O país anda mergulhado no caldeirão de grandes mudanças, em ebulição no Congresso Nacional. De um lado, a reforma de um CP defasado para adequar-se à Constituição Cidadã de 1988. O que há muito se fazia necessário, diga-se de passagem. Do outro, a tramitação da PEC 37/11, acertadamente batizada pela mídia nacional como "PEC da Impunidade".
A primeira questão traz no bojo dos debates grandes polêmicas. Legisladores e juristas não se mostram unânimes em relação a temas como a descriminalização do aborto, criminalização do bullying e o tratamento dado aos crimes cibernéticos. Já o segundo ponto constitui mais uma tentativa de enfraquecer o MP brasileiro, com a retirada de sua atribuição constitucional de participar das investigações policiais. Na verdade, representa um duro golpe na cidadania.
Quando os constituintes de 1988 deram ao MP a atribuição da investigação criminal e do controle externo da polícia, como ocorre nos países mais evoluídos, sabiam que assim os inquéritos policiais seriam mais robustos e transparentes. Como são. Agora, numa afronta direta à Instituição e aos parlamentares que escreveram a Constituição Cidadã, surge a "PEC da Impunidade".
A proposta acrescenta ao art. 144 da Carta Magna o seguinte parágrafo: "A apuração das infrações penais (...) incumbem (Sic) privativamente às polícias Federal e Civil". Daí, nada mais natural que o autor da PEC 37/11 seja o delegado de polícia do Maranhão, Lourival da Fonseca Filho, que cumpre em Brasília seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados.
Mais do que oferecer riscos às investigações policiais, a PEC 37/11 poderá resultar em fato da maior gravidade: a anulação dos atos investigatórios promovidos diretamente por procuradores e promotores de Justiça em todas as instâncias do Judiciário. Isso porque o Inciso XL do artigo 5º da Carta Magna estabelece que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
Posso afirmar com absoluta convicção que a aprovação da PEC 37/11 será um retrocesso na função constitucional do MP, ao reservar exclusividade de investigação para a polícia. Esta proposta representa um desserviço à sociedade e aos direitos humanos e um desrespeito ao constituinte de 1988. Diante de todas essas colocações, resta uma pergunta: A quem interessa a aprovação da PEC 37/11? Por certo, não serão interesses republicanos.
Os interessados nessa mudança são pessoas desinformadas acerca das consequências nefastas da PEC 37/11 e também aqueles que cometem o grave crime de desviar recursos da saúde pública, da educação, da segurança. Lembro aqui, o alerta lançado à sociedade brasileira pelo ex-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, no sentido de tomar cuidado com a PEC 37/11 porque essa proposta se contrapõe aos direitos constitucionais conquistados há 25 anos. E eu vou mais além: caso a PEC da Impunidade seja aprovada, assistiremos o desmantelo da ordem jurídica no Brasil, porque MP sem poder investigatório só existe em ditaduras, em períodos de exceção.
Tirar do MP o poder investigatório é contribuir para baixar ainda mais a taxa de elucidação de crimes, que hoje gira em torno de 10%. Hoje, em todo o mundo, só em três países a polícia detém a exclusividade do poder de investigação: Uganda, Quênia e Indonésia. E é justamente para esse grupo que a PEC 37/11 pretende empurrar o Brasil.
A sociedade brasileira precisa tomar conhecimento de um detalhe: se a PEC 37/11 passar no Congresso Nacional, também perderão o poder investigatório os tribunais de contas, a Receita Federal, o Ibama, o INSS e o Coaf - Conselho de Controle das Atividades Financeiras. Com isso, certamente o Brasil se transformará no paraíso da impunidade.
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* Aguinaldo Fenelon de Barros é procurador-Geral de Justiça do Estado de Pernambuco