Migalhas de Peso

O conceito de grupo econômico no direito comercial e sua visão (distorcida) na justiça trabalhista

Define-se grupo econômico à luz da legislação trabalhista, portanto, quando uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra.

3/6/2013

Uma posição que tem se apresentado já desde algum tempo no direito é aquela relativa à sua visão como um sistema completo (em tese, não há lacunas no direito), dividido metodologicamente para fins de melhor compreensão em micro sistemas de se coordenam entre si. Como a divisão não é e jamais poderia ser realizada de forma perfeita, considerando não se tratar de ciência exata, algumas vezes os micro sistema cuidam do mesmo instituto e é necessário identificar qual deles prevalece quando se trata de cuidar de determinado caso concreto.

Note-se que não se trata de prevalência de um micro sistema sobre o outro – o que significaria uma construção jurídica mal feita - mas de se verificar qual a norma verdadeiramente aplicável dentro de uma ordem hierárquica e harmônica. Neste sentido não haveria confronto de normas, mas a constatação de que existe certa mobilidade em determinados momentos, quando uma delas cede lugar à outra que, no caso concreto, se revela como adequadamente aplicável, situação que pode se inverter em circunstância diversa.

Como pretendemos demonstrar, o acerto do intérprete dependerá de entender o sistema jurídico como um todo (visão generalista) e o lugar de cada micro sistema nesse todo (visão especializada). Note-se, ainda que os micros sistemas subdividem-se, por sua vez, o que torna mais árdua a tarefa de se apurar a norma de ouro, ou seja, aquela que será verdadeiramente adequada e justa no caso concreto, dentro do necessário equilíbrio da ordem jurídica.

A fim de demonstrar a tese acima exposta, passaremos a analisar recente decisão do TST em relação uma ação trabalhista na qual a Shell, que não era a empregadora direta, veio a ser condenada solidariamente ao pagamento dos débitos trabalhistas reclamados naquele feito, sob o argumento de que o empregador formava um grupo econômico com a primeira, tendo e vista a existência entre ambos de um contrato de franquia .

Não se trata de menosprezar a Justiça Trabalhista, mas de reconhecer que muitas vezes as decisões que em seu âmbito são tomadas se constituem em verdadeiros absurdos, muitas dela havendo ingressado no campo do folclore judiciário. O legislador tem grande parte de culpa porque tem adotado uma posição excessivamente protecionista e sensivelmente distorcida, preocupando-se frequentemente com o sexo dos anjos e criando um sistema paternalista que toma em certos momentos o caráter de ridículo. Basta ver o enorme rol de profissões regulamentadas nos últimos anos, grande parte delas que não exige de quem as exerce um mínimo de preparo intelectual, bastando adquirir alguma prática e ter o jeito para a coisa.

Uma das grandes viradas Direito Trabalhista no Brasil foi a progressiva extinção famigerada estabilidade aos dez anos, substituída sabiamente pelo FGTS. Mas de lá para cá muitas leis desnecessárias têm sido editadas e ao seu lado uma jurisprudência construtiva, como é o caso adiante examinado tem contribuído para piorar as coisas e aumentar sensivelmente o custo de transação das empresas que operam no País, representando uma parcela importante do chamado “custo Brasil”, que diminui mais ainda a nossa proverbial falta de competitividade no mercado externo.

1) O conceito do contrato de franquia e seus elementos fundamentais

Como se sabe, esse contrato tem sido uma das ferramentas principais na atualidade para o fim da comercialização de bens e de serviços. Por meio dele o franqueador transfere ao franqueado, sob licença, o conceito integral de sua empresa, o que inclui o negócio como um todo, mediante a celebração de uma série de contratos interligados, relacionados ao negócio do primeiro, que será explorado pelo segundo.

Não sendo o caso no curso espaço deste comentário de destrinchar por inteiro o contrato de franquia, tem-se como um elemento essencial e indiscutível que as partes são autônomas, cada uma tendo o seu patrimônio (como centro de imputação dos seus direitos e obrigações financeiras), correndo cada uma delas por sua própria conta os riscos correspondentes.

Embora exista em tal contrato um forte elemento de cooperação entre as partes, ainda assim se caracteriza como um contrato fechado e sinalagmático, no qual as prestações fundamentais das partes se mostram uma relação direta de débito e crédito, ou seja, cabe ao franqueador fornecer todas as condições para que o franqueado exerça o seu negócio e este fazê-lo segundo os limites determinados pelo primeiro, pagando as taxas correspondentes e se apropriando do lucro eventualmente apurado.

Mesmo que o franqueador seja obrigado a dar assistência plena ao franqueado, cada um corre o seu próprio risco, em campos jurídicos e econômicos determinados. Tanto que se o azar dos negócios levar o franqueador a quebrar e com ele cair toda a cadeia de franqueados, o mesmo não acontece com o franqueador e o resto da rede no momento em que um franqueado se dá mal no seu negócio e o perde numa eventual falência. E sob o ponto de vista dos franqueados, se um deles experimentar sucesso muito mais elevado do que os demais, estes não merecerão qualquer remuneração extra a ser tirada do lucro do franqueado mais bem sucedido.

Desta forma, não se trata de grupo econômico, tal como foi o entendimento da Justiça do Trabalho no caso sob exame, que foi mal compreendido e avaliado pelos julgadores. O entendimento dado ao contrato de franquia levou em consideração os seguintes parâmetros, nos termos na notícia que circulou a respeito: "a franqueada não tinha autonomia e independência no desenvolvimento de sua atividade comercial, figurando como mera administradora da franqueadora, o que descaracteriza o contrato de franquia’. Além disso, o tribunal reconheceu a existência de grupo econômico”.

Na falta de elementos na fonte consultada sabe-se, todavia, que os contratos de franquia de postos de gasolina implicam nos seguintes elementos básicos, comuns a todos os franqueadores do ramo: (i) exclusividade da bandeira franqueada, o que significa a vinculação a comprar todos os produtos fornecidos pelo franqueador, relativos à sua atividade-fim; (ii) manter o padrão visual da bandeira em relação ao estabelecimento e a publicidade feita pelas cores do posto, pelos cartazes disponíveis e pelos uniformes dos funcionário; (iii) prestar os serviços correspondentes com a qualidade determinada pelo franqueador; etc.,

Não faz parte do contrato normalmente, por exemplo, a existência de uma loja de conveniência, onde são adquiridos alimentos, refrigerantes, bebidas alcoólicas ou gelo. Também não é exigida a existência de serviços de lavagem de automóveis, nem de conserto de pneus.

A não ser casos eventualmente patológicos (o que não foi mencionado ao acórdão em comentário), os franqueados de postos de combustível não são meros administradores do franqueador e muito menos com estes configuram grupo econômico.

2. O conceito de grupo econômico no Direito Comercial e seu confronto com o Direito Trabalhista

No Direito Comercial o conceito de grupo econômico é objeto da lei das aociedades anônimas (lei 6.404/76), a partir da interpretação coordenada de alguns dos seus dispositivos (arts. 265, 267, 269, etc.).

Observe-se, inicialmente que a lei cuida de forma direta dos chamados grupos de direito, aqueles que preenchem os elementos de fato e as formalidades para tanto estabelecidas. Os demais, que atendem apenas os requisitos materiais são os grupos de direito. A diferença entre eles está no fato de que os últimos não gozariam dos benefícios outorgados pelo legislador, dos quais não precisamos cuidar nesta oportunidade.

Desta forma, os grupos de direito somente podem ser formados mediante a celebração de uma convenção (contrato, claro) entre todas as sociedades participantes, cujo objetivo econômico específico estará em se obrigarem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Esta convenção para ter eficácia necessita ser aprovada pelas assembleias gerais ou reuniões de sócios de todas as sociedades que irão constituir o grupo.

É obrigatória a designação de uma sociedade controladora, ou de comando do grupo, necessariamente brasileira, que exerce, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.

Ou seja, são absolutamente inafastáveis os dois elementos acima presentes: (i) controle por uma sociedade sobre todas as demais; e que este controle esteja fundado na (ii) titularidade de ações ou de cotas ou, ainda, mediante acordo entre os sócios.

Nada disto acontece em relação ao contrato de franquia, inexistindo qualquer participação societária entre franqueador e franqueado, exceto nos casos em que o franqueador (dono do negócio) te sede no exterior e eventualmente constitui franqueados masters nas regiões onde iniciará o desenvolvimento de suas atividades com os futuros franqueados da rede, empresários totalmente independentes dos primeiros.

Veja-se que os termos grupos de sociedades ou simplesmente grupo são exclusivos dos grupos de direito, nos termos do art. 265 da LSA, o que não vem sendo absolutamente obedecido no direito brasileiro, que usa a mesma terminologia para os grupos de fato. Aliás, sabe-se que os grupos de direito “não pegaram no Brasil”, especialmente em virtude de que até agora o legislador não cuidou de integrar o Direito Comercial com o Direito Tributário.

Em relação ao Direito Trabalhista, o conceito de grupo se encontra no parágrafo 2º do art. 2º da CLT, segundo o qual:

“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

De acordo com o parágrafo 2º do artigo 2º da CLT, todas as empresas integrantes do mesmo grupo econômico respondem solidariamente pelo pagamento das obrigações trabalhistas. A lei trabalhista estabelece uma garantia legal em prol da efetiva solvabilidade dos créditos trabalhistas.

Define-se grupo econômico à luz da legislação trabalhista, portanto, quando uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra (grupo econômico por subordinação). Trata-se de grupo econômico de dominação, que pressupõe uma empresa principal ou controladora e uma ou várias empresas controladas (subordinadas).

Todavia, para a configuração do grupo econômico, deve-se avaliar a existência, em maior ou menor grau, de uma unidade diretiva comum, bem como prova consistente desta existência. Portanto, essencial para a formação de grupo de empresas é que exista uma coordenação interempresarial com objetivos comuns, uma unidade diretiva.

Assim, a direção unitária é o elemento essencial do grupo porque se inexistente, as empresas estariam liberadas para cada uma seguir o seu caminho de acordo com as suas determinações, aspecto que retiraria a integração empresarial necessária para que um grupo possa ser considerado como tal.

Entretanto, o entendimento prevalente na Justiça do Trabalho é no sentido de que também é possível a configuração de grupo econômico sem relação de dominação, bastando que haja uma relação de coordenação entre as diversas empresas, como acontece quando o controle das empresas está nas mãos de uma ou mais pessoas físicas, detentoras de um número de ações suficiente para criar uma efetiva unidade de comando.

A responsabilidade solidária trabalhista recai sobre grupos de empresas constituídos formal ou informalmente, sendo que neste último caso o grupo é identificado a partir da análise da relação entre a empresa empregadora e as demais.

A Justiça do Trabalho tem identificado grupos de empresas constituídos informalmente a partir dos seguintes indícios:

(i) a direção e/ou administração das empresas pelos mesmos sócios e gerentes e o controle de uma pela outra;

(ii) a origem comum do capital e do patrimônio das empresas;

(iii) a comunhão ou a conexão de negócios;

(iv) a utilização da mão de obra comum ou outras situações que indiquem o aproveitamento direto ou indireto por uma empresa da mão de obra contratada por outra.

Ora, como temos visto, os requisitos do grupo para os efeitos da CLT não são encontrados no contrato de franquia, a não ser que se prove fraude ou anomalia contratual.

Nesse tipo especial de contrato não há controle do franqueador sobre o franqueado (do ponto de vista societário, conforme a LSA) e não é do franqueador o responsável pela direção do franqueado (direção considerada como a prática dos atos de gestão empresarial, sob responsabilidade do administrador).

Se o contrato de franquia obedece aos regramentos que a lei lhe determina, e não há indício de fraude em sua constituição, não há, de fato, como responsabilizar o franqueador pelos débitos trabalhistas de seu franqueado, já que franqueado e franqueador são empresas independentes, com gestão própria, capital e patrimônios individuais e administração distinta.

Desta maneira, a Justiça do Trabalho neste caso forçou a barra na sua decisão, talvez em outra situação cômoda juiz que procura chercer l’argent em mãos de que ele possa acha-lo, procurando fabricar algum vínculo entre quem ela manda pagar ao empregado e quem efetivamente deve. Desta maneira a CLT passa a se constituir em Código de Lambança do Trabalhador, por meio de cuja aplicação, ele deverá sempre ser protegido pelo juiz, ainda que à custa dos princípios mais comezinhos do direito.

Do jeito que a coisa vai, se o dono da padaria em frente da minha casa vier a fazer um contrato de arrendamento exclusivo com o dono do estacionamento que fica ao lado, para o atendimento dos seus clientes, periga de cair na mesma classificação do caso ora examinado, pois estará na presença de um grupo econômico.

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* Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Paola I. Budriesi são do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.

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