A servidora optou por efetuar tratamento hormonal com vistas a produzir leite materno, quando a companheira, a mãe biológica, por ser profissional autônoma, se acha impedida de atender às necessidades de aleitamento e cuidados do neonato.
A decisão do magistrado Marco Antonio da Silva Lemos, da 3ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, ponderou, de início, que embora não se contenda sobre a condição de co-mãe, da servidora, quem engravidou não foi ela, mas sua consorte; certo, então, que o direito de mãe não gestante à licença-maternidade, não foi ainda objeto de previsão legal estrita e sequer resta pacificado na jurisprudência. No entanto, ponderou por outro interesse maior, afetado pela controvérsia, que vem a ser o do direito do recém-nascido, com menos de um mês de vida, ao aleitamento.
No ponto, sublinhou a decisão os deveres preponderantes de cuidados à criança, diante da realidade fática que não pode ser encarada ou enfrentada com visão meramente formal ou acadêmica.
De fato, na estrita dicção da lei, “muito embora o favor legal receba o “nomen juris” de “licença-maternidade”, a mera condição de mãe não autoriza sua concessão, exige-se a condição de gestante”. Todavia, a ideia da lei, em sua operabilidade, traçada por diretivas do atual Código Civil, tem a dizer que a licença é, antes de mais, uma licença-natalidade, ou seja, concedida em proteção do neonato.
Bem de ver, assim, que a jurisdição assegurou a primazia da tutela máxima do filho menor, este tornado filho socioafetivo da servidora, pelo instituto da co-maternidade, que se apresenta como um novo instituto do direito de família, criado por construção jurisprudencial.
Mais que isso, a admissão da co-mãe, pela sua qualidade de servidora, ao direito de licença-maternidade, insere-se no atual conceito amplo da multiparentalidade
A propósito, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao julgar, em agosto de 2012, procedente a Apelação cível 0006422-26.2011.8.26.0286, interposta em ação declaratória de maternidade socioafetiva, declarou possível a maternidade socioafetiva concomitantemente com a maternidade biológica.
Mas não é só.
Nessa mesma linha propositiva, a de tutela máxima dos interesses da criança e do adolescente, extraída da ordem constitucional do art. 227 da Constituição Federal, apresenta-se o PLS 700/07, em tramitação.
O abandono afetivo como falta grave ao dever de cuidar o filho, para além de constituir ilícito civil, será caracterizado como crime, nos termos do Projeto do Senado, de nº 700/2007, já aprovado, dezembro passado, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, daquela casa parlamentar.
Na justificativa da proposta tem-se que “os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação”, e reduzir essa tarefa à assistência financeira, como sucede com a pensão alimentícia (que não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos), “é fazer uma leitura muito pobre da legislação”.
De tal conduto, o abandono afetivo insere-se como infringência de cuidado devido, que se extrai do dever de assistência moral, em prejuízo do desenvolvimento psicológico e social do menor. Tem-se como ordem fundante superior do projeto, a permitir que seja criminalizada a conduta omissiva, a regra do art. 227 da Constituição Federal.
Efetivamente, recentes decisões judiciais cuidam de inibir, impedir ou punir a “negligência intolerável” como conduta inaceitável à luz do ordenamento jurídico. A mais significativa delas, resultou da 3ª Turma do STJ, que obrigou um pai a indenizar o filho, na quantia de R$ 200 mil, por abandono moral. A relatora, ministra Fátima Nancy Andrighi, acentuou que "amar é faculdade, cuidar é dever".
Pois bem.
Deveres inerentes que a afetividade sobressai impor e, sobretudo, deveres por cuidados de assistência moral impostos pela própria natureza da assistência devida e inafastável, colocam atualmente a relação pais e filhos, como uma relação juridicamente pautada por obrigações inquebrantáveis.
De mais a mais, essa relação, não fica, classicamente, submetida a liames meramente biológicos.
Em bom rigor, inexiste uma paternidade prevalecente, por origem, senão por realidade fática, juridicamente relevante.
É exatamente, no fim de dirimir essa assertiva, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a Repercussão Geral da matéria em ações que discutam a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica, ou vice-versa, para dirimir o conflito de teses, pacificando as controvérsias atualmente existentes. Questões subjacentes estão mais das vezes situadas em face de demandas de cunho estritamente patrimonial. Foi entendido, no voto do ministro Luiz Fux, que o tema é relevante sob os pontos de vista econômico, jurídico e social, a ensejar a repercussão (ARE 692.186).
Afinal, razão maior assiste quando o juiz Silva Lemos cita François Gény:
“Pode toda regra ser considerada como uma proposição que subordina a certos elementos de fato uma consequência necessária; incumbe ao intérprete descobrir e aproximar da vida concreta, não só as condições explícitas no texto, como também a solução que este liga às mesmas.”
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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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