Não raro, a forma de estruturação de operações comerciais legítimas esbarra em restrições legais que dificultam ou mesmo inviabilizam sua celebração. Isto ocorre em especial com os ditos "contratos atípicos", para os quais a ausência de disciplina legal específica pode se tornar um empecilho, particularmente quando implicam no fluxo internacional de moeda e mercadorias, gerando reflexos cambiais. No entanto, superadas as questões regulatórias, estas estruturas inovadoras podem representar boas alternativas para o fomento de determinados setores da atividade econômica.
É o caso dos chamados streaming arrangements, contratos de fornecimento continuado de produção mineral pelos quais, mediante o pagamento antecipado de um prêmio, o comprador contrata a compra, a um preço fixo, baixo e predeterminado, da produção (total ou parcial) do minério a ser extraído por uma empresa de mineração durante um prazo determinado ou mesmo durante toda a operação da mina, até o exaurimento da jazida. O valor acordado é adiantado para a empresa de mineração que, com isso, poderá viabilizar o desenvolvimento, construção e operação do empreendimento, ou sua expansão. Com isso, a empresa de mineração consegue capitalizar-se com base em reservas minerais provadas, mas ainda não exploradas, e a um custo em geral menor do que em empréstimos.
Operações de streaming têm se tornado cada vez mais comuns no setor mineral. De um lado, favorecem a empresa mineradora, que tem à sua disposição mais um mecanismo de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento de seu projeto mineral, e tem um comprador praticamente certo para um percentual ou toda a sua produção futura (a depender do que for pactuado). Além disso, ao contrário dos financiamentos por investimento em capital, os sócios da empresa de mineração não terão que suportar diluições; e a empresa não terá que arcar com os custos existentes em financiamentos por dívida, sobretudo em épocas em que as condições de acesso ao crédito não sejam favoráveis.
De outro lado, as operações de streaming podem beneficiar também o comprador em um cenário de escalada de preços de commodities, na medida em que esse comprador conseguirá travar o preço de compra futura do minério com tendência de alta, e revender esse minério a preço de mercado. Analogamente a um derivativo financeiro, os streaming arrangements fixam o preço do minério, evitando a exposição do comprador a possíveis altas em seu valor de mercado. Diferentemente de operações de hedge, porém, as operações de streaming costumam conter previsão de que o pagamento ao comprador não será por um preço prefixado, mas o menor entre o valor de mercado e o valor pactuado por medida de produção. Em decorrência dessas particularidades, empresas compradoras que aplicam o modelo de streaming têm reportado altas taxas de retorno, sobretudo nos casos em que a produção total da mina supera as expectativas iniciais.
Naturalmente, há riscos a serem avaliados em operações de streaming. Existe a possibilidade de ausência ou insuficiência de produção, o que impediria o vendedor de entregar o pactuado. Em razão desse risco, o comprador busca reduzir sua exposição exigindo garantias tradicionalmente outorgadas a agentes financeiros em operações de financiamento. Outro risco revela-se na volatilidade do mercado, cujas oscilações podem afetar as margens de lucro originalmente previstas pelo comprador ou, em última instância, inviabilizar a produção e, consequentemente, o próprio streaming. Trata-se de um risco bem conhecido do setor mineral, que exige ajustes tanto por empresas de mineração como de streaming segundo a dinâmica de mercado.
Há, ainda, riscos legais muitas vezes gerados por uma legislação que não disciplina adequadamente a prática de streaming. Em razão da inexistência de regulamentação adequada a esse tipo de operação, um dos principais entraves à celebração de streaming arrangements entre uma empresa de mineração brasileira e uma empresa de streaming estrangeira é a ausência de classificação cambial específica que permita o registro do ingresso dos recursos pagos inicialmente pelo comprador ao vendedor, a título de prêmio, no sistema eletrônico de Registro de Operações Financeiras (ROF) do Banco Central do Brasil (BACEN). Em casos recentes, contudo, foi aplicado um precedente de orientação do BACEN que possibilitou o fechamento do câmbio e o ingresso dos recursos.
Outros aspectos que ainda carecem de disciplina legal mais precisa envolvem a tributação incidente sobre o prêmio pago pelo comprador ao vendedor, considerando especialmente que pode haver discussão quanto à natureza jurídica desse prêmio, com reflexos fiscais, e que a quantidade da produção a ser vendida no futuro é incerta, devido ao fato de que jazidas minerais costumam ser reavaliadas em uma operação mineral. Nesse particular, a definição clara da possibilidade de tributação do valor do prêmio ao longo do cumprimento do contrato – e, consequentemente, ao longo da produção – contribuiria para a maior atratividade do streaming para empresas de mineração brasileiras.
Por fim, na medida em que os contratos de streaming representam o comprometimento de parte ou toda a produção de uma mina a um comprador, a legislação também deveria possibilitar o registro desse tipo de contrato no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), como medida de resguardo dos direitos do comprador e de terceiros com os quais a empresa de mineração venha a negociar.
Seja como for, tendo em vista as dificuldades de crédito que vêm sendo enfrentadas pelo setor mineral e a alta no preço de determinados minérios como o ouro, os contratos de streaming vêm se tornando uma alternativa atraente tanto para investidores que negociam ouro e algumas outras commodities no mercado internacional, como para mineradoras brasileiras em busca de financiamento para seus projetos. Ainda que as lacunas normativas no Brasil não cheguem a inviabilizar esse tipo de negociação, é desejável o aprimoramento de regulamentação a fim de se eliminar riscos legais desnecessários em contratos de streaming.
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* Adriano Drummond Cançado Trindade e Graciema Amaral de Almeida são, respectivamente, consultor e associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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