Todo tempo histórico é dominado pelo poder mágico de uma certa palavra que faz as cabeças, alimenta as crenças, as ideologias e as expectativas sociais.
Durante longo período, a partir do advento do Iluminismo, a palavra dominante era Progresso. A fé cega no progresso foi comum a todas as classes e pessoas, inspirava a tecnologia, a ciência, a política, e a moral durante sucessivas gerações.
Em seguida, a filosofia e a economia descobriram que todo o progresso vem condicionado pelas formas de produção. Daí porque o ideal do progresso foi corrigido, academicamente, por outra ideologia paralela – o Desenvolvimento, que já não seria automático e continuado, mas dependeria do esforço do homem.
Ocorre que a força gigantesca do desenvolvimento material deu início ao processo galopante de degradação do meio ambiente e da natureza, que invadiu o mundo inteiro como um furacão. Então, corrigiu-se o desenvolvimento predatório pela difusão de outra utopia, com base ecológica, mas extensiva à organização da sociedade, da economia, da política e da cultura. O antídoto do desenvolvimento predatório tomou o nome de Sustentabilidade. Crescimento sustentável é o que se associa aos processos que se podem manter e melhorar ao longo do tempo (Oded Grajev).
Pois bem, apesar do emprego diário daquele termo e de seu derivado ("sustentável"), essa palavra foi desbancada por outra, que se transformou na palavra mágica do nosso presente. O sociólogo espanhol Manuel Castells, há cerca de duas ou três décadas, vem pesquisando a sociedade da informação, comandada pela Internet, que hoje abraça todo o espaço planetário, costurando os recantos da Terra uns com outros.
A este sistema universal de correspondência em dupla mão, Castells chamou "sociedade em rede", a sociedade conectada pelas novas tecnologias de informação e comunicação, desde a década de 70.
Estas novas tecnologias colocam o mundo, como um todo, presente aos olhos do espectador, por vezes em tempo real. Em suma, Castells celebra, com pompa e circunstância, a ideia soberana da sociedade em rede, integrada na "Galáxia da Internet" e dominando o cenário mundial.
A ideia da sociedade em rede contagiou muitos intelectuais, inclusive Fernando Henrique Cardoso, que em livro publicado em 2011, A soma e o resto, classifica o mundo presente como "uma nova sociedade: menos organizada e mais conectada". Com sua cabeça formada na Sorbonne e suas pitadas de Candomblé, FHC repara que nas redes sociais da Internet as ideias se disseminam por contágio.
A palavra mágica de nosso tempo, destinada a ser o eixo de nossas preocupações intelectuais e práticas que já circula livremente nas reflexões dos economistas, sociólogos e políticos, é a palavra Rede. O conceito de rede preserva e aperfeiçoa tudo o que se encerra nas palavras "progresso", "desenvolvimento" e "sustentabilidade". Marina Silva, com sua intuição quase mística, ligada intimamente ao subconsciente coletivo, escolheu para sua nova proposta política, o nome de "Rede".
Outro intelectual respeitável, diplomata brilhante, em artigo recente, mesmo sem mencionar a nova palavra mágica, Rubens Barbosa, descreve a mudança da lógica do comércio como a associação internacional de cadeias produtivas "no marco dos novos acordos comerciais com regras próprias" ("A quem possa interessar" O Estado de S.Paulo, 14-05-2013).
Cadeias produtivas é outro nome para redes. E as redes serão os novos atores de todos os movimentos intelectuais, sociais, econômicos, científicos, políticos e culturais dos novos tempos.
Redes sem fronteiras nas quais o interesse pragmático se associe ao retorno material e espiritual dos investimentos, não só redes de informação e comunicação, como de avanço rumo ao futuro, dedicadas à saúde dos povos e do planeta, à educação e à paz mundiais, às relações de troca em todos os campos da atividade humana, na ciência, na tecnologia, na arte, no trabalho e no lazer. Sem a utopia ingênua de criar um “mundo novo”, mas com o objetivo de realizar o imenso potencial de criação e renovação que ainda dorme oculto debaixo da desordem e da confusão do momento presente.
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.