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Os embargos infringentes no processo penal e sua entrada no Supremo Tribunal Federal

Não é preciso que se tenha ao menos quatro votos divergentes para cabimento dos embargos. Basta que a decisão não seja unânime.

22/4/2013

Apesar de conhecidos, no Processo Civil, somente em 1952, pela lei 1.720-B, de 3 de novembro, que deu nova redação ao art. 609 do estatuto processual penal, acrescentando-lhe, inclusive, um parágrafo, é que os embargos infringentes ou de nulidade foram adotados na legislação processual penal. A propósito, o parágrafo único do art. 609 do CPP:

“Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de dez dias, a contar da publicação do acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência”.

Embora o órgão competente para apreciá-los não seja exatamente o mesmo que prolatou a decisão embargada, não perde tal recurso seu característico, que é a retratação.

Os embargos infringentes são oponíveis contra a decisão não unânime de segunda instância e desfavorável ao réu. Não basta, pois, a falta de unanimidade. É preciso, também, que a divergência do voto vencido seja favorável ao réu. Desse modo, apreciando uma apelação ou recurso em sentido estrito, se a Câmara ou Turma, por maioria, decidir contra o réu, e o voto dissidente lhe for favorável, cabíveis serão os embargos.

Quando a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, não for unânime, e versar a divergência sobre matéria estritamente processual, capaz de tornar inválido o processo, os embargos são denominados “de nulidade”, porquanto não lhe visam à modificação, mas à anulação do feito, possibilitando sua renovação.

Trata-se de recurso exclusivo do réu e que existe para tutelar mais ainda o direito de defesa. Por isso mesmo, como já se afirmou, não conflita tal particularidade com os princípios do contraditório e da igualdade das partes, “uma vez que estes existem como garantias do direito individual”.

E acrescentamos: eles representam uma decorrência do princípio do favor rei.

Sem embargo, melhor seria fosse esse recurso extensivo, também, à Acusação, tal com o ocorre na Justiça Militar.

Se o voto vencido divergir apenas parcialmente, eventuais embargos restringir-se-ão a essa discordância parcial. Desse modo, se os integrantes da Câmara ou Turma derem provimento ao apelo para aplicar a pena sem sursis, e o voto vencido achar que se devia concedê-lo, eventuais embargos propugnarão apenas pela sua concessão.

Os embargos infringentes ou os de nulidade, dirigidos ao Relator do acórdão embargado, devem dar entrada no protocolo da Secretaria no prazo de dez dias, a contar da publicação do acórdão.

O embargante deverá, junto com a petição de interposição do recurso, apresentar as suas razões, fortalecendo-as com os argumentos expendidos no voto dissidente.

Pouca coisa diz o CPP sobre o procedimento dos embargos. O parágrafo único do art. 609 faz remissão ao art. 613, donde se concluir que os Tribunais, nos seus Regimentos Internos, devem complementar as regras contidas no citado dispositivo, preenchendo-lhe as lacunas. O Relator e o Revisor disporão de prazo igual e sucessivo para se manifestarem. Esse prazo não pode ser inferior a dez dias para cada um. Igual prazo é concedido ao Procurador-Geral da Justiça para opinar a respeito. Se houver sustentação oral, o prazo é de quinze minutos. Essas as regras contidas no art. 613.

Se, porventura, for denegado o recurso, poderá a parte opor agravo regimental.

O nosso Código mantém os embargos infringentes ou de nulidade, procurando, assim, na medida do possível, o aperfeiçoamento das decisões.

Homens de reputação ilibada que são, podem os Juízes, em vez de insistir no seu voto, reconhecer a força dos argumentos aduzidos pelo embargante. E nesse recuo não haverá nenhum aviltamento. João Monteiro, citando Savigny, já afirmava que é de se louvar o Juiz que, provocado a novo exame da causa, aprofundava o estudo do assunto, encarando-o sob todas as faces, porquanto o Juiz tanto mais honra a toga quanto maior jurisconsulto mostra ser, e nenhum jurisconsulto jamais se sentiu amesquinhado com discutir... Não se humilha o Juiz que emenda o próprio erro... E que se humilhe... a humildade não avilta. Já o disse F. Fulvio: “L’umiltà è una virtù che fa grandi i piccoli e grandissimi i grandi...” (cf. Programa do Curso de Processo Civil , Off. Graph do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1925, p. 707).

Os embargos na Suprema Corte

A Suprema Corte não os conhecia, mesmo porque pressupunham decisão não unânime dos julgamentos da apelação e do recurso em sentido estrito, recursos estranhos a essa Augusta Corte. Contudo, a Carta Constitucional de 1969, no seu art. 119, § 3º, alínea c, conferiu-lhe atribuição normativa primária para prever em seu regimento interno “o processo e o julgamento dos feitos da sua competência originária e recursal”, poderes estes reafirmados pela EC 7/77. Em face dessa atribuição normativa constitucionalmente conferida à Suprema Corte, esta, no seu Regimento Interno, elaborado em 1980, com a redação dada pela Emenda Regimental n. 2, de 1985, trouxe algumas inovações importantes:

a) aumentou de dois para cinco dias o prazo para a interposição dos embargos declaratórios;

b) estabeleceu procedimento para as ações penais originárias bem diverso do previsto nos arts. 556/562 do CPP, posteriormente revogados pela Lei n. 8.038/90; e, finalmente,

c) no art. 333, estabeleceu: “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I) que julgar procedente a ação penal; II) que julgar improcedente a revisão criminal; III) que julgar a ação rescisória; IV) que julgar a representação de inconstitucionalidade; V) que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado”.

A hipótese prevista no inciso IV foi revogada pelo art. 26 da Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade de 10-11-1999, que nessa hipótese não admite embargos infringentes, pouco importando se a decisão foi ou não unânime.

Embora o caput do art. 333 do RISTF estabeleça a oponibilidade de embargos infringentes quando nas hipóteses retrocitadas a decisão do Plenário ou da Turma não for unânime, seu parágrafo único dispõe: “O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.

Quando o caput fala em decisão não unânime, o parágrafo único, que deve manter estrita relação com o artigo a que está atrelado, esclarece que não haverá unanimidade, se do Plenário a decisão, quando houver quatro votos divergentes. E o mesmo parágrafo ainda excepciona: “salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”. Assim, se a competência fosse da Turma, bastaria um voto divergente para que se pudesse opor embargos infringentes. A divergência de quatro votos, por óbvio, somente poderia ocorrer quando o julgamento estivesse afeto ao Plenário, a menos que a decisão fosse realizada secretamente, mesmo porque, nessa hipótese, não se poderia saber quantos divergiram. Essa a disposição do RISTF elaborado em 1980, com a redação dada pela Emenda Regimental 2, de 4/12/1985.

Todavia, tendo a nossa Lex Mater de 1988, no art. 93, IX, proclamado que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, podendo a lei, em determinados casos, estabelecer uma publicidade restrita, não permitindo, assim, julgamento secreto -- a menos que o próprio Pacto Fundamental (que pode excepcionar a si próprio) autorize --, como é a hipótese do Tribunal do Júri, e cabendo ao Plenário o julgamento das ações penais originárias, como deverá proceder hoje, uma vez arredada a exceção do julgamento secreto?.

Quando o julgamento das ações penais originárias era secreto, a divergência podia ocorrer, mesmo que um dos eminentes Ministros divergisse dos demais, porque a sessão era secreta e não se podia quantificar os votos divergentes.

Hoje, como os julgamentos devem ser públicos – apenas com aquela ressalva de que a lei poderá limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes, como o fez, também, o legislador ordinário, no art. 12, II, da lei 8.038/90 --, pergunta-se: se no julgamento das ações penais originárias, em que, com a divergência apenas de um voto, os embargos eram oponíveis, à dicção da última parte do parágrafo único do art. 333 do RISTF, em face do segredo do ato, como deve ser atualmente? Dever-se-á manter aquela excepcionalidade, arredando-se apenas a sigilação?

Aqui podem surgir duas correntes:

a) como a sessão era secreta e havia impossibilidade de saber se quatro ou menos Ministros dissentiram dos demais, natural a ressalva. Agora, como a sessão é pública, há de vigorar a primeira parte do parágrafo único: “O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes”;

b) observe-se que a regra geral está contida no caput do art. 333 do RISTF: cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I) que julgar procedente a ação penal: II) que julgar improcedente a revisão criminal; III) que julgar a ação rescisória; IV (revogado) e V) que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado. Contudo, o parágrafo único, na sua parte inicial, exigiu uma divergência qualificada (quatro votos) quando a decisão fosse do Plenário, salvo se o julgamento devesse ocorrer secretamente.

Embora o Pacto Fundamental de 1988 houvesse recepcionado o Regimento Interno da Suprema Corte no que respeitava ao seu poder de estabelecer normas atinentes ao processo e julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal, excluindo apenas a realização de sessões secretas, o certo é que, com o advento da lei 8.038/90, o quorum qualificado para a rescisória e revisão criminal passou a ser o da legislação processual em vigor (veja-se, e a propósito, a questão de ordem suscitada nos embargos infringentes em ação rescisória 1.178-3/034-SP, Relator Min. Néri da Silveira), ficando sem sentido apenas sua exigência no julgamento das ações penais originárias; a uma, porque a regra geral é a do caput do art. 333 do RISTF (cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma) e a duas, porque o recurso de embargos infringentes, além de ser privativo da Defesa, pressupõe réu ainda não definitivamente condenado.

Ora, se a lei 8.038/90 não exige a dissidência de quatro votos da decisão do Plenário quando em julgamento o v. acórdão que indeferiu a revisão criminal (que pressupõe decisão condenatória transitada em julgado), com muito mais razão não poderá exigir no julgamento daquele ainda não definitivamente condenado. É como penso.

Mais: interpostos os embargos infringentes, no prazo de quinze dias, após decisão sobre eventuais declaratórios, se rejeitados, oponível será o agravo regimental no prazo de cinco dias. Se admitidos, conceder-se-á igual prazo à Procuradoria-Geral da República para contrarrazões, sendo que outros serão o Relator e o Revisor, nos termos do art. 76 do RISTF.

___________

* Fernando Tourinho Filho é professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA).

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