O episódio da morte do torcedor boliviano, lamentavelmente, caminha para ser apenas mais um nas tantas estatísticas da escalada da violência em nossa sociedade, o que seguramente não é privilégio apenas em nossa realidade brasileira ou da subdesenvolvida America Latina (vide episódios semelhantes provocados pela torcida do Barcelona e do Fenerbahce nesses últimos dias).
A questão esportiva, sinceramente deve ser relegada ao segundo plano, se de fato queremos tirar alguma lição e correção efetiva destra tragédia, ainda mais com a proximidade da Copa do Mundo no Brasil. O regulamento da Conmebol prevê que a torcida é extensão do clube e que, portanto, a entidade responde de forma objetiva por eventuais danos ou tumultos causados por seus torcedores. Se não há dúvida em relação ao disparo do sinalizador e que tenha advindo do espaço destinado a torcida do clube visitante, por conseguinte as penalidades elencadas devem ser aplicadas como fator inibitório ou, como muitos preferem, educativo, afinal reparatório nunca será, pois a vida de Kevin, ao menos nesse plano físico, foi ceifada.
O time boliviano também deveria ser punido? Acredito que sim, por conta da organização, segurança, fiscalização inerentes ao mandante, mas da entidade que rege o futebol em nosso continente, muito não se pode esperar, vide a mudança da sanção aplicada ao SPFC no tocante a perda do mando de jogo em decorrência do episódio ocorrido na final da Copa Sulamericana de 2012 (era para ser cumprida no confronto contra o Atlético/MG de maior dificuldade e importância, no entanto, foi alterada para o jogo da próxima semana contra o Arsenal-ARG).
O juiz brasileiro andou bem em conceder a liminar que possibilitou os quatro torcedores acompanhar a partida? Isso pode voltar a prejudicar o Corinthians? Começando pela segunda, sim, sem dúvida pode prejudicar, pois o julgamento sobre a extensão da penalidade ainda está por vir e seguramente levarão em conta, em especial para uma possível demonstração de força, a indolência de se levar uma questão esportiva para a Justiça Comum (o que sempre foi reprovado pela FIFA). Desta feita, o clube pode pagar um preço ainda mais alto pela atitude desses torcedores.
Voltando à questão da decisão proferida, acredito que o juiz não olhou para a pergunta que dá início a este pequeno texto: qual o valor da vida? Tecnicamente, a decisão tem lastro, sustentação jurídica e hermenêutica, mas será que basta para que possamos falar em distribuição de Justiça? É preciso olhar a coisa sob outro prisma, olhar a cidade e não o prédio isolado.
A mensagem que o silêncio advindo da ausência da torcida representaria ou, ainda além, a oportunidade de chamar, através da repercussão do caso, para o fato de que uma vida foi cerceada da continuidade em um ambiente esportivo, onde isso não deveria jamais acontecer, sugerindo inclusive que a própria competição fosse suspensa, por mais utópico que isso possa parecer por contrariar grandes interesses financeiros (não esqueçamos da tragédia do Estádio de Heysel que, seguramente, mudou em muito o comportamento dos torcedores europeus, ao menos dentro dos estádios), como forma de demonstrar que como em um ciclo imperceptível de perda de valores, respeito a vida, civismo e outras concepções morais, estamos nos aproximando cada vez mais das competições romanas vivenciadas no Coliseu, onde de fato a vida não tinha valor ou sentido maior se não o de propiciar o horrendo espetáculo em torno da morte. Hobbes parece estar cada vez mais certo e sua afirmação de que "o homem é o lobo do homem", impressionantemente atual.
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* Fabiano Zavanella é consultor jurídico e sócio do escritório Rocha, Calderon e Advogados Associados.
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