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Pirataria: bom ou ruim?

Há anos no Brasil, temos visto matérias jornalísticas e campanhas publicitárias sobre a questão da afronta aos direitos autorais, fato popularmente conhecido por pirataria. As indústrias também cada vez mais têm se preocupado com a questão.

30/5/2003

Pirataria: bom ou ruim?

Simone Tatsch*

Há anos no Brasil, temos visto matérias jornalísticas e campanhas publicitárias sobre a questão da afronta aos direitos autorais, fato popularmente conhecido por pirataria. Em abril do ano passado, por exemplo, o Jornal Nacional dedicou uma semana inteira à análise da falsificação de produtos em inúmeras áreas, como as de vestuário, sapatos, programas de computador, filmes, CDs. Igualmente, a última edição da Revista Veja traz longa matéria debatendo o assunto.

As indústrias também cada vez mais têm se preocupado com a questão, que representa quedas significativas de sua receita. Muitas vezes, como no caso das fitas cassetes, a pirataria praticamente pôs fim ao mercado formal desse produto. Entre as indústrias mais ativas no combate à afronta aos direitos autorais está a de programas de computador. Enorme tem sido o esforço das suas associações. Há muito tempo, a ABES – Associação Brasileira das Indústrias de Software e a BSA – Business Software Alliance vêm organizando campanhas para a conscientização da população, quanto aos malefícios da pirataria, promovendo inúmeras ações judiciais e acompanhando inquéritos policiais em todo o país.

Entretanto, mesmo diante desse sensível volume de informações, parte da sociedade ainda se questiona sobre o porquê da necessidade de proteção aos direitos autorais, ainda mais nos casos de indústrias supostamente ricas, como as de software. Várias são as respostas possíveis. Podemos analisar a questão do ponto de vista meramente dogmático, ou seja, verificar o que a ordem jurídica brasileira diz a respeito ou, por outro lado, zeteticamente, questionarmos se a proteção legal encontra abrigo na razoabilidade, na evolução histórica, econômica e cultural. Com efeito, sob o prisma do primeiro ponto de vista, ou seja, utilizando-me de expressão de Eros Roberto Grau, do direito posto, podemos responder que sim, é necessário proteger os direitos autorais, pois nossa Constituição assim o determina no seu art. 5o, inciso XXVII, bem como legislação infraconstitucional específica, consubstanciada nas Leis 9.609/98 e 9.610/98. Entretanto, essa resposta, puramente dogmática, não irá satisfazer a verdadeira pergunta a ser respondida, que se traduz em encontrar a razão que está por traz dessa proteção presente em nossa legislação.

É notório atualmente que o desenvolvimento tecnológico representa elemento importantíssimo de crescimento de um país. A tecnologia vem superando em importância o próprio capital. Portanto, países que não protegem as criações humanas, automaticamente, não as estão estimulando. Afinal, para que algo seja criado e desenvolvido é necessário tempo disponível e, na nossa atual sociedade capitalista, isso pressupõe a capacidade de sustento e de investimento. E, é claro, não podemos imaginar que o Estado seja capaz de sustentar todos aqueles que tem a capacidade de criar alguma coisa, ou mesmo, que ele adquira e, para isso, avalie sozinho a utilidade ou a beleza de uma criação. Conseqüentemente, é a própria sociedade que sustenta, por exemplo, por meio do pagamento de licenças decorrentes dos direitos autorais, os produtos que lhe interessam, oriundos da criatividade e esforços alheios. Com isso, temos um sistema contínuo de estímulo à criação. E não é sustentável o argumento de que a proteção aos direitos autorais somente deveria ser dada aos brasileiros, sob pena de nossa sociedade, a médio e longo prazo, também ser vítima da pirataria estrangeira.

Certo, por outro lado, que essa proteção não deve ser absoluta, pois, acima de tudo, a humanidade deve ser de alguma forma beneficiada. E não é por outro motivo que há limitação temporal dos direitos autorais. Terminado certo prazo, aquela criação poderá ser utilizada por todos livremente, independentemente de qualquer pagamento ao seu criador. No caso dos programas de computador, no Brasil, a proteção legal se estende por 50 anos, seguindo acordos internacionais. A crítica cabível aqui não recai, portanto, de forma alguma, sobre a proteção autoral, mas sim no prazo extenso da mesma. Na velocidade de transformação tecnológica em que estamos, em 50 anos a tecnologia já evoluiu tanto, que o uso livre de uma criação dessa idade, provavelmente, não traria benefícios a mais ninguém. De qualquer forma, prestigiando o Estado Democrático de Direito em que vivemos e as suas instituições, essa proteção deve restar mantida por esse prazo, até que seja objeto de alteração legislativa decorrente de mudanças nos tratados internacionais. O esforço diplomático, portanto, é imprescindível.

Nesse sentido, acredito que devemos vislumbrar a proteção aos direitos autorais como fez Robert Sherwood, segundo o qual "A criatividade humana é o grande recurso natural de qualquer país. Como o ouro nas montanhas, permanecerá enterrado sem estímulo à extração. A proteção à propriedade intelectual é a ferramenta que traz à tona aquele recurso."

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*Doutoranda em Direito Econômico – USP, sócia da Martins-Costa e Tatsch Advocacia escritório associado à Reale Advogados Associados.

 

 

 

 

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