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STJ: acusação genérica é vedada também em crimes coletivos

O Poder Judiciário é instado a se manifestar sobre a prática dos chamados crimes societários, cometidos por indivíduos que agem em nome de pessoas jurídicas para praticar crimes.

11/6/2013

Nos dias atuais, como era de se esperar pelo aquecimento da economia globalizada, verifica-se um crescente aumento de uma nova atividade criminosa: a econômica. Assim, cada vez mais o Poder Judiciário é instado a se manifestar sobre a prática dos chamados crimes societários, cometidos por indivíduos que agem em nome de pessoas jurídicas para praticar crimes. Fato que, pela sua própria complexidade, provoca dificuldades na delimitação da responsabilidade individual de membros dessas entidades jurídicas.

Essa situação contrasta com o CP, que zela pela culpabilidade e responsabilidade pessoais do agente. Daí se verifica o enorme embate processual quando a pessoa jurídica tem seu representante legal no polo passivo da demanda penal. Muitas das decisões proferidas acabam por se tornar verdadeiros paradigmas de confronto para melhor se compreender a responsabilização de pessoas naturais, físicas, que cometem crimes por meio das pessoas jurídicas.

O STJ analisou um caso bastante comum atualmente. O MP/PB denunciou algumas empresas construtoras que, mediante cessão de contratos, evitaram processo licitatório obrigatório, resultando um sobrepreço de R$ 2.5 milhões. Entre os acusados, estavam os representantes legais das empresas.1

Porém, segundo a ministra Laurita Vaz, a denúncia se limitou a fazer três referências a essa condição dos acusados (representante legal), sem demonstrar minimamente algum nexo entre uma ação deles e a prática supostamente ilegal. Com efeito, a chamada acusação genérica (denúncia que não descreve, ao menos minimamente, a conduta individual do acusado) não pode prosperar no rigoroso ordenamento pátrio, que abriga princípios tuteladores e protetivos do sujeito que responde a um processo criminal.

A exigência vem desde a apresentação da peça inicial penal, quando o artigo 41 do CCP exige “a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias”. Também não pode ser atropelado o princípio da ampla defesa, reserva constitucional a todo acusado em processo penal, civil, trabalhista, etc. Tanto é que a CF/88 não abraça o princípio da ampla acusação e sim da defesa. Daí que a proposta acusatória, além de estabelecer os limites da lide, tem que soar em sintonia com as provas arrecadadas para autorizar uma conclusão condenatória e esta, por sua vez, deve obedecer ao conteúdo do contraditório.

Vale ressaltar, também, que exatamente por esse motivo é que se admite a emendatio libelli (artigo 383, CPP), pois se o réu se defende dos fatos a ele imputados, fica o magistrado autorizado a corrigir eventual tipificação do MP, ainda que deva aplicar pena mais grave, desde que a descrição fática contida da denúncia não seja modificada (narra mihi factum, dabo tibi jus).

Insta consignar, no entanto, que a presente apreciação movida pela curiosidade que inspira o tema, não trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica, tema igualmente interessante e controvertido e que muito bem foi apreciado pelo penalista Pierangeli. Em que pese a semelhança, no caso sub studio, discute-se a responsabilidade penal da pessoa física, que age por meio da jurídica, para o cometimento de crimes, especialmente econômicos (fraude no pagamento de tributos, licitações etc).

Sendo assim, pelos mandamentos principiológicos e constitucionais já mencionados, o membro do Parquet tem por obrigação legal, na denúncia de crime societário, descrever, não com riqueza de detalhes e sim de forma satisfatória a conduta de cada um dos acusados, permitindo-lhes a apresentação da antítese. Isto é, deve descrever o liame, a conexão entre a conduta individual da pessoa física que representa a empresa e o crime cometido.

Seguindo esta linha de raciocínio, no caso analisado pelo STJ, figuravam entre os acusados os representantes legais das empresas envolvidas no evento criminoso. Essa simples condição de representação não basta para que figurem no polo passivo. É imperioso que seja descrita a conduta que esse representante praticou no sentido de colaborar para a empreitada criminosa.

Nestes termos, tornam-se preciosas as lições da ministra Laurita Vaz, nos mesmos autos já referidos: “...não foi demonstrada a mínima relação entre os atos por ele praticados e os delitos que lhe foram imputados, isto é, o efetivo nexo de causalidade entre a conduta e os crimes pelos quais responde.”

Afirmou, ainda, que “... o simples fato de o paciente haver atuado como representante de empresa supostamente envolvida em esquema criminoso não autoriza a instauração de processo criminal, se não restar comprovado o vínculo entre a conduta e o agente, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva, não admitida no nosso ordenamento jurídico”.

Desta forma, verifica-se ser imperiosa a pormenorização da conduta típica, devendo o órgão acusatório informar mesmo que não seja de maneira minuciosa, porém, com detalhes imprescindíveis para demonstrar como ocorreu o ilícito, vinculando a conduta do agente à prática delituosa. Consequentemente traçará um raciocínio que seja lógico e coerente com a análise probatória, refazendo toda a trilha da conduta apontada como ilícita e no trajeto inserir a participação dos autores. Quer dizer, indicar de forma individualizada cada ilícito e o responsável pela sua prática. Tal requisito se torna essencial para a defesa do acusado, pois tomará conhecimento, de forma clara e lúcida, da motivação que inspirou o representante do Parquet a ofertar a peça delatória.

É até injusto saber que alguém foi condenado por uma narrativa acusatória genérica, sem qualquer especificação com relação à conduta individualizada, sem qualquer relevo para a homogeneidade do elemento subjetivo. Em Direito não se pode afirmar, matematicamente, que cada pessoa que tenha concorrido para a prática de um delito tenha a mesma identidade de propósito.

Aproxima-se e muito da responsabilidade objetiva no campo penal, que é totalmente contrária aos princípios adotados pelo Estado Democrático de Direito, em prejuízo da liberdade do cidadão. “Um sistema jurídico, adverte Rawls, é uma ordem coercitiva de normas públicas destinadas a pessoas racionais, com o propósito de regular sua conduta e prover a estrutura da cooperação social. Quando essas regras são justas, elas estabelecem uma base para expectativas legítimas... Se as bases dessas reivindicações forem incertas, incertos também os limites das liberdades do homem”.2

Na fundamentação de um sistema jurídico exige-se a catalogação das normas que devem ser obedecidas, em razão de sua autoridade imperativa, observando que o cidadão deve se curvar somente perante a lei que ele mesmo é legislador. Em caso de transgressão, a sociedade, com toda legitimidade, arma-se de seu escudo defensivo e se volta contra o infrator que, por sua vez, também poderá se defender, desde que seu comportamento esteja corretamente delineado, não só com a genérica adequação típica, mas, principalmente, pelos atos praticados e que o tornaram homo homini lupus, de acordo com a concepção hobbesiana. Aí sim o processo trilhará o due process of law.

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1 https://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109518

2 Rawls, Jonh. Teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002, págs. 257/258).

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde e é reitor da Unorp.

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