Migalhas de Peso

O plano diretor de São Paulo: Da utopia à realidade

1. O Projeto de Lei ingressou no Legislativo, apresentado em 14/05/02, recebendo o n. 01-290/92/2002, na mesma data em que foi autuado. 2. No dia subseqüente, em Sessão Ordinária de n. 148 - Legislatura 13-2, houve a leitura do Projeto de Lei para os senhores vereadores, tendo sido publicado para conhecimento público, no DOM, em 14/5/02, p. 79, col. 2; em 18/5/02, p.79, col. 2; e em 29/6/02, p. 107, col. 3.

25/10/2005


O plano diretor de São Paulo: Da utopia à realidade


Homenagem ao advogado PauloJosé Villela Lomar


Jayme Vita Roso*


PARTE I

"Ce que je vais vous dire n'est pas facile à entendre, impossible à admettre, mais si vous voulez bien écouter mon histoire...".

Marc Levy1

I


UM POUCO DE HISTÓRIA OU COMO SE PROCESSOU, NO LEGISLATIVO,
O PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

"Not to find one's way in a city may well be uninteresting and ba-nal. It requires ignorance -nothing more. But to lose oneself in a city - as one loses oneself in a forest - that calls for quite a different s-chooling. Then,sign- boards and street names, passers-by, roofs, kiosks, or bars must speak to the wanderer like a cracking twig un-der his feet in the forest, like the startling call of a bittern in the dis-tance, like the sudden stillness of a clearing with a lily standing erect at its centre. Paris taught me this art of straying; it fulfilled a dream that had shown its first traces in the labyrinths on the blotting pa-ges of my school exercise books".

Walter Benjamin2

1. O Projeto de Lei ingressou no Legislativo, apresentado em 14/05/02, recebendo o n. 01-290/92/2002, na mesma data em que foi autuado.


2. No dia subseqüente, em Sessão Ordinária de n. 148 - Legislatura 13-2, houve a leitura do Projeto de Lei para os senhores vereadores, tendo sido publicado para conhecimento público, no DOM, em 14/5/02, p. 79, col. 2; em 18/5/02, p.79, col. 2; e em 29/6/02, p. 107, col. 3.


3.O processamento legislativo obedeceu à tramitação regimental, com manifestação da Comissão de Constituição e Justiça (JUST), das demais de Política Urbana, Me-tropolitana e Meio Ambiente (URB), Administração Pública (ADM), Atividade Econô-mica (ECON) e Finanças e Orçamento (FIN).


4. O PL foi recebido no dia 14/5, por JUST, tendo sido promovida audiência pública.


5. O Poder Executivo solicitou urgência na tramitação (5/6/02), através do Ofício ATL 323/02, que foi acolhida.


6. A JUST apresentou relatório (n. 359/2002), com parecer favorável de n.744/2002, do vereador Celso Jatene (PTB), em 12/6/02, tendo sido oferecido substitutivo.


7. A URB recebeu o PL em 18/6/02, realizou audiência pública, e, em 4/7/02, o vere-ador Carlos Neder (PT) apresentou documentos complementares.


8. Aprovado o Projeto de Lei, em Primeira Discussão, na Sessão Extraordinária n.164, em 13/8/02, passou sucessivamente pela ADM, ECON e FIN, entre aquela data até 21/8/02, quando, em 23/8/02, na Sessão Extraordinária n.170, foi definiti-vamente aprovado.


9. Encaminhado ao Executivo, por cópia autêntica, em 26/8/02, em prazo de quinze dias para resposta, já em 13/9/02 recebeu o Legislativo ofício, contendo veto parcial à matéria aprovada, por ser de competência do Plenário a sua apreciação. Na Ses-são Ordinária de 29/10/02, o veto parcial foi mantido e comunicada a decisão ao Poder Executivo em 4/11/02 (CMSP 635/2002). Finalmente, no Suplemento do DOM de 19/9/02, n.178, o PL 290/02, do Executivo, foi promulgado como o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, passando a ser a Lei nº 13.430, de 13/9/02.


10. Os vetos manifestados pelo Poder Executivo foram (salvo erro ou engano):


10.1. A letra "f" do art. 133, que cuida dentre outros de áreas verdes de propriedade pública e o parágrafo único, do mesmo
artigo.


10.2. Todo o texto do art. 138; esclarecendo-se que, tanto este dispositivo quanto os anteriores estão situados na Subseção IV, Das Áreas Verdes, da Seção III, do Capí-tulo I, do Título III (do Plano Urbanístico - Ambiental).


10.3. Do Capítulo II, que cuida do Uso e Ocupação do Solo, na Seção III, sobre o zoneamento, nas terras exclusivamente residenciais - ZER (art. 159, I), com os ve-tos, a redação passou a ser:

"DAS ZONAS EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAIS - ZER

Art. 160. - As Zonas Exclusivamente Residenciais - ZER são porções do território destinadas exclusivamen-te ao uso residencial de habitações unifamiliares e mul-tifamiliares, com densidades demográfica e construtiva baixas, médias e altas, tipologias diferenciadas, níveis de ruídos compatíveis com o uso exclusivamente resi-dencial, e com vias de tráfego leve e local

§ 1º (Vetado)

§ 2º (Vetado)

§ 3º (Vetado)

Art. 161 - Nas Zonas Exclusivamente Residenciais - ZER ficam estabelecidos os seguintes coeficientes de aproveitamento:

a) mínimo igual a 0,05 (meio décimo);

b) básico igual a 1,0 (um);.

c) máximo igual a 1,0 (um)

§ 1º (Vetado)

§ 2º - As categorias de uso, índices urbanísticos, tais como coeficientes de aproveitamento e taxa de ocupa-ção, recuos, número de pavimentos, gabarito de altura das Zonas Exclusivamente Residenciais de densidade médias e altas serão definidas pela nova legislação de uso e ocupação a ser elaborada até 30 de abril de 2003, em conjunto com o Plano de Circulação Viário e Transportes, com o Plano de Habitação e com os Pla-nos Regionais.

§ 3º (Vetado)".

E, dentro ainda do âmbito do zoneamento, nas zonas mistas, no art. 165, foram ve-tados os parágrafos 2º, 3º e 4º, incisos I, II, III e IV, e os parágrafos 5º, 6º e 7º.


10.4. No Título V - Das Disposições Gerais e Transitórias, foi vetado o parágrafo único do art. 306, que manteve a redação anterior:

"Art. 306 - Incluem-se entre os bens e serviços de inte-resse público a implantação e manutenção do mobiliário urbano, de placas de sinalização de logradouros e imó-veis, de galerias subterrâneas destinadas a infra-estruturas, de postes e estruturas espaciais e do trans-porte público por qualquer modo.

Parágrafo único - (Vetado)".

11. O relator do Projeto, na Câmara Municipal, foi o nobre vereador Nabil Bonduki (PT).


Em seu Parecer, ele releva várias questões que interessam, a meu ver, aos miga-lheiros. Prefiro ser textual, quiçá enfadonho, mas a relevância do tema e sua impli-cação na vida de cada morador e seus reflexos para o nosso futuro assim exigem.


Destaco estes tópicos do trabalho do então edil:


a)"O presente projeto de lei é definido por um novo marco jurídico legal definido em âmbito federal para a gestão das cidades brasileiras: O Estatuto da Cidade, que re-gulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, no capítulo dedi-cado ao desenvolvimento urbano.


O conteúdo regulatório do Estatuto da Cidade é bastante complexo, e seus instru-mentos possibilitam interferências em muitas instâncias do poder público - nos pode-res Executivo, Legislativo e Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal - e da sociedade civil.


As inovações contidas no Estatuto situam-se em três campos:


(i)um conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltados a induzir - mais do que normatizar - as formas de uso e ocupação do solo;


(ii)a ampliação das possibilidades de regularização das posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal;


(iii)uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade" (p.2).


b) "A cidade de São Paulo passa por dramática crise. A violência urbana atinge a todos. Ela se desdobra não apenas em seqüestros, roubos e assassinatos, mas também em problemas urbanos, traduzidos, por exemplo, em precariedade de mo-radia para milhões de paulistanos, que, por falta de recursos e pelos altos preços para locação e compra de casas, são compelidos a morar em favelas, cortiços e lo-teamentos clandestinos, no mais das vezes em distantes periferias. A invasão das áreas de proteção aos mananciais se dá por essas mesmas razões. E boa parte dos congestionamentos também tem origem na necessidade de imensos deslocamentos para conectar áreas que são puramente dormitórios - no mais das vezes precários - aos centros de emprego, consumo e lazer da cidade. Os congestionamentos de trá-fego infernizam a população e geram custos econômicos para todos, empresários e trabalhadores. Dado o crescimento do número de automóveis em circulação e as dificuldades de ampliação expressiva do transporte coletivo, notadamente o metrô, esse problema, certamente o maior da metrópole, ameaça com cada vez maior cla-reza, paralisá-la econômica e socialmente. As enchentes, que se repetem regular-mente todo ano, não só contribuem para provocar colossais congestionamentos em regiões específicas, mas também afetam toda a metrópole quando atingem as ave-nidas marginais mais importantes. Por outro lado, vastas áreas da cidade dotadas de infra-estrutura e oportunidades de emprego, cultura, consumo e lazer passam hoje por processo vertiginoso de esvaziamento populacional, provocando a situação paradoxal que vivemos. De acordo com os dados do Censo 2000, a cidade tem 400 mil unidades residenciais vazias na capital e em torno de 2 milhões de favelados" (p.4).


c) Como acima explicitado (II, item a), foi oferecido Substitutivo do Plano Diretor Es-tratégico, e dele deve ser realçado o motivo pelo qual foi apresentado o referido substitutivo: "Para apresentar e discutir o projeto original, a Câmara Municipal pro-moveu 26 audiências ou debates públicos (quinze regionais, sete sobre políticas setoriais e quatro gerais), além de centenas de reuniões específicas com urbanistas e entidades. Mais de 230 organizações participaram deste processo, assim como os mais importantes urbanistas com atuação no município. Foi dentro de um quadro de intensa participação dos vereadores e de suas assessorias, e levando em conta os posicionamentos e as sugestões de centenas de lideranças de movimentos popula-res e de associações de moradores, técnicos, urbanistas, empresários e cidadãos em geral, que analisamos o PL 290/2002, emitimos este parecer e propusemos um substitutivo" (p. 5).


A criação de macroáreas urbanas, segundo o Vereador Bonduki, cognominadas de Reestruturação e Requalificação de Urbanização consolidada, entende-se que: "O Plano Diretor de São Paulo - e isto foi reforçado com as alterações feitas - deve ser entendido como um processo de planejamento com duas etapas. A primeira, con-substanciada no presente substitutivo, compreende as diretrizes e objetivos da políti-ca urbana, assim como o macrozoneamento e a definição dos instrumentos que dão suporte à estratégia proposta. Incluem-se nesta etapa todos os instrumentos que carecem de definição no projeto, de acordo com o Estatuto da Cidade, de forma a possibilitar sua aplicação imediata posterior. Uma segunda etapa corresponderia a um detalhamento técnico quantificado, a partir da elaboração dos Planos Regionais e da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Assim, o Plano Diretor estabelece as grandes estratégias para a cidade amarradas a um conjunto de instrumentos, defini-dos em grandes linhas, delegando para a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que deve-rá ser elaborada concomitantemente e em consonância com os Planos Regionais e Planos de Bairro, a definição mais detalhada e as linhas para a sua aplicação mais pormenorizada no território. Também deverão compor a segunda etapa os planos setoriais de Sistema Viário e Transporte e de Habitação, dois dos temas considera-dos estratégicos ao longo do processo de discussão pública do Plano Diretor promo-vido pela Câmara Municipal. O presente substitutivo estabelece o prazo máximo de oito meses para que as leis que formam esta segunda fase do planejamento da ci-dade (Planos Regionais, Setoriais de Transporte e Habitação) e a Lei de Uso e Ocu-pação do Solo sejam encaminhados ao Legislativo, completando e dando unicidade ao conjunto do Plano Diretor" (p. 7-8).


d) "O Plano Diretor, vale lembrar, não pretende resolver num passe de mágica todos os problemas da cidade, mas sim ser um instrumento orientador para a definição de uma estratégia para a intervenção imediata e a médio prazo, estabelecendo princí-pios de ação para o conjunto dos agentes envolvidos na construção do espaço urba-no e servindo de base para a gestão pactuada da cidade. Dotará a capital de um instrumental regulatório poderoso para planejar o seu futuro e gradativamente ir su-perando seus dramáticos problemas urbanos.


No caso de uma metrópole complexa e de grande dimensão como São Paulo, o Pla-no Diretor apenas dá início a um processo de planejamento, que deverá ser desdo-brado em Planos Regionais e num amplo conjunto de leis específicas, que, elabora-dos sob este mesmo processo de gestão pactuada, tratarão de questões de caráter mais localizado e mais próximo dos cidadãos. Ele representa, podemos dizer, uma condição necessária, porém não suficiente, para a democratização e descentraliza-ção da gestão" (p. 9).

II


A AUDITORIA COMO MÉTODO PARA ELABORAR ESTE ARTIGO

"Não gosto de deixar-me levar pe-lo sentimento / Pois a vontade é excitada / E a ação é uma coisa sumamente perigosa. / Tremo ao pensar em algo artificial, /Em al-guma conduta imprópria do cora-ção e num procedimento indevido. / Temos tanta tendência para es-sas coisas, com as nossas terrí-veis noções de dever".

Graham Greene3

12. A transcendência do Plano Diretor Estratégico para a vida de uma comunidade com mais de dez milhões de pessoas, com reflexos caleidoscópicos atingindo sobre-tudo a estrutura do Estado, a governabilidade e a sustentação do Estado democráti-co de direito, não permitiria me ater apenas aos aspectos abordados nas manifesta-ções dos ilustres vereadores.


Sem desmerecer os trabalhos, alicerçados em estudos criteriosos, ouso divergir da metodologia aplicada e das conclusões que me pareceram pontuais, voltadas ape-nas aos interesses dos privados. Ao contrário, quando se fala em Plano Diretor Es-tratégico, é o próprio conceito que nos informa que há um entrelaçamento de vários segmentos sociais, que existe uma vocação profética a dar esperança aos miserá-veis, e que se propala um refreamento do egoísmo.


13. Os trabalhos de auditoria exigiram vários deslocamentos, à época, à Secretaria de Planejamento da Prefeitura de São Paulo, à Previdência da Câmara Municipal, ao Gabinete do então vereador Nabil Bonduki, aos Gabinetes dos Promotores da Cida-dania e da Habitação e do Urbanismo de São Paulo.


Ressalto que, indistintamente, todos me acolheram, dando-me as informações pedi-das verbalmente, à exceção do Promotor da Habitação e do Urbanismo, que pediu requerimento para a colheita de uma representação do Movimento Defenda São Paulo, porém, gentilmente, mandou um estafeta entregá-las em meu escritório.


Deixo consignado, nesta oportunidade, meu reconhecimento e agradecimento a to-dos os mencionados, embora tardios.


14. Se, como sustento, há tempo, a auditoria jurídica deve ser regulamentada para integrar-se ao processo democrático4, como suporte necessário, não de controle, mas de impulso à consolidação do regime, então, até para não ser contraditório, a-pliquei a metodologia a este trabalho. Poderia ser extremamente salutar e benéfico para os migalheiros formarem um juízo adequado sobre a pertinência, validade, efi-ciência e interesse verdadeiro à população do Plano Diretor Estratégico, se tivesse sido debatido pari passu, com as autoridades interessadas, seja nas audiências pú-blicas, seja nas reuniões ocorridas nas associações e nas entidades comunitárias. Assim, nesta fase, já promulgada a lei, recordo-me do aforismo de Benjamin Fran-klin: "Let the men know thee, but no man know thee throughly" (Richard's Almanak).


Por isso, a metodologia foi aplicada, no exame crítico do trabalho dos edis paulista-nos, que redundou no Plano Diretor Estratégico, obra-prima de consistência metodo-lógica e técnica.

III


SOBRE A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO CONTROLADOR DO LEGISLATIVO

"Os tribunais superiores e, no ca-so do Ministério Público, os con-selhos superiores do Ministério Público, se acham patrões do juiz de primeira instância e dos pro-motores de justiça. É muito difícil entender isso, até mesmo os for-mados em direito não entendem. Aí falta essa educação cívica".

Fábio Konder Comparato5

15. Não posso ingressar na temática a que me propus examinar, sem comentar um fato que chamou a atenção dos que compulsaram os volumes do projeto na Câmara: alterações de última hora ao Projeto em discussão na Câmara Municipal de São Paulo, sessões realizadas de madrugada, emendas de autores desconhecidos.


Tudo pode parecer suspeito, quando se quer adredemente suspeitar, seja por anti-patia, seja por ideologia, seja por interesse material. Ninguém, pela longa vivência que tenho na Zona Sul de São Paulo (parte rural), se interessou na miséria declara-da que lá está implantada, na violência, no desemprego, na falta das mínimas condi-ções de saúde, água, esgoto, educação e transporte. Quer se queira ou não, sem nenhuma vinculação, pela primeira vez, a Subprefeitura de Santo Amaro, sobretudo na Capela do Socorro, manteve programação cultural (aliás, sempre se temeu a cul-tura porque ela é libertária). É um alento, um incentivo à participação.


16. Pois bem, após ter sido aprovado o Plano Diretor Estratégico pela Câmara Muni-cipal, com emendas de última hora para validar as modificações serôdias, foi vetado parcialmente o "Código da Cidade”, acolhido o veto pelo Legislativo, e então depois de publicada a lei, parece-me um exagero inaudito a instauração de inquérito PJC - CAP - 661/02, em 10/10/02, para: "Objeto: Eventual improbidade administrativa de-corrente do recebimento, por parte de alguns vereadores, de vantagem indevida em troca de algumas emendas do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo" (PL 290/02).


Ora, a questão em si, só com a "ementa" do objeto do inquérito, é deplorável.

Fatos:


a)os vereadores que ofereceram emendas sobre matéria de zoneamento fizeram-nas dentro do processo legislativo;


b)a convocação extraordinária é regimental, portanto, legal. Donde o seu caráter peculiaríssimo que pode estender-se por várias horas, como ocorre também nas Assembléias Legislativas, na Câmara e no Senado e, até, no Superior Tribunal de Justiça; e


c)as emendas foram vetadas, como tive ocasião de lembrar anteriormente, no dia 13/9/02, e votadas, pela Câmara Municipal, mantendo o veto parcial em 29/10/02, como transpareceu no texto sancionatório no DOM.


17. Como existe separação de poderes, proclamada pela Carta Magna; como o Po-der Judiciário exercita o controle judicial dos atos administrativos com cautela, a lógi-ca é que o Ministério Público - enquanto pende um projeto no Poder Legislativo ou dentro dos seus trâmites regulares - não pode interferir no seu resultado. A decisão é política.


17.1. Somente à Administração compete observar e fixar os critérios de conveniência e oportunidade do ato administrativo no sentido estrito. É ele insuscetível de controle pelo Poder Judiciário.


17.2. Assim como a temática acima é pacífica, na doutrina e nos pretórios, assim o é o postulado constitucional de reserva de jurisdição, ao qual, em síntese: "importa em submeter à esfera única de decisão dos magistrados a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação pró-prios das autoridades judiciais".


Desse excerto, oriundo do venerando aresto da Corte Suprema (RE n.259.508 - A-gRg/RS; AgRg no RE, sendo Relator o Ministro Maurício Corrêa, julg. 8/8/2000 - Se-gunda Turma, DJ 16/02/01, p. 00137; Ementa vol. 02019-05, p. 00878), o Ministro Celso de Mello tranqüiliza os cidadãos, ao dizer, enfaticamente, que: "O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem de neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República so-bre os demais órgãos da soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exer-cício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e as garantias individuais, atribuem-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência in-vestigatória" (in MS n. 23.452/RJ; julg. 16/9/99 - TP; DJ 12/05/00, p. 00020, Ementa vol. 01990 - 01, p.00086).


Sem divergir, inclusive consagrando a antiga Súmula STF n. 339, com o advento da nova Carta Política, que a recebeu (ut AI nº 251.931 AgRg/SP, Relator Ministro Cel-so de Mello, Segunda Turma), a Suprema Corte, várias vezes, pelo seu Tribunal Pleno, tem dito e redito que uma coisa é o controle jurisdicional, no contexto da se-paração de poderes, outra a possibilidade de dominação de um poder sobre outro (no mesmo sentido, MS n. 20.999/DF, julg. 21/3/90, TP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 25/5/90, p. 04605 Ementa vol. 01582, RTJ- 00131/1101; RMS n. 21.662/DF, julg. 05/04/94; de 20/05/94, p. 12248, Ementa 01745-01, p. 00113, com o mesmo Ministro Relator; IF n. 590 QO/CE, mesmo digno Relator, julg. 17/9/98 - TP, DJ 9/10/98, Ementa vol. 01926-01, p. 00001; RE n. 170.782/RS, Relator Ministro Moreira Alves; julg. 4/4/00, DJ 02/6/00, Ementa vol. 01993, p. - 00444; RE n. 259.335 AgRg/RJ, Relator Ministro Maurício Corrêa, julg. 8/8/00, Segunda Turma, DJ 7/12/00, Ementa vol. 02015, p. 01426 e ADI n. 2.214 MC/MS; Relator Ministro Maurício Cor-rêa, j. 6/2/02, TP, DJ 19/04/02, Ementa vol. 02065-02, p. 00385).


O Ministério Público, além de não ser um dos poderes republicanos garantidos na Carta Magna, embora aparente sê-lo pelas insólitas atitudes que toma ao arrepio das normas constitucionais e infraconstitucionais, mesmo assim vai muito além dos seus nobres misteres.


17.3. Promulgado o dito Plano Diretor, com apoio no art. 5º, XIV, “a”, da Constituição Federal, o Movimento Defenda São Paulo, com caráter político incidenter tantum, em 12/3/03, pede a intervenção ministerial, pois: "É contra isso que nos contrapomos. E o que vemos é que a Prefeitura Municipal, ao regular os níveis de representação da sociedade civil, apoiando como deve no esforço que entidades realizam na defesa do bem comum, iguala-os a cidadãos defensores de interesses quase sempre espe-culativos e com isso contradiz o espírito e a letra do Plano Diretor. Ao definir metodo-logias técnicas consensualmente construídas com o apoio da comunidade, deixa margem ao arbítrio técnico, que pode estar, como já vimos ocorrer, a serviço de inte-resses especulativos... O nosso receio é que, na falta da citada regulamentação le-gal exigida pelo artigo 274 do Plano Diretor, todo o trabalho até agora por nós de-senvolvido se perca e se desmoralize em esforço coletivo de planejamento. Diante de todo o exposto, são os termos da presente representação para respeitosamente requerer a Vossa Excelência:


a) a interposição, por parte do Ministério Público do Estado de São Paulo, de ação direta de inconstitucionalidade, visando a anulação dos artigos 161, §3º, e 215, do Plano Diretor aprovado por lei municipal, pelos fundamentos supra-aduzidos;


b)a adoção, também por parte do Ministério Público do Estado de São Paulo das medidas que julgar pertinentes, para que seja assegurado um processo participativo efetivo na revisão da legislação de uso e ocupação de solo, na elaboração de planos regionais e nos planos de bairro, conforme asseguram os dispositivos supracitados do Plano Diretor, em especial o art. 274, § 1º, que determina que seja editada lei municipal regulamentado esse processo participativo".


17.3.1. Em 24/3/03, o Ministério Público acolheu a representação, mandando-a pro-cessar, "para verificação de eventual ilegalidade".


17.4. Como se o Ministério Público nada tivesse que fazer numa megalópole como São Paulo, na notória inépcia dos pedidos formulados, resultantes de uma narrativa fática inconsistente, bem como o descrédito (evidente) que o Poder Judiciário tem na entidade "Movimento Defenda São Paulo", esperar-se-ia que o Parquet fosse pru-dente. Só uma razão a sustentar esta dissertação: a circulação do ofício e a requisi-ção de papeluchos, em vários setores, dão azo a notícias na imprensa, formando uma sub-reptícia opinião negativa, que não conduz a nada positivo, mesmo porque: (i) ridiculamente é pedido que o Ministério Público entre com a ADIN contra o art. 161, § 3º, do Plano Diretor, que, embora vetado pelo Executivo, foi mantido pelo Le-gislativo; (ii) referindo-se o artigo vetado à ZER, nenhuma relação foi mantida com a norma do art. 215, que é um dos artigos da Seção IV, que cuida da outorga onerosa do direito de construir; (iii) demais, à sobejidão, os Planos Regionais cuidados na Seção II, do Título IV, do Plano Diretor não guardam relação de similaridade, de complementaridade, de dependência ou de liame com as normas invocadas para pleitear a ADIN, além de que o Ministério Público não pode imiscuir-se em processo de lei específico, cuja elaboração a fortiori depende de iniciativa do Executivo que o levará ao Legislativo. E, nele, a sociedade poderá participar, podendo, se convenien-te, até haver um ou vários substitutivos.


A operosa Associação poderia e deveria participar da elaboração de planos regio-nais (dizendo quais, onde, quando e porquê), como lhe garante o art. 273 e seus parágrafos, do Plano Diretor Estratégico.


A operosa Associação poderia e deveria azucrinar - com respeito - o Secretário do Planejamento Urbano e, mesmo, utilizar vereador(es), para que seus legítimos direi-tos fossem resguardados.


Ouso dizer, até com um certo cinismo, que bater às portas do Ministério Público com um pedido ou vários pedidos ineptos, para, depois, o Poder Judiciário certamente sepultá-los, provocará maior frustração e quem perde é a democracia, que será ma-culada.


18. Mostrando que não só a participação ministerial é nociva pelas relevantes razões antes invocadas, com elevada quantidade de venerandos arestos da Suprema Corte, invocados a latere, também o é a utilização mediática da ação popular, para impug-nar contas aprovadas pelo Egrégio Tribunal de Contas do Município e pela Câmara Municipal de São Paulo, bem como anular o parecer daquele Sodalício e a delibera-ção proferida pela Câmara Municipal, que aprovou as contas do Poder Executivo referentes ao exercício financeiro de 1996, como ocorreu.


Trata-se de decisão lançada pelo eminente Juiz de Direito, Doutor Maurício Fosse, em 17/3/03, nos autos do Processo nº 854/98, ação popular movida por Rosana Raymundo Pierri e outros entre a Municipalidade de São Paulo e outros, transitado perante a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital de São Paulo.

"Em regra, o controle judicial dos atos administrativos restringe-se exclusivamente sua legalidade, segundo a abalizada lição do mestre Hely Lopes Meirelles.

Ou seja, cabe ao Poder Judiciário tão somente dizer se a Administração agiu ou não com observância da lei, mas jamais substituir o administrador em pronuncia-mentos que lhe são privativos, sob pena de ferir o pró-prio princípio republicano da separação de Poderes, que garante a harmonia e equilíbrio de atuação entre eles.

Portanto, a pergunta que se apresenta no presente ca-so concreto é saber se a anulação pretendida pelos au-tores populares da decisão proferida pela Câmara Mu-nicipal de São Paulo, com base em parecer favorável emitido pelo E. Tribunal de Contas do Município, que aprovou as contas do Poder Executivo referentes ao exercício financeiro de 1996, por suposta infringência ao princípio da moralidade administrativa, implicaria ou não numa atuação do Poder Judiciário para além do exame da legalidade daquele ato?

Por mais que se reconheça que essa questão é bastan-te tormentosa, não há como deixar de admitir que a pre-tensão aqui deduzida pelos autores populares implicari-a, sim, em violação ao princípio constitucional da sepa-ração de Poderes, posto que obrigaria este magistrado a emitir um juízo de valor sobre o mérito do ato adminis-trativo atacado, o que se apresenta juridicamente im-possível perante o ordenamento jurídico vigente.

E essa conclusão decorre exatamente da natureza jurí-dica da referida decisão proferida pela Câmara Munici-pal de São Paulo ao aprovar as contas do mencionado exercício financeiro, a qual, mais do que um ato admi-nistrativo, reveste-se da forma do verdadeiro 'ato políti-co' e, portanto, soberano.

O julgamento anual das contas do chefe do Poder Exe-cutivo constitui competência 'exclusiva' do Poder Legis-lativo correspondente, a teor do disposto no art. 49, in-ciso IX da Constituição Federal.

Tal regra foi instituída como forma de auto-regulamentação do Estado, tendo como base o princí-pio de freios e contrapesos também adotado por outras Constituições estrangeiras.

Para o exercício dessa função de controle de atuação do Poder Executivo na gestão da coisa pública, o Poder Legislativo é auxiliado pelo Tribunal de Contas, órgão dotado de toda estrutura administrativa própria para es-ta finalidade.

Portanto, ao decidir pela aprovação ou rejeição das contas do Poder Executivo, o órgão competente do Po-der Legislativo - que, no caso, seria a Câmara de vere-adores do Município de São Paulo - estaria praticando um ato tipicamente político, já que baseado em compe-tência exclusiva que lhe foi atribuída pela Constituição Federal, com ampla liberdade de apreciação da conve-niência e oportunidade de sua realização, não se aten-do sequer a critérios jurídicos preestabelecidos, segun-do a lição a que novamente recorremos de Hely Lopes Meirelles.

Isso não significa que estes atos governamentais por excelência estejam excluídos do controle judicial. De forma alguma. Todavia, a atuação do Poder Judiciário nestes casos é ainda mais limitada do que aquela veri-ficada em relação a simples atos administrativos, de-vendo ater-se com muito mais rigor aos limites de lega-lidade daquele ato político, sendo-lhe vedado adentrar à apreciação de seu conteúdo ou emitir qualquer juízo de valor a respeito dos motivos daquele ato (fundamento político).

A aprovação ou rejeição das contas de Poder Executivo constitui, portanto, um ato político emitido pelo Poder Legislativo no exercício de competência exclusiva que lhe foi conferida pela Constituição Federal, a qual lhe confere soberania para assim agir.

Se o legislador constituinte elegeu o Poder Legislativo para exercer esse controle das contas públicas do Po-der Executivo é porque entendeu que a decisão a esse respeito não poderia ser exclusivamente técnica, mas deveria refletir o pensamento popular, ali devidamente representado pelos mandatários eleitos pela população.

Tanto é assim que o parecer emitido pelo Tribunal de Contas é meramente opinativo, podendo o Poder Legis-lativo inclusive decidir contrariamente à conclusão ali apresentada - desde que através de quorum qualificado - o que demonstra que se trata realmente de um ato soberano.

A fiscalização desse ato soberano pelo Poder Judiciário deve, por isso, ficar restrita aos aspectos formais da-quela decisão, sendo-lhe vedada a apreciação dos cri-térios de conveniência e oportunidade a respeito da a-provação ou rejeição daquelas contas.

Como se trata de uma decisão política, não são levadas em consideração exclusivamente as circunstâncias téc-nicas do balanço contábil apresentado pela Administra-ção Pública, mas também se as possíveis irregularida-des ali detectadas são passíveis de comprometerem a lisura da atuação daquele administrador ou violarem a moralidade administrativa.

Entendendo os representantes do povo que a infração apontada não é suficiente para rejeitar as contas do Poder Executivo, pode muito bem aprová-las, cuja deci-são, nesse aspecto, será soberana e inviável de ser desconstituída pelo Poder Judiciário.

Isto não quer dizer que a infração apontada não tenha qualquer validade ou não possa gerar as conseqüên-cias e responsabilidades civil, administrativa e, eventu-almente, penal em relação ao respectivo administrador.

Tal decisão simplesmente o livra das restrições de or-dem política que poderiam advir da rejeição de suas contas, cabendo aos órgãos públicos competentes a apreciação daqueles outros aspectos do ato suposta-mente lesivo atribuído ao administrador público.

Esta é, pois, exatamente a situação que se verificou na presente hipótese, uma vez que a Câmara Municipal de São Paulo, diante do parecer favorável emitido pelo E. Tribunal de Contas do Município - ainda que seus audi-tores tenham apontado algumas irregularidades - aca-bou aprovando as contas do Poder Executivo referentes ao exercício financeiro de 1996, por entender que os ví-cios ali apontados não se mostravam suficientes para rejeitá-las ou de tal envergadura que pudessem com-prometer a lisura da referida Administração ou atentar contra a moralidade administrativa.

Tal decisão, como já anotado anteriormente, é sobera-na, o que impede o Poder Judiciário de emitir um juízo de valor a esse respeito, notadamente quanto à suposta ofensa à moralidade administrativa, posto que esta questão já foi apreciada pelo Poder Legislativo, sob pe-na de ferir de morte o princípio republicado da Separa-ção de Poderes.

Por todas essas razões, acolho a alegação preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de anulação da decisão proferida pela Câmara Municipal de São Paulo, emitida com base no parecer favorável do E. Tribunal de Contas do Município, que aprovou as contas do Po-der Executivo Municipal referentes ao exercício finan-ceiro de 1996, uma vez que para apreciar tal pretensão, como também, o parecer que lhe serve de fundamento, por suposta violação do princípio da moralidade admi-nistrativa, teria este magistrado, obrigatoriamente, de ir além do estrito exame da legalidade, proferindo um juí-zo de valor a respeito dos motivos daquele ato genui-namente político, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico em vigor por violar o princípio re-publicano da Separação de Poderes, visto que se trata de uma decisão soberana proferida por aquele órgão Legislativo, extinguindo o feito, sem julgamento de méri-to, em relação a este pedido".

18.1. Tópicos relevantes dessa decisão mostram que faltou amparo legal para se pleitear, diretamente, por ação popular, tanto face à higidez constitucional dos seus pressupostos, quanto face à intervenção ministerial, à guisa de apuração de "impro-bidade administrativa", à luz do artigo 6º da Lei n. 4.717/65. Daí, a ilegitimidade ao teor da norma do art. 267, VI do Código de Rito, bem decretado, extinguindo o feito contra os Conselheiros do Tribunal de Contas do Município e os vereadores da Câ-mara Municipal de São Paulo.

18.2. Do rechaçar a ação popular, pode-se inferir que o eixo central da decisão foi razão político-jurídica. Sem ater-me, adotando-o, ousaria trazer o escólio do filósofo Paul Ricoeur, para quem "sem a mediação institucional, o indivíduo é somente um esboço de homem, pois sua permanência a um ente político é necessária para seu desenvolvimento humano e, neste sentido, não é digna de ser revogada. Ao contrá-rio. O cidadão surgido dessa mediação institucional não pode senão aderir a que todos (seres) humanos gozem como ele desta mediação política que, somando-se às condições necessárias que derivam de uma antropologia filosófica, conduzem a uma condição suficiente da transição que leva desde o homem capaz até o cidadão real”6.

Longe de ser a decisão que buscou o justo uma adequação ao princípio da separa-ção de poderes, onde o justo encontra seu ponto de equilíbrio, proporcionando ao cidadão a oportunidade de não ser homem capaz somente7, mas de ser cidadão real. A argumentação utilizada nos fundamentos é válida enquanto acolheu a Norma Constitucional da separação de poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da Constituição Fe-deral), passando a ser, quiçá, somente um juízo político, com uma estrutura estética de juridicidade, ao interpretar os fatos como se passaram, sem perquirir o porquê deles.


19. E, ainda de sobejo, ao invés de procedimentos administrativos com ameaças indesejáveis subliminares, o mandado de injunção seria o caminho adequado para o exercício de direitos (art. 5º, § 1º, da Constituição Federal). Exatamente, mesmo à falta de edição de lei específica, com séquito em o art. 24, da Lei n. 8.308, de 23 de novembro de 1990, donde, em escólio na lição de Marcelo Andrade Cattoni de Oli-veira:


a) "... o autor legitimado para impetrar Mandado de Injunção é aquele que sustenta a pretensão de ser titular de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional, cujo exercício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, e que, portanto, pretende ser favorecido pelo provimento jurisdicional";


b) uma vez que "a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe 'so-bre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União', dá poderes ao MP para defender direitos difusos cujo exercício esteja inviabilizado por falta de norma regulamentadora através do Mandado de Injunção, nos termos do art. 6º, VIII"; e


c)"... a competência para processar e julgar Mandados de Injunção deve ser de-terminada, combinando-se o critério ratione personae, que é sempre excepcional, com o critério ratione materiae, a regra geral"8, para adotar-se, no que for aproveitá-vel, as normas do Mandado de Segurança (art. 24, parágrafo único, da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990). Este o entendimento do citado jurista mineiro, que, com rara felicidade, atentando aos direitos fundamentais, arremata neste passo, que é garan-tir, processualmente, através do Mandado de Injunção, o exercício de direitos consti-tucionais cujo exercício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, no âmbito do Estado Democrático de Direito é preciso distinguir, para dar vida, os "dis-cursos de justificação" e "discursos de aplicação" (art. 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal).


IV


O PLANO DIRETOR COMO MODERNO INSTITUTO DE DIREITO E SUA IMPLICÂNCIA SOCIAL

"Há situações na vida que as i-déias se embaralham de tal forma que é de bom conselho deixarmo-las se assentarem por si".

Monteiro Lobato9

IV.I. - A DEMOCRACIA QUE VIVEMOS SERÁ A QUE QUEREMOS?



20. Não é, com toda a certeza, como proclama o filósofo Maurício Abdalla, da Uni-versidade Federal do Espírito Santo, em seu ensaio inédito, ainda in fieri, que porta o título "A democracia ameaçada: deturpação e corrupção dos mecanismos jurídicos de exercício do poder". Este trabalho o autor nos brindou, dentro de um profícuo diá-logo sobre o momento presente do Brasil.

21. Diz ele que, havendo fatos políticos de relevante significado, que ultrapassam a questão da postura individual e da moralidade, há "grave corrosão no cerne da or-dem jurídica que mantém a sociedade equilibrada dentro de certas regras fundamen-tais da política moderna", ocorrendo "deturpação e corrupção dos mecanismos de controle do poder imanente (que) são conceitos que nos permitem melhor analisar a realidade política brasileira, ao mesmo tempo em que nos possibilita ter uma maior compreensão dos riscos que certos fenômenos prenunciam" (p. 1 e 3).


21.1. Como se manifesta a deturpação?

Dentro dos seguintes fenômenos: "a) desconhecimento, por grande parte da popula-ção, dos fundamentos do sufrágio universal e da função dos eleitos; b) 'futeboliza-ção' da política;

c) preponderância do marketing; e d) o sistema eleitoral proporcional enviesado, com voto de legenda, nas campanhas de candidatos" (p. 3). Nesse último talho, Maurício Abdalla mostra a contradição entre o sistema e a prática real, apon-tando a falta de conhecimento do eleitor, que está votando na legenda, embora, sem o desejar, está a eleger, indiretamente a quem não quer (fls. 5).


21.2. E a corrupção, ora pois?


Ela se baliza, no dizer de Abdalla, em três fenômenos: a) compra de votos; b) distri-buição de cargos públicos; e c) abuso do poder político ou de influência, concluindo: "Há uma inversão do processo: ao invés de ser uma concessão temporária para o exercício do poder, o voto passa a ser um objeto de disputa, para quem deseja gozar dos benefícios de ocupação do Estado. Com isso, é impossível afirmar que, na situ-ação real, o poder 'emana' do povo, mesmo que, de direito, isso seja verdadeiro" (p.7).


21.3. Excluindo da apreciação do Poder Judiciário, o qual, por sua complexidade, estaria a exigir uma abordagem mais ampla, "incluindo uma análise do direito mo-derno", Maurício Abdalla proclama que a finalidade da separação dos poderes de acordo com as suas atribuições está deturpada, ao invés de criar dispositivos mode-radores do poder, "resulta na submissão do Poder Legislativo ao Executivo; na utili-zação dos parlamentos como instrumentos de chantagem ao Executivo; na hipertro-fia das atribuições legislativas do Executivo e na atrofia da função legislativa dos parlamentos, além da ação 'clientelista' do Legislativo" (p. 7).


Sem esquecer o que dissemos e pretendemos, sucintamente, demonstrar a hipertro-fia das funções do Ministério Público complica ainda o exercício da liberdade na ad-ministração e provoca a genuflexão do Legislativo às investidas descabidas do Par-quet.


21.4. Que resulta disso?


Concludentemente, Maurício Abdalla aponta estas conseqüências:

"... parte da população já não vê mais sentido na ordem democrática e reivindica para si as atribuições exclusi-vas do Estado, imputando a seus grupos o poder de criar leis, julgar e punir. É a criação de um outro poder, regido por normas diferentes das oficiais e exercício em estruturas grosseiras disputadas com violência", pois "se a população desejar manter o processo de constru-ção de uma sociedade verdadeiramente fundada no poder imanente do povo, submetida a uma ordenação jurídica que garanta a igualdade, a liberdade, os direitos fundamentais do ser humano e o exercício pleno do po-der popular, é urgente que se faça uma reflexão sobre os fundamentos das normas constitucionais modernas, identificando a profunda vinculação, na raiz, do direito com a política. Afinal, não se pode discutir ordenamento jurídico sem a compreensão das normas constitucio-nais; e, nem estas últimas, sem o processo que as pro-duz. Não se faz leis e nem se garante a sua aplicação sem se ter poder para tal" (p.11).

22. Embora não queiramos a democracia que aí está, na qual vivemos, o expressivo fato de que o Plano Diretor Estratégico de São Paulo foi amplamente debatido em dezenas de reuniões e audiências públicas (só não foi ou participou quem não quis) dá um sinal de que o povo sabe querer e sabe participar, necessitando de mais e-xercício democrático. Do aprimoramento da sua atuação, haverá mais, maior e me-lhor congraçamento, em busca da almejada nacionalidade, que se sustenta no prin-cípio da cooperação.


23.É a tese que Mauríco Abdalla, com ousadia e em raro vigor intelectual, sustenta em sua recente obra "O princípio da cooperação em busca de uma racionalidade"10.


Do prefácio, da lavra de Leonardo Boff, destaco estas palavras, que introduzirão os fundamentos da minha apreciação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, pas-sando antes por outras considerações elucidativas.

Diz Boff:

"Para conviver humanamente inventamos a economia, a política, a cultura, a ética e a religião. Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspiração da competição que gera o individualismo. Esse tempo acabou. Agora, te-mos que inaugurar a inspiração da cooperação que ge-ra a comunidade e a participação de todos em tudo o que interessa a todos.

...

Se não fizermos essa conversão, preparemo-nos para o pior. Urge começar com as revoluções moleculares. Comecemos por nós mesmos, sendo cooperativos, so-lidários, compassivos, simplesmente humanos. Com is-so definimos a direção certa. Nela há esperança e vida para nós e para a Terra"11.

IV.II. - PLANO ECONÔMICO E PLANEJAMENTO URBANÍSTICO: PARTES DE UM SISTEMA?


24.Não existe conhecimento sem conceito, ou, como nos tempos antigos, sem defi-nição. Como não houve abordagem conceitual do plano econômico e vagamente falou-se da importância ou relevância do plano diretor para as cidades, é necessário que ocorra a invasão desta relevante temática que encontra seu eixo axial no Direito Econômico.


24.1.João Bosco Leopoldino da Fonseca, publicista por natureza, invade a área jurí-dica, trazendo a mensagem cultural de Ernst Cassirer, que destaca a interligação da antropologia filosófica com a área em comento.


De João Bosco, esse excerto:

"Como observa Ernest Cassirer, 'se o homem moderno já não crê numa magia natural, continua acreditando numa espécie de magia social'. Linguagem e mito são parentes próximos, conservando uma mesma essência. Os Plácidos extraem a sua força dessa comunhão lin-guagem e mito. Procuram eles criar uma realidade polí-tico-social, convencendo através da força da palavra"12.

E continua:

"O Plano Econômico, da mesma forma que as Constitu-ições, faz parte de uma cosmogonia mítica. A lei do Plano, através de sua linguagem, envolve o povo num círculo mágico, de tal sorte que só lhe é possível viver com o Direito, na medida em que também lhe é possí-vel viver nestas configurações"13.

24.2. O Direito Econômico, embora muitas vezes recusado como categoria do uni-verso do Direito Público, é a sede onde o jurista encontra o eixo central do estudo do Plano Econômico, como do Planejamento Econômico, com a qual está ligado por relação de decorrência.


24.3. Insuspeita por perfilhar idéias liberais, a douta jurista mineira Isabel Vaz, à sa-ciedade, esboça a participação estatal na Constituição de 1988, dizendo:

"Mutatis mutandi, o plano diretor é um 'mini PND' no qual o governo municipal estabelece as diversas políti-cas de ordenação 'do pleno desenvolvimento das fun-ções sociais da cidade', contando com novos e impor-tantes instrumentos para a sua colocação em prática... Não se limitando mais o município a exercer mero 'po-der de polícia', através da expedição de 'posturas muni-cipais', dos instrumentos de vigilância sanitária dos es-tabelecimentos, de fiscalização de obras e construções ou de fixação dos horários de funcionamento do comér-cio... Portanto, os municípios também, tal qual a União e os Estados, encontram-se comprometidos com a rea-lização dos objetivos consignados na ordem jurídica"14.

Ora, com o respaldo constitucional da vigente Carta Magna, aí está colocada a ques-tão da intervenção estatal no planejamento econômico e, por via da conseqüência, no plano diretor da cidade. E, anteriormente, não só esboçava posição compatível à atual realidade, como a doutrina era clara em orientar o pensamento em seguir essa trilha, adequada à contemporaneidade. Desde o clássico ensaio de Fábio Konder Comparato15, para quem a disciplina é um conjunto de técnicas para a realização da política econômica, catalogadas num écran que focaliza a inteireza dessa política econômica, resumida no Plano, ou seja, a normatização dos instrumentos da política econômica estatal, até outros juristas de escol, como Modesto Carvalhosa, adotando a corrente vigente nos 60 na Itália, capitaneada por Spagnuolo Vigorita, para quem "a planificação representa, assim, o ponto máximo, em quantidade, e em sistemati-zação, do dirigismo estatal" ou "a feição mista da economia atual", sendo eles, por natureza, a teor das normas constitucionais da Carta de 1969 (art. 160, I, e 170) de caráter "construtivo e prospectivo e não repressivo e coercitivo", ou "deles devem surgir leis outras que motivem, incentivem e estimulem as entidades econômicas privadas a aderirem ao esforço global do progresso econômico do país, preferente-mente àquelas de constrangimento"16.


Affonso Insuela Pereira, ao mostrar que Stammler tinha razão em sustentar que "en-quanto nos fenômenos naturais intervém o princípio da causalidade, nos fenômenos sociais intervém o princípio da finalidade"17, tendendo para o liberalismo dos saudo-sos professores José Pinto Antunes e José Nabantino Ramos, dos quais ousei dis-cordar em elevados debates no 1º Curso de Pós-Graduação em Direito Econômico, na Faculdade de Direito da USP, nos primórdios dos anos 70, admite que "o direito foi o instrumento hábil de que se utilizaram, os Estados para intervir na economia. Isto forçou a revisão dos conceitos clássicos da economia, assim como dos concei-tos jurídicos. Esses conceitos aproximavam-se e amalgamavam-se, fazendo surgir e desenvolver-se o Direito Econômico"18.


Enfático, Eros Roberto Grau, cuidando da disciplina da atividade econômica, - perfi-lhando com as teses de Geraldo Camargo Vidigal, de quem sempre discordei -, a-ponta a existência autônoma de um Direito do Planejamento - que aceito -, e conclui: "Fora de qualquer dúvida que, quando aplicado à administração do processo eco-nômico, pelo Estado, o planejamento reflete efeitos marcantes de Direito Econômico.

Também importa ele, no entanto, com intensidade relevante, sobre outras matérias cuja administração seja pelo Estado provida na conformidade de normas contidas em outras províncias jurídicas. Por tudo isso, não me parece sustentável a tese da existência do Direito do Planejamento - cujas normas, no meu entendimento, com-põem em capítulo do Direito Econômico, o do ordenamento jurídico do planejamen-to"19.


Lembro que Nabantino Ramos fez uma aguda percepção do Direito Econômico, co-mo ramo autônomo da ciência jurídica, ao atribuir: "... o Direito Econômico existe, como disciplina ordenadora de amplo setor do processo econômico. As leis começa-ram 'intervindo' e prosseguem 'dirigindo' esse magno setor das atividades humanas, nas relações internas e externas das nações"20.


Outra não seria a sensibilidade de Nabantino Ramos, se não tivesse respaldo na genialidade de Vicente Ráo, quando observou "muitas vezes... o direito especial, porventura revelado, em sua origem, por leis esparsas, vai, aos poucos, se constitu-indo em um sistema orgânico de normas, subordinando-se a princípios próprios: e, neste caso, adquirindo caráter permanente, ora constitui ramo ou sub-ramo"21.


24.4. Adotando-se, como ramo do Direito Econômico, o Direito do Planejamento, por conseqüência o Direito do Plano, é sub-ramo do anterior. E isso tem transcendental importância, porque o Direito Urbanístico cataloga como sub-ramo do Direito Plano. Não há urbanização (de urbs, cidade) sem plano; não ocorrendo, há o caos, pois foi controlado o Estado pela burguesia, "permitindo que a sociedade fosse conduzida de acordo com os interesses do sistema capitalista", como pondera Maurício Abdalla, no mencionado ensaio (p. 2).

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1 LEVY, Marc. Et si c'était vrai... Paris: Le Grand Livre du Mois, 2000. Contracapa.

2BENJAMIN, Walter. One-way street and other writings. London-New York: Verso, 1997. p. 298. Tradução de Edmund Jephcott e Kingsley Shorter.

3GREENE, Graham. O americano tranqüilo. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal Popular, 1964. Tradução de Breno Silveira.

4ROSO, Jayme Vita. Auditoria jurídica para a sociedade democrática. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 2001. 192 p.

5PESSOA, Nicodemus, VESPUCCI, Ricardo et al., entrevistadores. Entrevista de Fábio Konder Comparato, intitulada "Uma aula de democracia". In Revista Caros Amigos, São Paulo, n. 72, ano VI, p.30, mar. 2003.

6 RICOEUR, Paul. Lo justo. Tradução de Carlos Gardini. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1997. p. 37.

7Op. cit., p. 26-37.

8OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito: por uma compreensão constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 180-195.

9LOBATO, Monteiro, Os faroleiros in urupés. Obras completas, vol. 1. São Paulo, Brasiliense, 1959. p.106.

10ABDALLA, Maurício. O princípio da cooperação: em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: Paulus, 2002. 148 p.

11Op. cit., p. 15.

12FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. p. 364.

13Op. cit., p. 366.

14VAZ, Isabel. Direito Econômico das propriedades. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993. p. 281, 284 e 285.

15COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável Direito Econômico. In Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 353, p. 14 e seguintes.

16 CARVALHOSA, Modesto. Direito Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973. p. 159-160.

17PEREIRA, Affonso Insuela. O Direito Econômico na ordem jurídica. São Paulo: José Bushatsky, 1974. p. 9.

18 Op. cit., p. 177.

19GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981. p. 37.

20RAMOS, José Nabantino. Sistema brasileiro de Direito Econômico. São Paulo: Editora Resenha Tributária, Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 1977. p. 88.

21RAMOS, José Nabantino. O Direito e a vida dos direitos. São Paulo, Max Limonade, 1952. p. 233, vol. 1.
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*Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos









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