Breves notas sobre a decisão liminar do ministro Dias Toffoli na ADO 24/DF. Tema relevantíssimo e atual, sobretudo em face da recente situação social e política vivenciada pelo Brasil nos dias que correm.
Cuida-se, o tema em apreço, de decisão irreprochável liminar proferida pelo min. Dias Toffoli na ação direta de inconstitucionalidade por omissão acima epigrafada, movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em face do presidente da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, colimando, dita ação, pela supressão da omissão legislativa oriunda dos precisos termos do art. 27 da EC 19, de 4 de junho de 1998, vazado nos seguintes termos:
"Art 27 . O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos."
Passados exatos 15 anos da promulgação da EC sob comento, os requeridos na presente ADO se descuraram , incorrendo em flagrante mora legislativa de seus deveres – poderes de elaborar a lei referida no supra – transcrito artigo 27, a tempo e modo. De efeito, quedaram inertes a mais de uma década, quando em rigor de verdade, restou extrapolado em muito o aludido prazo de 120 dias.
Principiou a medida cautelar ao final parcialmente deferida, determinando a elaboração da referida lei, o min. Dias Toffoli, justificando que, mercê do recesso do Tribunal que se avizinhava, julgaria monocraticamente a cautelar, ad referenum do plenário. Transcreveu, em abono a essa tese, vários julgados da Corte no sentido da possibilidade da decisão monocrática do Relator em situações excepcionais.
Ao depois, com muita propriedade, pontificou, o relator, a iniciativa cidadã do autor, notadamente em vista das mobilizações das ruas, e das vozes que dela ecoam, que ainda vêm ocorrendo nos dias que transcorrem, nos seguintes termos:
"Conforme relatado e claramente exposto pelo autor da presente ação a "quem louvo pela iniciativa cidadã de ajuizar a presente ação", estamos diante de caso de inatividade legislativa referente à regulamentação de norma constitucional , na espécie, do art. 27 da Emenda Constitucional n 19, de 4 de junho de 1998, o qual determinou a elaboração, pelo Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias, da lei de defesa do usuário de serviços públicos." (as aspas secundárias são nossas).
Trouxe à colação, também de forma judiciosa, não só a pertinência e propriedade de versar a ação, em seu tema de fundo, sobre o importantíssimo tema sobre a prestação de serviços públicos no país e os instrumentos de defesa dos seus usuários, mas também sobre a tormentosa questão alusiva à cabida e extensão da ADO, ao longo dos anos, no seio da Suprema Corte. Transcreveu o ministro excerto de decisão do min. Celso de Mello, na ADIn 1439/DF, em prol do manejo da ADO, nas hipóteses previstas em lei, dentre outros julgados.
Como cediço, no que atina a problemática da pertinência e extensão da ADO, não se afigura ocioso ou demasiado dizer, como o fez o ilustre relator, que ao longo de anos graça e campeia no STF o receio e a problemática de estar ele, o Tribunal, agindo, ao arrepio da melhor doutrina e da jurisprudência vetusta do Pretório Excelso, no sentido de obrar este como legislador positivo, prolatando, inclusive, decisões de caráter aditivo. Nesse diapasão, cumpre advertir que um dos pedidos liminares não decididos pelo relator consiste na aplicação subsidiária, enquanto não editada a citada lei, do CDC em defesa dos usuários de serviços públicos.
Citou, o ínclito ministro, em amparo à sua decisão liminar, artigos da CF versando os serviços públicos e a proteção dos seus usuários, tais como os artigos 197 , 198, 205 e 206, 175, e seus incisos e, sobretudo e principalmente, o art. 37 , &3, e seus incisos, que incorporam, sem prejuízo do citado prazo de 120 dias previsto na EC 19, ao texto da CF/88 aspectos correlatos ao citado artigo 27 desta EC.
Nesse particular, insta salientar dois aspectos de grande relevo no tema de fundo em tela: é sabido, e de fácil constatação na mídia, que os movimentos de rua, que se alastram pelo país, atinam, inclusive, e sobretudo, aos serviços públicos de saúde e educação, de extração constitucional nos artigos 197 e 198 (saúde) , bem assim artigos 205 e 206 (educação); citados pelo ministro relator; de outra banda, também é sabido e ressabido de todos que o Congresso, sob pressão das ruas, tem agido aprovando vários projetos, nos últimos dias, que estavam engavetados há algum tempo.
Impende assinalar que tramita na Câmara dos deputados o PL 6953\02, pendente de apreciação da CCJ daquela Casa, que regulamenta o art. 27 da EC 19, conforme o que vem de ser exposto. Nesse passo, sem embargo da profícua atuação de canais representativos das massas, como a OAB, CNBB, ABI, etc., etc., etc., imprescindível se faz, sem rebuços de dúvidas, a pressão das ruas, no que atina à tramitação --- com a participação da sociedade civil, no prazo estabelecido pelo relator da ação, vale dizer, de 120 dias --- do aludido PL.
Sem embargo da aplicação subsidiária do CDC, enquanto não aprovada a lei aludida no art. 27 da EC 19, que será decidida pelo plenário da Corte, cabe sim, e quanto a isso não restam dúvidas, as manifestações das ruas para que o citado PL 6953\02 seja aprovado e elaborada a respectiva lei.
Entendemos, com a devida vênia de quem pensa ao contrário, que o apelo ao legislador, consubstanciado na liminar sob comento (que determinou que o Congresso Legislasse em 120 dias), na esteira do art. 27, da EC 19, deve ser corroborado e encampado pela sociedade civil, em suas manifestações das ruas.
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* Gustavo Hasselmann é advogado e procurador do município de Salvador/BA