No âmbito da atividade processual e durante o inquérito policial a CF/88 confere ao MP a direção da investigação, e o exercício do controle da atividade da polícia judiciária, podendo a todo tempo avocar a investigação, requisitar, o que significa ordenar ou determinar diligências; ademais, compete ao MP decidir por investigar de modo diverso (outra linha) ou ainda, propor o arquivamento do inquérito policial (ou das peças de investigação).
A polícia Judiciária atua com dependência funcional e sob orientação direta do MP.
O MP promove a persecução penal e dirige a investigação dos delitos de ação penal pública, atuando com objetividade e apego a legalidade segundo a Constituição e os tratados internacionais de Direitos Humanos, efetuando as diligências necessárias ante os Tribunais e juízos criminais, com respeito a dignidade das pessoas (art. 1º, III CF/88), especialmente no tratamento com o investigado/acusado (princípio da presunção de inocência - art. 5º LVII CF/88) e com a vítima.
O MP é titular do processo penal, a polícia é coadjuvante da investigação, porque o MP é o dominus da investigação, do ius persquendi, uma vez que lhe cabe provar a acusação formulada na denuncia (fato ilícito descrito) em base ao ônus probandi ministerial, para a procedência da ação penal e efetivação do ius puniendi.
Os princípios que norteiam o MP é a legalidade (interpretação e aplicação correta das leis, da Constituição e dos Direitos Humanos), objetividade (da acusação), e oportunidade (análise político-criminal da viabilidade da acusação); já a polícia judiciária ou polícia investigativa tem como norte os princípios da legalidade (como respeito a dignidade da pessoa), instrumentalidade e a dependência funcional, este último significa que administrativamente cumpre regras hierárquica segundo o Estatuto Policial; e processualmente falando cumpre ordens do MP.
Segundo as Nações Unidas nas suas diretrizes básicas para os agentes do MP (ONU/1990), como orientações e boas práticas de Direitos Humanos, ressalta que o Ministério Público desempenha um papel ativo na investigação criminal para supervisionar a legalidade da investigação policial, em nome do interesse público. O MP está obrigado a iniciar investigações independentes, quando se tratar de crimes graves, contra o Estado, corrupção, abuso de poder, etc, tudo no âmbito do devido processo legal à luz dos Direitos Humanos. Mas também o MP deve examinar com toda atenção a possibilidade de renunciar investigações/acusações, decidindo se convêm ou não iniciar um processo criminal (princípio da oportunidade no conceito lato sensu, da insignificância ou da lesividade ao bem jurídico, da humanidade e da boa-fé pro homine), em nome da superioridade ética do Estado-Acusação, onde o minimalismo ou o reducionismo penal propugna pelas razões de direito, dentre elas quando e como investigar?
A questão de fundo que envolve a PEC 37/11, gira em torno do famigerado e hediondo CPP (decreto-lei 3.689/41), da época do Estado Novo (ditatorial ou anti-democrático), que ainda há quem insista na sua vigência indevida e ilegal, posto que o sistema inquisitivo foi revogado pelo modelo acusatório democrático, adotado pela Carta Magna de 1988, que delineia a investigação pelo MP.
A CF/88 não recepcionou o atual CPP, porque não poderia recepciona-lo, recebe-lo ou acatar um decreto-lei que a próprio Texto Maior revogou e colocou no escanteio jurídico pátrio. Entretanto e infelizmente a OAB vem aceitando este aberratio iuris, como se constitucional fosse, e o Poder Judiciário aplicando os dispositivos do CPP ditatorial.
A PEC 37 propõe que a Carta Magna democrática se adapte ou se complemente com o CPP autoritário, o que deveria ser exatamente ao contrário, lei infra-constitucional seguindo o que determina a Constituição, em respeito ao princípio da hierarquia e soberania vertical das normas.
Nos códigos de processo penal modernos europeus e latino-americanos, há muito tempo, foi adotado o sistema acusatório democrático com a total participação do MP no comando e direção da investigação criminal; sempre com a supervisão do denominado "juiz de garantias" constitucionais, cuja competência única e exclusiva para a fase de investigação.
Por que não aprovar o PL do Senado 156, do novo CPP, que trata da questão da investigação criminal direta pelo MP, colocando de uma vez por todas a polícia sob sua direção e comando?
A resposta é muito simples. Porque o presidente da República precisa ter a PF sob seu mando político, o mesmo acontece com os governadores das unidades da Federação, sob o comando da Policia Civil.
Está passando despercebido o PL 132/12 da Câmara, já aprovado pelo Senado dia 28/5/12, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, impedindo avocar autos de inquérito e dando maiores poderes de requisição à policia, nos mesmos moldes do MP, o que significa uma PEC dissimulada.
Dizer que o MP não pode investigar porque a defesa não seria ampla, carece de fundamento jurídico convincente. No atual sistema inquisitivo nem a defesa e nem o MP participam ativamente; por exemplo, na feitura do auto de prisão em flagrante delito, e tão pouco na produção de provas periciais restritas ao encargo da polícia técnica-científica.
Estabeleceu a CF/88, o contraditório e ampla defesa em processo administrativo (procedimento preparatório à ação penal) e judicial (art. 5º IV CF/88), as partes podem propor e realizar diligências. Num modelo acusatório verdadeiramente democrático, no auto de prisão em flagrante delito presidido pelo delegado de polícia, o MP e a defesa possuem direito de participar com indagações e reperguntas ao conduzido e testemunhas; sendo nula a prisão em flagrante delito que não seja lavrada com a assistência de defensor (art. 5º, LXII e LXIII CF/88); bem como a prova técnica produzida pode ser questionada, com apresentação de contra-prova (através de perito privado), o que de fato e de direito efetiva os princípios do contraditório e da ampla defesa. Falta aplicar a teoria constitucional democrática na pratica, para não continuarmos com o modelo inquisitivo do CPP vigente, onde a lei inferior está prevalecendo ante a Carta Magna. O assunto é a mudança de costume para a correta aplicação e interpretação das normas na consecução do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, onde o MP ao investigar pode formular requerimentos e requisições à polícia, ainda em favor do investigado.
Nas investigações com interceptações telefônicas o MP deve seguir as normas legais vigentes, expressas nas resoluções 13/06, 36/09 e 51/10 do CNMP, nas leis 9.296/96 e 9.034/95 (organizações criminosas), em respeito a legalidade e o mais rigoroso segredo de Justiça, em nome da preservação das garantias constitucionais-fundamentais da cidadania, com supervisão do Poder Judiciário para coibir qualquer usurpação de função ou abuso de poder na espécie de interceptações clandestinas, assegurando lisura ao MP e a manutenção do exercício da ampla defesa .
Os agentes de policia são auxiliares do MP para levar dirigir o procedimento preparatório à ação penal (inquérito policial), trabalhando sempre em atenção e respeito as ordens de investigação emanadas pelo MP, que supervisionará o correto cumprimento da função auxiliar da polícia, com instruções gerais , respeitando a sua própria organização administrativa.
Para concluir. A PEC 37 possui vício formal de origem, vez que interfere diretamente trazendo reflexos na função primordial ministerial, onde a titularidade da ação penal é exclusiva do MP (art. 129, I CF/88), face a sua autonomia como instituição independente do Estado-Acusação, essencial à junção jurisdicional, ou seja, a produção probatória ou a investigação criminal é base para a exordial acusatória, que dá inicio a ação penal, visto que a atividade investigativa é delegada à polícia pelo MP.
Ademais. Não é permitida proposta de emenda constitucional tendente a abolir a proteção das garantias individuais fundamentais (at. 60, IV CF/88), como os direitos do processado e das vítimas de crime, cuja incumbência legal e tutela é do MP, na qualidade de custus legis e dominus litis. Se assim não for entendido, podemos dizer que estamos na iminência da tentativa de implantação do Estado de Exceção ou do Estado de Polícia versus Estado Democrático de Direito.
O controle da polícia no Estado Democrático incumbe ao Ministério Público, como tutela dos interesses indisponíveis da cidadania, leia-se dos Direitos Humanos fundamentais e universais (art. 127 "caput" CF/88), no termos da LC 75/93 e lei Federal 8.625/93.
A investigação criminal é atribuição do MP como titular exclusivo da ação penal pública; pode delegar para a autoridade de policia a função de presidir o inquérito policial e coletar provas, a seu juízo (livre convencimento), e sob requisição (ordem) ministerial. Portanto, a policia judiciária sempre estará sujeita ao controle direto interno e externo pelo MP, quanto as atividades dos agentes e órgãos de segurança pública. Ao MP incumbe a tarefa constitucional de exercer a investigação criminal, em nome do princípio do ônus probandi, ante a sua qualidade de dominus litis de ação penal, do ius persequendi e do ius puniendi. Só pode haver punição quando existe acusação, e para acusar é preciso primeiro investigar para depois provar.
Os Direitos Humanos são inalteráveis e auto-aplicáveis, normas, preceitos e princípios naturais, de todos os povos e todas as gentes; emenda constitucional e nem lei ordinária não revoga e não retira funções essenciais diretivas do MP (ONU/1990).
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* Cândido Furtado Maia Neto é procurador de Justiça no PR.