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Crime de Lavagem de Dinheiro: Permanente ou Instantâneo de Efeitos Permanentes?

O tema é muito discutido na doutrina, que possui posição majoritária no sentido de ser o crime de lavagem permanente, e principalmente na jurisprudência (O STF ainda debate o assunto, sem entendimento prevalente).

11/5/2013

A 3ª turma do TRF da 1ª região, deu provimento à apelação de réu condenado pelos crimes de evasão de divisas e lavagem de capitais, por entender que este último delito é instantâneo de efeitos permanentes. Desta forma, o colegiado considerou que se o fato ocorreu antes da edição da lei 9.613/98, ele é atípico, tendo em vista os princípios da anterioridade e irretroatividade da norma penal incriminadora .

Prima facie, recomenda-se uma revisitação aos conceitos de crimes instantâneos e permanentes, para que então se possa avaliar a dimensão do caso sub studio.

Como é sabido, existe uma vasta lista classificatória dos crimes no ordenamento jurídico – penal (há autores que apontam mais de vinte, trinta espécies de crimes). Evidentemente, o presente estudo irá se ater apenas com relação às quatro classificações, posto estarem intimamente conectadas com a decisão em tela: crimes instantâneos; permanentes; de efeitos permanentes e a prazo.

Os crimes instantâneos são aqueles cuja consumação se dá em um momento exato, tal qual fosse uma fotografia do evento. Logo, não se verifica uma continuidade no tempo, apenas o determinado instante em que o crime é praticado. Como exemplo, o crime de furto (art. 155, CP).

Por outro lado, os crimes permanentes são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente (repare que é imprescindível que o agente deseje prolongar sua conduta). Temos diversos exemplos na legislação, como a extorsão mediante sequestro (art. 158, §3º, CP) e o importante entendimento do STF no sentido de que todos os verbos do artigo 33, da lei de drogas, caracterizam crime permanente, passível, portanto, de prisão em flagrante a qualquer tempo enquanto durar a permanência (desde que anteriores à atuação policial).

Diversos autores ainda subdividem essa classificação, trazendo os crimes necessariamente permanentes (aqueles que, para sua consumação, tem-se como pré-requisito que a conduta do agente se prolongue no tempo– art. 148, CP, crime de sequestro) e os crimes eventualmente permanentes, que em regra são crimes instantâneos, porém, no caso concreto, a conduta do agente pode ser prolongada no tempo (a prolongação deve ser desejada pelo agente) e tem-se como exemplo clássico o furto de energia elétrica (art. 155, §3º, CP).

Seguindo o raciocínio apresentam-se os crimes instantâneos de efeitos permanentes, que nada mais são do que aqueles cujos efeitos do crime subsistem mesmo após sua consumação, independentemente da vontade do agente. A doutrina traz o clássico exemplo do crime de bigamia (art. 235, CP). Também pode-se citar o crime do artigo 40, da lei 9.605/98 (lei de crimes ambientais).

Por fim, os crimes a prazo são aqueles que, para sua consumação, exigem o decurso de certo período de tempo. Aqui, exemplo reiteradamente citado é o do crime de lesão corporal de natureza grave, quando dele resulta incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias (art. 129, §1º, CP).

Sendo assim, uma vez estabelecidas as distinções entre essas classificações, torna-se necessária sua comparação com o princípio da anterioridade.

Com efeito, em virtude do artigo 5º, inciso XXXIX, CF/88 e do artigo 1º, CP, exige-se que o crime e a pena devem estar previstos em lei anterior ao fato ao qual se destina a punição (nullum crimen, nulla poena, sine previa lege) No mais, a lei penal somente poderá retroagir caso beneficie o réu (a novatio legis in pejus e a novatio legis incriminadora jamais retroagem).

Por isso, torna-se fundamental compreender qual a classificação do crime de lavagem de dinheiro: é permanente ou é instantâneo de efeitos permanentes?

Repare que, a depender do posicionamento escolhido, a discussão não será meramente acadêmica. Muito pelo contrário, haverá influência direta na contagem do prazo prescricional e, mais importante ainda, nos reflexos que novas alterações legislativas - ou até mesmo a elaboração de novas leis – terão sobre os fatos já praticados.

Isso porque, se for permanente, o prazo prescricional começa a contar da cessação da permanência. Não bastasse, enquanto durar a permanência, eventuais alterações legislativas mais graves (novatio legis in pejus) ou criminalizações de condutas (novatio legis incriminadora) serão aplicadas (desde que sua vigência ocorra antes da cessação da permanência). Neste ponto, vem à tona a súmula 711, do STF.

Não se pode esquecer, ainda, que, uma vez permanente, o crime autoriza a prisão em flagrante a qualquer tempo, enquanto durar a permanência.

Por outro lado, se considerado crime instantâneo de efeito permanente, tudo o que acima foi descrito torna-se inaplicável, em razão da consumação ocorrer em um exato momento temporal, fato que, por si só, proíbe o efeito retroativo de leis mais gravosas. Quanto à prisão em flagrante, ainda que os efeitos estejam se produzindo, não será possível sua decretação, eis que já se considera consumada a infração.

Sendo assim, o TRF abraçou essa última posição, fato que ensejou a absolvição do réu condenado por lavagem de capitais, levando-se em consideração que a conduta é anterior à lei 9.613/98.

Insta consignar, entretanto, que este entendimento não é vinculante e coloca mais lenha no debate. Muitos defenderão esse entendimento supra descrito, outros o crucificarão.

O próprio crime de lavagem de dinheiro denota uma ação continuada, até porque quem camufla seu capital ilícito em um estabelecimento aparentemente lícito (por exemplo), o faz mediante continuada maneira de se furtar à aplicação da lei penal. Da mesma forma age aquele que remete ilegalmente seus capitais a paraísos fiscais ou mesmo a bancos estrangeiros que não mantém cadastros com dados de seus correntistas.

Mesmo assim, o tema ainda é muito discutido na doutrina (que possui posição majoritária no sentido de ser o crime de lavagem permanente) e principalmente na jurisprudência (O STF ainda debate o assunto, sem entendimento prevalente).

De qualquer modo, o mais importante é formar uma opinião condizente com nossos princípios informadores, nossa legislação e, também, com as medidas de justiça que tanto são exigidas pela sociedade.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado e Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado

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