabelecer meios e condições para não perecer. A conseqüência é que se começou, nos últimos trinta anos, a cuidar das remanescentes áreas protegidas, dando-lhes a merecida importância, através de convenções e programas internacionais (Convenção de Diversidade Biológica, Convenção do Patrimônio Mundial Natural, WHC, Convenção de Ranssar, na designação de zonas úmidas de importância internacional, o Tratado Antártico, dentre outros). Com esses documentos, tenta-se dar sustentáculo às políticas internacionais no estabelecimento e no manejo de áreas protegidas, para a conservação da biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais e culturais.

1.1- Particularmente, o WHC, como é conhecido, tenta suprir os valores fundantes globais para as áreas já consideradas como protegidas, como também abre sendas para o estímulo, proteção, identificação e preservação do patrimônio natural e cultural do Planeta Terra.

1.1.1- Até poucos anos atrás, não se dava a mínima importância ao entrelaçamento entre os patrimônios natural e cultural. Ainda hoje, é mínima essa relação, como vimos com a destruição do patrimônio cultural do Iraque, quando foi invadido. O entrelaçamento nos faz pensar na necessidade de refletirmos sobre a validade de ambos serem considerados em conjunto, ou seja, quando um é afetado, o outro o é.

2- Com muito orgulho, nós, paulistanos, poderemos comemorar que a união entre o Executivo e o Legislativo deu origem à Lei Municipal n° 13.706, de 5 de janeiro de 2004, oriunda do Projeto de Lei n° 392/03, do Executivo (DOM 6/1/04, n°2)1, com o esforço e a abnegação de munícipes e alguns funcionários. É motivo de destaque o Executivo ter rigorosamente cumprido o prazo legal e sancionado a lei, já aprovada na sessão do Legislativo de 10 de dezembro de 2003.

3- Esse zoneamento geo-ambiental foi instituído pela Lei Municipal n° 13.136, de 9 de junho de 2001, e, conseqüentemente, ao ser estabelecido, deveria compreender, no seu arco de cerca de 60 quilômetros, diversas zonas, que são:

3.1- Zona de Regime Especial Específico (ZRLE), que compreende “as Unidades de Conservação existentes ou que vierem a ser criadas, terras indígenas e outras situações especiais de proteção ambiental” (art.2°).

Deve ser observado que o legislador municipal foi correto em dar regime especialíssimo à ZRLE, pelo fato de que a sua peculiaridade exigia regulamentação própria e plano de manejo de cada uma dessas Unidades de Conservação (p. ex., Reserva Particular de Patrimônio Natural – RPPN), mas, como cada uma delas tem regime e tratamento específicos, como partes integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho de 2000), não poderia sobrepor-se às previsões de leis federais.

3.2- Zona de Vida Silvestre (ZUS): “compreende porções de território de grande importância para a proteção dos recursos hídricos e da biodiversidade, tais como as planícies aluviais, os remanescentes significativos da Mata Atlântica delimitados nesta lei e as cabeceiras dos cursos d’água de especial interesse para o abastecimento hídrico” (art.3°). Nela. vedam-se inúmeras atividades, mas, o que é saliente, são permitidos:

“I - pesquisa científica;

II - atividades de educação ambiental;

III - excursionismo, excetuado o campismo;

IV - atividades de manejo agroflorestal sustentável, devidamente licenciadas pelos órgãos competentes” (art.4°).

3.3- Zona de Conservação e Uso Sustentado dos Recursos Naturais (ZUS), que “compreende áreas nas quais poderá ser admitido o uso moderado e auto-sustentado da biota, regulado de modo a assegurar a manutenção dos ecossistemas naturais” (art.6°). Há inúmeras atividades vedadas e outras permitidas, que são:

“I - atividades e empreendimentos turísticos;

II - atividades de manejo agroflorestal sustentável, devidamente licenciadas pelos órgãos competentes;

III - chácaras e sítios de lazer;

IV - as atividades permitidas em ZVS;

V - a exploração de água mineral, nos termos do Código de Águas Minerais - Decreto-Lei Federal nº 7.841, de 8 de agosto de 1945” (art.7°).

3.4- Zona de Uso Agropecuário (ZUA), que “compreende as áreas aptas à produção agropecuária e à extração mineral, onde houver interesse na manutenção e promoção dessas atividades. Parágrafo único – A ZUA é destinada a promover o desenvolvimento sustentável das comunidades habitantes da APA, mediante a utilização e o manejo do solo agrícola para atividades agrossilvopastoris e minerárias de maneira compatível à aptidão dos solos, adotando-se técnicas adequadas para evitar processos erosivos e contaminação dos aqüíferos” (art.11). Há, como nos anteriores, algumas vedações ou atividades praticadas ou permitidas, que podem ser:

“I - uso agropastoril;

II - piscicultura;

III - agroindústria familiar;

IV - uso institucional, comercial e serviços locais diversificados;

V - empreendimentos turísticos;

VI - chácaras e sítios de lazer;

VII - atividades minerárias, desde que com Plano de Recuperação aprovado pelos órgãos competentes;

VIII - atividades e instalações religiosas e culturais” (art.12).

3.5- Zona de Requalificação Urbana (ZRU). É transcendental a importância do que dispôs a lei nesse capítulo, que é o VI da Lei.

Prevê: “A Zona de Requalificação Urbana - ZRU compreende os núcleos urbanos e assentamentos adensados dos Distritos de Marsilac e Parelheiros, ocupados por população de baixa renda, abrangendo favelas e loteamentos precários regulares e irregulares. Parágrafo único – As Zonas de Requalificação Urbana são destinadas à recuperação urbanística, regularização fundiária, saneamento ambiental, manutenção e equalificação das habitações existentes, incluindo a implantação de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviços e comércio de caráter local, observado o disposto na Lei nº 13.136, de 2001, e nos Planos Diretores Estratégico e Regional de Parelheiros” (art.15).

3.6- Zona de Interesse Turístico, Histórico e Cultural (ZITHC). Proibindo que nela se procedam novos parcelamentos do solo, bem como o adensamento dos existentes ou a instalações destinadas a necrópoles (art.22), deu perfil adequado a sua destinação, que “compreende as áreas destinadas à preservação, recuperação e manutenção do patrimônio histórico, artístico e arqueológico, podendo se configurar como sítios, edifícios isolados ou conjuntos de edifícios” (art.19).

3.7- Zona Especial de Proteção de Recuperação do Patrimônio Ambiental, Paisagístico e Cultural do Astroblema “Cratera de Colônia” (ZEPAC): é uma área de transcendental importância científica, descurada por dezenas de anos. Por isso, o legislador tem em conta que, nela, estão compreendidas situações específicas diferenciadas, prevendo:

“I - a recuperação e proteção integral dos ecossistemas da "Cratera de Colônia", que apresentem suas características naturais preservadas na data da publicação desta lei;

II - a manutenção e qualificação das áreas nas quais, na data da publicação desta lei, sejam desenvolvidas atividades agropecuárias, com vistas à minimização dos impactos ambientais decorrentes dessa atividade;

III - a preservação de preenchimento sedimentar, com profundidade estimada de 430,00 (quatrocentos e trinta) metros, portadora de evidências dos paleoclimas com significativo valor científico para o estudo do Período Quaternário e das oscilações globais;

IV - a preservação da estrutura geomorfológica circular da depressão, correspondente à planície central e às colinas circundantes;

V - a recuperação e preservação dos cursos d’água que compõem a drenagem da cratera;

VI - a recuperação e preservação da várzea do Ribeirão Vermelho da Billings, tributário do braço Taquacetuba;

VII - a recuperação sócio-ambiental das porções ocupadas pelos assentamentos habitacionais existentes, delimitados por suas coordenadas geográficas no Anexo 1 como Área de Recuperação Ambiental, lançadas em mapa constante do Anexo 2, ambos integrantes desta lei, mediante instalação de infra-estrutura urbana, equipamentos sociais, áreas de lazer e regularização fundiária, garantindo-se o controle sobre qualquer adensamento populacional” (art.23).

3.8- Sobre as áreas Áreas Especiais, a lei considera: “Na APA Capivari-Monos, ficam definidas as seguintes áreas especiais, independentemente de sua localização:

I - Áreas de Recuperação Ambiental;

II - Áreas de Preservação Permanente” (art.24).

3.8.1- Cautelosamente, o legislador criou a Seção I e a Seção II, do Capítulo IX, sobre as Áreas Especiais, especificando e cuidando das distinções entre cada uma delas e dando-lhes as características e as conformidades que lhe são próprias (art.25/28).

3.9 – Entretanto, em vigência a lei, para não conturbar, o legislador antecipou-se e previu que as atividades pré-existentes no território da APA deveriam adaptar-se e adequar-se, quando possível, à lei, levando em conta:

“I - a compatibilidade dos usos com os permitidos em cada zona;

II - a recuperação, quando necessária, das áreas de preservação permanente;

III - a recuperação dos processos erosivos;

IV - a adequada disposição dos resíduos sólidos e dos efluentes líquidos” (art.30).

4- Nos termos do artigo 23 da Lei Municipal n° 13.136, de 2001, a gestão da APA Capivari-Monos caberia a um Conselho de Gestão, composto por representantes do Poder Público e da Sociedade, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal n°9.985/2000 e Decreto n°41.936/01).

4.1- O Plano de Gestão Ambiental dessa APA tem um longo aspecto programático, a saber:

“I - educação ambiental;

II - promoção e difusão de tecnologias que visem à sustentabilidade das atividades agropecuárias e agroflorestais;

III - turismo sustentável, com o estabelecimento de normas e parâmetros para essa atividade;

IV - pesquisa e incentivo às atividades agroflorestais de baixo impacto, capazes de coexistir com a Mata Atlântica e demais formas de vegetação, visando a promover alternativas sustentáveis de geração de renda às populações residentes;

V - levantamento florístico e fitossociológico nas áreas de vegetação nativa;

VI - inventário faunístico e aplicação de atividades de manejo da fauna local;

VII - recuperação das áreas degradadas;

VIII - levantamento e cadastramento fundiário da área;

IX - estabelecimento de sistema de medidas compensatórias e de incentivos para implantação e adequação das atividades, dos planos e programas nos termos desta lei;

X - fiscalização e controle ambiental;

XI - levantamento e zoneamento arqueológico da área;

XII - sistematização e divulgação das informações” (art.34).

Cabe esperar que o Poder Municipal leve em conta que deve dar recursos humanos, financeiros e materiais para a execução do Plano de Gestão e para o “adequado funcionamento do Conselho de Gestão da APA Capivari-Monos” (art.35). Continua-se no aguardo de que isso ocorra, pois o Conselho de Gestão é atividade civil praticada sem remuneração de qualquer fonte, mas está sempre presente.

Mas o trabalho insano, hercúleo, competente e desassombrado do Secretário de Planejamento, de sua valorosa e eficiente equipe, do Secretário do Verde e do Meio Ambiente e dos vereadores que foram eficientes e de todos de grande espírito público, em discutir e aprovar em 5 (cinco) meses a criação da APA Capivari-Monos, fica registrado, digno de encômios a tão zelosas pessoas.

Post Scriptum

O prefeito José Serra, aos 17 de maio de 2005, promulgou a Decreto n° 45.892, que “dispõe sobre a estrutura, funcionamento e composição do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental Municipal do Capivari-Monos – APA Capivari-Monos”.

Esse decreto reporta que: (i) a referida área, dentro do Município de São Paulo, “é um espaço especialmente protegido” (artigo 185 da Lei Orgânica do Município de São Paulo); (ii) ao disposto na Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho de 2000 (Regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências) e ao Decreto Federal n° 4.340, de 22 de agosto de 2002 (Regulamenta artigos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências) sendo que ambos têm pertinência quanto ao Conselho Gestor da APA Capivari-Monos, e (iii) o Poder Público Municipal “vem incentivando a colaboração dos diversos segmentos da sociedade civil com vistas ao aprimoramento de sua competência”.

Nesse Decreto, que revogou os Decretos Municipais n° 41.396/01 e 41.946/02, a sociedade civil:

1- tem cinco representantes no Conselho Gestor da APA Capivari-Monos, como já preconizava a Lei Municipal n° 13.136/01, destacando-se as OSCIPS ou outras ONGs ligadas ao meio ambiente e comprovadamente atuantes nos limites da APA em comento; as OSCIPs ou ONGs não-governamentais ligadas à defesa do meio ambiente; associações de moradores locais localizadas no Distrito de Marsilac, com sede dentro da APA, e o mesmo quanto às situadas no Distrito de Parelheiros; associações civis profissionais e ensino e técnico-científicas; sindicatos de trabalhadores e Comunidades Indígenas Guarani localizadas no perímetro da APA, e

2- tem três representantes do setor privado, comprovadamente atuantes dentro da APA (nos setores agrícola, de turismo e empresarial), cabendo-lhes ter um suplente.

Ao Prefeito incumbe designar os representantes apontados pelos Titulares dos órgãos estatais (municipal e estadual), tendo também eles um suplente cada um.

Todos os Conselheiros têm direito a voz e a voto nas reuniões ordinárias e extraordinárias a que forem regularmente convocados.

Por disposição de Lei federal, o Conselho será presidido por funcionário público lotado na Secretaria do Verde e Meio Ambiente, “com titulação de nível superior, comprovada experiência na área ambiental e designado pelo Titular desta Pasta” (artigo 6°, § 2).

De importância relevante o conteúdo do § 3°, do artigo 6°, assim redigido: “ Os representantes das entidades da sociedade civil escolherão, dentre seus pares, um Coordenador para representá-los externamente, atuando como interlocutor legítimo perante o Poder Público e as comunidades locais da APA Capivari-Monos, mediante deliberação previamente acordada em reunião do Conselho Gestor”.

Inútil o artigo 12, pelo qual “A participação dos representantes do Conselho Gestor implica direito a voz e a voto nas decisões, com sistemática a ser definida pelo seu Regimento Interno”, uma vez que repete o que já fora provisionado no § 1°, do artigo 6°.

Imperativamente, o Decreto focalizado obriga a SVMA a dar o “necessário suporte técnico-administrativo para a constituição do Conselho Gestor, sem prejuízo da colaboração dos demais órgãos e entidades nele representados”. Ora, essa redação mostra quão precariamente foi elaborada, porque a SVMA, pelo texto, está obrigada apenas na constituição. E, sabendo-se que é o mais importante, na continuidade, isso ocorrerá ou, simplesmente, transferirá o ônus aos privados, sem abdicar do controle e, por conseqüência, do exercício do poder de mando. A experiência é desalentadora.

Enfim, espera-se que a Prefeitura não interfira com exagero na elaboração do Regimento Interno, porque, se ocorrer, estará morta e cremada uma das mais inteligentes e profícuas causas em prol de São Paulo.
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Resenha Legislativa

1BRASIL. Artigo 189 da Constituição Federal, de 1988. “Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social”. Diário Oficial da União, 5.out.1988. Seção 1, p. 1.

2BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19.jul.2005. Seção 1, p. 1.

3BRASIL. Decreto n° 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 23.ago.2002. Seção 1, p. 9.

4SÃO PAULO. Decreto n° 45.892, de 17 de maio de 2005. Dispõe sobre a estrutura, funcionamento e composição do Conselho Gestor da Área Capivari-Monos – APA Capivari-Monos, pertencente ao Município de São Paulo. Secretaria do Governo Municipal, 18.maio.2005.
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Nota Bibliográfica:

1A Lei n° 13.706, de 5 de janeiro de 2004, estabelece o Zoneamento Ecológico, Econômico, ou conhecido, como Zoneamento Geo-ambiental, da Área de Proteção Ambiental Municipal Capivari-Monos, em São Paulo.
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*Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos









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