No último dia 8 de abril, a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, a pretexto de realizar o lançamento do ITCD relativo às doações de bens e direitos apresentadas na declaração do imposto de renda, veiculou em Diário Oficial, dando amplo conhecimento público, o nome dos doadores, o nome dos donatários, os seus CPFs, e a quantia doada.
Esse ato de patente ilegalidade, ao invés de ter sido realizado de forma pessoal, por carta ou servidor competente, como determina o art. 11 da lei 4.567/11 e do decreto 33.269/11, saiu no Diário Oficial do DF em mais de 300 páginas.
A “lista dos doadores” contou não apenas com nomes de pessoas comuns, mas também de ilustres. Para listar alguns: Antonio Palocci, José Sarney, Ibaneis Rocha, Teori Zavascki, José Roberto Arruda, Demóstene Torres, Agnelo Santos Queiroz Filho e, pasmem, o nome do próprio Secretario de Fazenda, Adonias dos Reis Santiago1.
Contudo, o referido ato não teve muita sobrevida, visto que foi prontamente anulado no dia subsequente mediante a portaria 74, de 9 de abril de 2013.Porém, independente da anulação do ato ilegal, é certo que a publicação dessa lista gerou os efeitos negativos de divulgar as doações feitas, expondo a intimidade dos contribuintes com a violação do sigilo fiscal.
A vida privada, a intimidade, a honra e a imagem são direitos fundamentais (art. 5, X da CF) que propiciam, a todos, uma esfera de particularidade distante do conhecimento público, em que possa conduzir a própria vida sem a interferência, julgamento ou retaliação de terceiros.
O sigilo fiscal, como desdobramento desse direito, garante que o fisco se abstenha de divulgar as informações que lhes são prestadas pelo particular. “É claro, o fisco deve buscar todos os meios para a exigência dos tributos, porém, não exacerbar esses meios a constranger a intimidade, a privacidade, em geral, dos honestos, dos corretos, porque os delinquentes sabem escapar, fugir do assédio fiscal2".
A atuação fiscal não pode ser desmedida, à vista que deve guardar respeito aos direito individuais e ser pautada nos termos da lei (art. 145, §1º da CF/88). Com efeito, a quebra do sigilo fiscal deve observar o devido processo legal e, em consequência, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Ou seja, precedente a essa medida, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido e à efetiva necessidade.
Não é por outro motivo que o art. 198, caput, do CTN, conjugado com o seu §2º, veda a divulgação de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros por parte da Fazenda Publica e seus servidores.
Nesse sentido, tanto na doutrina quanto na jurisprudência3 já restou sedimentado que o sigilo fiscal é a regra, de forma que somente pode ser quebrado diante das situações excepcionais, em que se pretende “[...] preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo”4.
Assim, a publicação do edital de lançamento feriu o direito fundamental do contribuinte de manter sua intimidade fiscal e econômica, decorrendo daí a responsabilidade objetiva do Estado de ressarcir o dano moral e, eventualmente, até material.
Desta forma, tendo o ato de lançamento sido anulado, mas não cessado o efeito negativos da exposição da intimidade fiscal dos contribuintes, por não ser possível o desaparecimento do Diário Oficial que o veiculou, resta a estes somente requerer pela via judicial a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação.
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1 Disponível em: https://m.g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/04/apos-publicar-divida-de-governador-do-df-subsecretario-e-exonerado.html e https://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/judiciario/enquanto-isso-na-lista-de-doacoes-que-quebrou-o-sigilo-fiscal-de-meio-mundo/ e https://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/judiciario/governo-de-brasilia-devassando-a-intimidade/ acessados em18/04/2013.
2 ROSAS, Roberto. Sigilo fiscal e o devido processo legal. In: Dimensão jurídica do tributo: homenagem ao professor Dejalma de Campos. Coord. Brito, Edvaldo e ROSAS, Roberto. São Paulo: Meio Jurídico, 2003, p. 593.
3 STF. Pet 577, Relator Ministro Carlos Velloso, Pleno. Publicado em 23/04/1993. HC 96056/PE, Relator Ministro Gilmar Mendes, publicado em 05/05/2012.
4 Mendes, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 376.
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* Daniel Martins do advogado Rosas Advogados.