Súmula 192/TST: O mérito nas decisões de não –conhecimento de recursos e a rescisória trabalhista
Mário Gonçalves Júnior*
Algumas dessas hipóteses foram aglutinadas na nova Súmula 192:
Súmula 192:
AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais ns. 48, 105 e 133 da SDI-II, pela Resolução 137/2005)
I - Se não houver o conhecimento de recurso de revista ou de embargos, a competência para julgar ação que vise a rescindir a decisão de mérito é do Tribunal Regional do Trabalho, ressalvado o disposto no item II.
II - Acórdão rescindendo do Tribunal Superior do Trabalho que não conhece de recurso de embargos ou de revista, analisando argüição de violação de dispositivo de lei material ou decidindo em consonância com súmula de direito material ou com iterativa, notória e atual jurisprudência de direito material da Seção de Dissídios Individuais (Súmula n. 333), examina o mérito da causa, cabendo ação rescisória da competência do Tribunal Superior do trabalho.
III - Em face do disposto no art. 512 do CPC, é juridicamente impossível o pedido explícito de desconstituição de sentença quando substituída por acórdão Regional.
IV - É manifesta a impossibilidade jurídica do pedido de rescisão de julgado proferido em agravo de instrumento que, limitando-se a aferir o eventual desacerto do juízo negativo de admissibilidade do recurso de revista, não substitui o acórdão regional, na forma do art. 512 do CPC.
V - A decisão proferida pela SDI, em sede de agravo regimental, calcada na Súmula n. 333, substitui o acórdão de Turma do TST, porque emite juízo de mérito, comportando, em tese, o corte rescisório.
Para entender esse aparente paradoxo, é preciso recordar que o sistema processual comum - em boa parte aplicável subsidiariamente ao processo laboral (artigo 769 da CLT) - nem sempre se houve com rigor técnico, priorizando em alguns institutos mais o pragmatismo do que fidelidade conceitual, como é o caso, por exemplo, das sentenças que teriam força de coisa julgada material, mesmo sem examinar a procedência ou improcedência do pedido.
Frederico Marques, comentando o CPC de 1973, destacou o "espírito prático do legislador", alheio às discussões acadêmicas sobre o que é preliminar e o que é mérito: "Fala o Código expressamente em julgamento para extinguir o processo, e fazer remissão aos casos de extinção do processo, de modo também claro, para por fim às controvérsias doutrinárias que antes surgiam, para saber se tal matéria situa-se no mérito da causa, ou no terreno das preliminares; ou se a condição da ação podia ser examinada no despacho saneador, se a condição da ação seria mérito, ou não, e assim por diante. O Código resolveu todos estes problemas. Pode ser que em face da doutrina, uma ou outra solução não contente a todos; mas a questão é que se solucionou com aquelas controvérsias, e isto é essencial para uma legislação, porque não é a mesma coisa fazer um Código e fazer um tratado de direito processual. O espírito prático do legislador é que deve predominar, neste passo, para assim o Código catalogar quase didaticamente os casos em dúvida, afastando discussões. E foi o que se deu quando, por exemplo, enumerou, no art. 301, as preliminares que o réu deve levantar.
"Com isto, não mais haverá aquelas discussões intermináveis, que nem ao findar da vigência do Código estavam resolvidas, sobre o que é preliminar e o que é mérito. (...)" (Do Processo de Conhecimento, "in" Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, coordenação Péricles Luiz de Medeiros Prade, Editora Resenha Tributária Ltda., São Paulo, 1974, pág. 50).
Cândido Rangel Dinamarco divisa também a opções do legislador ao alargar as hipóteses de sentenças de mérito, porém "violentando conceitos": "Na Exposição de Motivos o legislador de 1973 manifestou-se consciente de que omnis definitio in jure civile periculosa est, mas em muitos dispositivos o Código aventurou-se em definições, que nem sempre foram precisas ou corretas. Se o legislador pretendia incluir tais sentenças homologatórias no campo da coisa julgada material e portanto da ação rescisória, mais correto seria fazer uma determinação direta e pragmática nesse sentido, do que violentar os conceitos, como fez. Dissesse, então: ficam sujeitas à autoridade da coisa julgada material as sentenças de mérito e as que extinguirem o processo por decadência, reconhecimento do pedido, transação ou renúncia ao direito. A lei tem eficácia vinculativa quando emite juízos de valor e impõe preceitos imperativos, não porém quando se aventura a emitir conceitos - porque o conceito emitido pode não ser correto e nenhuma lei tem a força de alterar a natureza das coisas (Liebman)" (Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Malheiros, São Paulo, 2001, pág. 259).
O inexcedível processualista, em razão disto, chama algumas das espécies previstas nos incisos do artigo 269 de falsas sentenças de mérito: "Ao enunciar hipóteses em que o processo civil se extingue com julgamento do mérito, os cinco incisos do art. 269 do Código de Processo Civil estão a afirmar que em todas elas esse julgamento existe. Não-obstante haja seríssimos motivos doutrinários e conceituais para negar o que o art. 2691 afirma, diante da dogmática brasileira é obrigatório tratar todos esses casos como julgamentos do mérito e portanto extrair dos falsos conceitos ali enunciados as conseqüências jurídicas próprias às decisões judiciárias dessa ordem. Essas falsas sentenças de mérito, embora falsas, ficam sujeitas à imutabilidade trazida pela coisa julgada material porque tal é a autoridade que a lei outorga às sentenças de mérito quando não mais passíveis de recurso (arts. 467-468); diante disso, a partir de quando irrecorríveis elas só podem ser infringidas pela via da ação rescisória, porque esse é o meio que o sistema brasileiro reserva para a impugnação às sentenças de mérito cobertas pela coisa julgada (art. 485).
"É falsa sentença de mérito a que extingue o processo por decadência, porque nesse caso não se cogita de o autor ter ou não o direito afirmado; nega-se apenas que ele possa receber o reconhecimento de seu alegado direito mediante o exercício da ação, que está extinta pelo decurso do tempo. Tal é um julgamento, mas não é de mérito porque constitui erro o costume, arraigado na doutrina brasileira, o de que afirmar que a decadência opera diretamente a extinção do direito subjetivo material e não da ação (supra, n. 424 - infra, n. 929).
"São também falsas sentenças de mérito as homologações de atos autocompositivos como o reconhecimento do pedido, a transação ou a renúncia ao direito. Ao homologar esses atos, o juiz não julga da procedência ou improcedência da pretensão do autor nem os analisa em substância ou em conveniência, mas limita-se a verificar se estão presentes os requisitos para a disposição de direitos" (Idem, págs. 258-259).
Considerado o duplo grau de jurisdição como um prolongamento do direito de ação, não haveria como ignorar uma certa simetria entre as condições da ação e os pressupostos de admissibilidade dos recursos: uma vez não implementadas aquelas, não se alcança uma sentença de mérito, vez que a extinção se apóia no artigo 267 do CPC; se não presentes estes últimos, o recurso não ultrapassa a barreira do conhecimento.
Não obstante, a Súmula 192 do TST parece silenciosamente confirmar a máxima de Liebman, oportunamente sacada por Dinamarco: a natureza, e não a aparência formal das decisões de não-conhecimento de recursos excepcionais trabalhistas, é que acaba sendo peremptória para as incluir ou excluir do rol das decisões de mérito.
Mas, diferentemente das falsas sentenças de mérito cujas discussões foram caladas pelo artigo 269 do CPC, a lei não dispõe sobre quais decisões de não-conhecimento de recursos trabalhistas esbarram no mérito da causa ou não, questão que nasceu de construção jurisprudencial.
Até que se desse a conhecer a Súmula 192, muitos certamente naufragaram no caminho, por ajuizarem ações rescisórias mirando a "decisão de mérito errada", isto é, a penúltima e não a última como exige o artigo 485 do CPC. E muitos ainda poderão sucumbir mesmo após a Súmula 192, porque se a lei não disciplina a questão, a casuística sempre se mostrará mais rica do que a receita sumular, trazendo novas decisões de não-conhecimento de recursos trabalhistas cujas nuanças não se enquadrarão nas hipóteses sumuladas e ainda assim poderão ser consideradas de mérito. Em outras palavras, o rol contido na Súmula 192 é, por essência, meramente exemplificativo, nada garantindo que no futuro não seja ampliado com outras hipóteses também sedimentadas pela jurisprudência.
O problema é que o biênio do artigo 495 do CPC, sendo decadencial, não se interrompe, suspende ou prorroga2 , ao passo que o trâmite das ações rescisórias não raramente consome lapso temporal maior. Assim, até que os Tribunais decidam qual a última decisão de mérito que deveria ter sido atacada na rescisória, tarde será para a parte mudar a rota com uma nova ação rescisória. Não consigo imaginar outro modo de evitar esta cilada para o jurisdicionado senão a adoção, como procedimento, em todas decisões de extinção do processo rescisório sem julgamento do mérito por incompetência originária, o desaforamento da rescisória, determinado na mesma decisão, para a instância correta, nela abrindo-se prazo par emenda da petição inicial, possibilitando à parte alterá-la para impugnar, enfim, a decisão que for considerada a derradeira. Este desaforamento não só pode, como deve ser viabilizado com a aplicação analógica do artigo 311 do CPC: "Julgada procedente a exceção, os autos serão remetidos ao juiz competente".
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1 Na edição que utilizamos consta outro número de artigo ("469"), que, s.m.j., atribuímos a erro de impressão, porque o autor claramente discursa sobre as cinco hipóteses de extinção do processo com julgamento de mérito, matéria que é tratada no artigo 269 do CPC.
2 Na Justiça do Trabalho, a bem da verdade, há certas hipóteses nas quais se admite prorrogação do prazo decadencial, previstas no item IX da Súmula 100/TST: "prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT".
*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados