Na década de 80, o setor siderúrgico brasileiro era composto por mais de 30 empresas que, por meio do controle interno de preços pelo governo, contava com grande reserva de mercado. Durante o processo de privatização e abertura da economia, nos anos 90, o setor, diante do fim do mercado protegido por tarifas, se viu obrigado a reduzir custos, ensejando um verdadeiro processo de concentração no mercado nacional, hoje dominado por três grandes grupos econômicos.
As consequências dessa concentração - contrária ao modelo de concorrência perfeita - são visíveis diariamente não apenas na imprensa, mas, também, nos inúmeros processos submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e nas medidas e restrições técnicas. É o caso da medida adotada em 1996, quando o mercado siderúrgico (já concentrado) criou uma barreira técnica à entrada de concorrentes via normatização de barras e fio de aços destinados à armadura para concreto.
No ano passado, a siderurgia nacional intensificou sua atuação junto ao poder público com o objetivo de proteger sua indústria, nos mesmos moldes da perdida década de 80. Para tanto, sob a tese de que a concorrência internacional é predatória, de que o preço do aço importado chega ao Brasil muito baixo e de que se deve proteger a indústria nacional, as entidades representativas do ramo, de modo coordenado, passaram a promover sua onda protecionista, com pedidos de salvaguarda, antidumping e outros.
Um exemplo dessa atuação coordenada foi o pedido de instalação do processo de antidumping feito por uma grande siderúrgica contra o aço chinês, recentemente negado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Mais quatro investigações antidumping tramitam no mesmo órgão, a pedido do setor que conseguiu, também, incluir 10 itens na lista de 100 produtos cujas tarifas de importação foram elevadas.
Não obstante, como se não bastasse a investida contra o produto importado, a indústria do aço brasileira também passou a investir contra o setor de comércio de sucata ferrosa nacional (fornecedor da principal matéria-prima de alguns de seus produtos), a fim de restringir a exportação da sucata de ferro e aço e de compelir o segmento a vendê-la somente aos gigantes nacionais. Nessa linha, a indústria do aço solicitou formalmente ao Mdic que o governo brasileiro adote medidas restritivas à exportação da sucata brasileira (imposto exportação). Já protegidas contra a concorrência externa, as empresas do setor desejam resguardar mercado cativo para sua matéria-prima, criando óbices à exportação de sucata ferrosa do país.
Ou seja, o oligopólio do aço deseja dupla proteção artificial: de um lado, contra o concorrente externo; de outro, para se apoderar de sua principal matéria-prima. Justificam seu pleito embasados numa suposta falta de sucata no mercado interno brasileiro e demandam restrição aos países que já taxam a exportação do insumo. Diante desses argumentos falsos, as siderúrgicas ameaçam a sobrevivência do comércio atacadista de sucata ferrosa - constituído por cerca de 3 mil empresas pequenas e médias (maioria familiar), que movimentam mais de 1,5 milhão de empregos, incluindo cerca de 800 mil catadores.
Seus argumentos são facilmente desmontáveis, uma vez que não há, na história brasileira, registro de falta de sucata para abastecimento da indústria de aço. Ademais, as usinas não aumentaram o consumo da sucata na produção do aço e estudos técnicos comprovam haver grande estoque de sucata ferrosa no país, com tendência de aumento para os próximos 10 anos. Para completar, o que se vê é um falso alarde, uma vez que a exportação da sucata é ínfima - representa menos de 2,5% do volume consumido pelas siderúrgicas - e o fechamento do mercado fará com que a indústria do aço detenha fornecedores cativos.
O que está em jogo aqui é o domínio, pelas siderúrgicas, não apenas do mercado consumidor de aço nacional, mas, também, dos fornecedores de matéria-prima. Entende-se que, nesse jogo de interesses, deva prevalecer a formação de preço pelo ajuste espontâneo da lei da oferta e da procura.
O preço justo deve se constituir por meio do resultado da interação de todos os players de mercado e não de modo artificial, com políticas públicas de reserva de mercado. E isso deve ser amplamente respeitado no Brasil que, com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, estabeleceu um novo quadro jurídico-econômico com a retirada do Estado como agente de atividades econômicas, dando ênfase ao seu papel regulador e garantindo a liberdade de concorrência na ordem econômica.
Com efeito, a tentativa de adoção de medida restritiva para proteger a indústria do aço no Brasil coloca em rota de colisão a sobrevivência do comércio atacadista de sucata ferrosa e a viabilidade da Política Nacional de Resíduos Sólidos no que tange à logística reversa da cadeia de metálicos.
Fica, pois, a dúvida: será eterna a polêmica da proteção da indústria do aço no Brasil? Em busca da verdade, espera-se que a proposta do oligopólio do aço seja julgada improcedente ante a ausência de fundamento econômico, político e jurídico, encerrando-se mais uma etapa de apoio a essa indústria no Brasil.
Que os poderes Legislativo e Executivo, em vez de conceder benefícios a um único setor, possam adotar medidas de eficiência na gestão do país de modo a beneficiar toda a sociedade brasileira, promovendo, assim, os objetivos fundamentais escritos em nossa Constituição.
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*André de Almeida e Murilo Meneghetti Nassif são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Almeida Advogados.
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