Uma interessante pesquisa realizada pelo Ibope em 2011, por encomenda da Confederação Nacional de Seguros (CNSeg), chegou a algumas conclusões relevantes ao mercado segurador: 4 em cada 10 segurados mostram-se propensos às fraudes contra seguro. Ainda, de acordo com a mesma pesquisa, o desconhecimento em relação às punições e a impunidade são fatores de motivação.
É alarmante a realidade de que quase metade dos segurados está propensa a fraudar, e, infelizmente, não há como dissociar tal conduta da forma como o Poder Judiciário enfrenta a questão. No Brasil, é indiscutível que a impunidade está intimamente ligada ao exacerbado paternalismo exercido pelo Judiciário em relação aos segurados.
O paternalismo do Judiciário fica evidente na medida em que são impostas às seguradoras inúmeras barreiras para que se comprove a fraude. Muitas vezes, apesar da existência de vários indícios, os juízes estão mais inclinados a reconhecer o direito do segurado à indenização do que a própria fraude, tudo com base na premissa, por vezes equivocada, de que o segurado é hipossuficiente em relação ao segurador. Assim, condutas que indicam a ocorrência de fraudes ou, no mínimo, agravamento do risco, são relevadas e permanecem impunes. E mais, são premiadas com a concessão judicial da indenização prevista no contrato de seguro ao segurado.
O ônus oriundo do pagamento indevido de indenizações recai sobre a seguradora, mas também, acaba prejudicando a sociedade como um todo, porque onera as apólices de todos os clientes. O mercado segurador no Brasil ainda tem muito território para conquistar e, infelizmente, o paternalismo do judiciário brasileiro está no caminho da expansão deste negócio.
Se compararmos o mercado segurador brasileiro com o norte-americano, vemos que o mercado nacional ainda é muito acanhado. Quando falamos em Seguro de Vida, temos que o mercado norte-americano tem 7 vezes mais segurados do que o brasileiro. Isso se dá, em parte, pela cultura daquele país, mas, também, em razão da segurança jurídica que a nação americana oferece para as empresas que podem calcular com tranqüilidade os riscos das apólices e têm certeza que não serão compelidas a pagar indenizações em caso de fraude.
Um exemplo comparativo importante da diferença entre o tratamento dado pelo judiciário está nos casos de omissão ou manipulação de dados nas informações sobre os riscos prestadas pelos segurados no momento da contratação.
Nos Estados Unidos, existe um período de dois anos contados da contratação (Contestability Period) em que, caso ocorra sinistro, as seguradoras tem o direito de investigar minuciosamente as informações prestadas pelo segurado. Caso a seguradora encontre inconsistências, a indenização não é paga. Este norma é de conhecimento geral, consta nas apólices e é honrada nas decisões judiciais americanas. Na maior parte dos estados norte-americanos, mesmo que a informação não prestada ou prestada com incorreções não tenha relação com a causa da morte, a indenização não é paga e os tribunais negam o pedido do segurado. Após o prazo de dois anos, a indenização é paga sem a checagem das informações, pelo simples fato de que acabou o prazo legal de contestabilidade das seguradoras. Caso alguma indenização seja negada com base na incorreção dessas informações, os tribunais determinam que a mesma seja paga e aplicam punições às seguradoras.
Ou seja, todos sabem o que esperar ao contratar uma apólice. O preço é justo porque as empresas têm segurança de que só pagarão aos segurados realmente merecedores, o que aumenta o número de apólices comercializadas e a sociedade fica com o respaldo de ter suas famílias seguradas, o que onera menos o estado. Todos ganham.
No Brasil, além de não ter período de contestabilidade determinado por lei, mesmo que fique comprovado que segurado escondeu informações importantes ou mesmo mentiu ou que agravou seu risco, o judiciário compele às empresas ao pagamento da indenização. A justificativa para as decisões que determinam o pagamento de indenização nos casos de doença preexistente, por exemplo, é que a seguradora não realizou exames médicos prévios. Ou seja, mesmo que o segurado tenha ciência de sua doença e tenha mentido na prestação das informações, a seguradora é condenada porque não promoveu exames prévios. Diga-se de passagem, o exame prévio elevaria ainda mais o custo da apólice.
Imaginemos que situação semelhante a do ator Heath Ledger ocorresse no Brasil. O desfecho teria sido outro, com certeza. O ator de menos de 30 anos contratou um seguro de vida em junho de 2007, deixando como beneficiária sua filha de dois anos e tendo como capital segurado dez milhões de dólares. Não informou seu histórico de abuso de drogas. Morreu em janeiro de 2008, sete meses depois da contratação, em decorrência de overdose acidental. A seguradora americana ReliaStar Life Insurance Co negou o pagamento da indenização e a família ajuizou uma ação para receber a indenização. A seguradora estava em seu direito de negar o pagamento, porém, a exposição negativa na mídia fez com que a empresa oferecesse um acordo para o fim da demanda. Assim, aconselhada pelo juiz que conduzia o caso, a família aceitou o acordo e recebeu um pequeno percentual do capital segurado, ciente de que não receberia nada caso levasse a cabo o processo judicial.
Se fosse no Brasil, o caso levaria uma década para ter um final definitivo e, muito provavelmente, sob a alegação de que não houve má-fé do ator ao deixar de informar que abusava de drogas, a seguradora seria compelida a pagar os dez milhões à família. Todos pagaríamos, na verdade, porque o prejuízo da seguradora seria repassado em algum grau aos proponentes de novas apólices.
Desta forma, é necessária uma atuação mais próxima e enérgica do Judiciário no tratamento da questão, deixando de lado a atuação paternalista, visando, com isso, punir com rigor e nos termos da lei o agente fraudulento para que seja possível o crescimento do mercado segurador e do número de segurados, o que traz só benefícios à sociedade em geral.
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1 Fonte: Disponível em: https://www.ibope.com.br/ptbr/noticias/Paginas/Propens%C3%A3o%20%C3%A0%20fraude%20em%20queda.aspx. Acessado em 21/01/2013
2 Fonte: Swissre, dados de 2010
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Gabrielle Rossa é especialista em Direito Securitário do escritório Rayes Advogados Associados
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