Em tempos de grandes manifestações sociais, que estão tomando conta de todo o país, com discursos de reforma política, combate à corrupção e melhorias na prestação de serviços públicos, o radicalismo de minorias, violentas e desordeiras, acabam por desviar o foco dos nobres objetivos dos manifestos, em razão dos meios aplicados não serem assim tão nobres. Nesse contexto, surge para muitos, principalmente para os diretamente prejudicados, o questionamento de quem pagará a conta dos prejuízos causados aos particulares em razão dos atos de vandalismo e violência.
Em primeiro lugar, embora pareça desnecessário, vale lembrar que os atos de vandalismo são considerados crimes, respondendo os autores pelas penas impostas na lei para os danos causados ao patrimônio público e privado, além das penas previstas para os crimes relativos à violência. Além disso, o vândalo poderá também ser responsabilizado civilmente, ou seja, pagando a conta dos prejuízos causados.
Já com relação aos prejuízos que particulares sofrem em razão do vandalismo cometido por alguns manifestantes, como depredação, saques, pichação, entre outras violências, não se pode esquecer que a segurança e a garantia da ordem pública são deveres e obrigações do Estado, como está previsto na CF/88, e inclui a segurança de todo cidadão e também dos bens, sendo tal direito fundamental para o convívio em sociedade. Da mesma forma não se pode esquecer que a CF/88 prevê a responsabilidade extracontratual do Estado, que corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em virtude de atos ou omissões, materiais ou morais, cometidos por seus agentes públicos.
Então, em caso de prejuízos causados por vandalismo nas últimas manifestações sociais, caberia ao Estado arcar com a reparação dos mesmos, ou a vítima teria que esperar a difícil identificação do vândalo e buscar junto a esse o ressarcimento de seus danos?
Há para esses casos a chamada responsabilidade do Estado pelos atos de multidões, que se caracteriza em situações em que é clara a omissão do poder público, que teve oportunidade de garantir a segurança das pessoas e de seu patrimônio, evitando os danos provocados pela multidão ou por atos de vandalismo. Isso porque, como aconteceu nas últimas semanas, embora sejam atos de terceiros, houve previsibilidade, em razão do poder público ter ciência antecipadamente, da intenção das manifestações, dia, horário, estimativa de participantes e até trajeto possível.
A responsabilidade do Estado, embora objetiva (via de regra), o que significa que independe de prova de dolo ou culpa, possui algumas situações de exceção, entre elas o fato de terceiros, e outras em que a responsabilidade passa a ser subjetiva, como são os casos de omissão, falha ou retardo na prestação dos serviços públicos, sendo que nessas hipóteses cabe ao prejudicado comprovar que o dano ocorreu em razão da omissão do Estado.
Com relação à responsabilidade do Estado por fato de terceiro, há a possibilidade se ficar provado que, por omissão ou atuação deficiente da administração pública, essa concorreu decisivamente para o evento, deixando de adotar as providências devidas. Seria então o caso de culpa anônima ou falta do serviço, tendo a vítima que comprovar tal realidade, o que significa dizer que se estaria diante de uma responsabilidade subjetiva.
Se o Estado foi avisado e tinha ciência da possibilidade de agressão e ataques e ficou inerte ou não tomou as medidas suficientes para evitar os danos causados pela multidão e por vândalos, deve ser responsabilizado pelos prejuízos que particulares sofreram, cabendo ainda, de acordo com recentes decisões dos Tribunais, uma eventual responsabilização também do agente público que deveria ter agido para tal fim. Impossível se atribuir os danos a fato de terceiro, ou mesmo à situação de exceção conhecida como teoria da reserva do possível, que diz que a efetividade dos direitos sociais materiais e prestacionais estaria condicionada à reserva do que é possível financeiramente ao Estado.
Nesses casos, a indenização deve incluir todos os prejuízos suportados, como danos materiais, morais, lucros cessantes, entre outros.
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* Caroline Mendes Dias é advogada do escritório Resina & Marcon Advogados Associados.