A lei de arbitragem e as correções necessárias
Leon Frejda Szklarowsky*
O Congresso Nacional vem tendo atuação das mais destacadas, no Brasil moderno - verdadeiro respiradouro da democracia, como afirmei, durante a palestra, na 1ª Conferência Nacional de Áreas Contaminadas no Brasil, em 18 de maio de 2005, na Câmara dos Deputados, defendendo a utilização da arbitragem como meio necessário também para a composição de conflitos sobre direitos indisponíveis, o que já é perfeitamente possível, com base na legislação especial (Ex. Lei 8987/95 – Lei de concessão de serviços públicos que impõe como cláusula essencial a solução de conflitos por meio amigável) e em farta doutrina.
A Lei nº 9307/96, com fonte no projeto de lei, de autoria do Sem. Marco Maciel, consolidou e modernizou esse instrumento de justiça privada e recebeu os aplausos do STF, que a considerou constitucional, em histórico julgamento.
A arbitragem é conhecida, desde os mais remotos tempos, e sempre foi praticada pelos povos, com invulgar êxito, antes mesmo da institucionalização do Estado. As nações mais adiantadas e prósperas utilizam-na como forma de driblar a morosidade da Justiça, em que uma causa pode levar de 10 a 20 anos para ser julgada, não por culpa do Judiciário, senão em vista da falta de estrutura deste Poder e do Código de Processo cartorário, que mais se assemelha a uma estrada, com inúmeros obstáculos e esburacada, que não leva a lugar nenhum. A lei vigente deve harmonizar-se com a constante e célere transformação da sociedade que exige imediata posição de vanguarda do legislador, em comunhão com a revolução tecnológica e científica das últimas décadas.
O Ministro José Augusto Delgado manifesta-se a favor da alteração para permitir que suas decisões sejam executadas imediatamente, quando não atendidas pela parte vencida, sem necessidade da intervenção do Judiciário, impondo ao vencido que não cumprir sentença arbitral a pena de multa e autorizando a lei, desde logo, a expedição de ofício do mandado executório, com a utilização, mediante simples permissão do juiz da comarca, dos meios coercitivos facultados pelo CPC.
Sustentamos que a sentença arbitral – título executivo judicial - seja executada pelo próprio juízo arbitral, seguindo, com as necessárias adaptações, o modelo do DL nº 70/66. Este diploma autoriza a execução extrajudicial, julgada constitucional pelo Pretório Excelso.
A permanecer como está, as partes conseguirão resolver a dissensão em até 6 meses (prazo máximo para a conclusão da arbitragem), contudo, se tiver que executar a sentença, deverá ter muita paciência e esperar por longos dez, quinze ou mais anos para a solução!
Outro ponto de suma importância diz respeito à parte do PEC 45, que retornou à Câmara, a qual prevê a inserção de um parágrafo ao art. 98 da CF, conferindo permissão aos interessados resolverem seus conflitos por meio da arbitragem. Trata-se de conquista, sem precedentes, igualando-se a Portugal. Não obstante, ao afastar as entidades de Direito Público, vedando-lhes esse direito, operou um retrocesso merecedor do mais veemente repúdio.
No Senado, porém, o relator, Sem. José Jorge, proferiu parecer, no sentido de suprimir a ressalva do referido preceito, com o que essas entidades poderão continuar a submeter os litígios ao juízo arbitral. O Sen. Romeu Tuma apresentou destaque, que foi aprovado, com o objetivo de manter-se a orientação do relator. Assim, a parte do projeto da emenda, alterada na Câmara Alta, incluindo esse destaque, retornou à Câmara dos Deputados, para nova votação. Oxalá, os deputados, num rasgo de sensibilidade, considerem o destaque e suprimam a malfadada ressalva, contribuindo para que o Brasil não se afaste do melhor caminho e continue na vanguarda, em consonância com a consciência universal e com os postulados consagrados pelo Direito alienígena e pelo Direito Público nacional.
O Dep. Nelson Marquezelli apresentou o PL 4891/2005, com o objetivo de regular o exercício das profissões de árbitro e mediador, o que demonstra sua preocupação com a lisura da arbitragem e da mediação e com a impunidade dos que dela fazem uso pernicioso, com incalculáveis prejuízos para a nação e, notadamente, para as pessoas, maculando esse instituto e os juízes arbitrais honestos e cônscios de sua responsabilidade. A regulamentação realmente faz-se necessária, com a aprovação de um código de ética e penalidades rigorosas.
O árbitro exerce atividade que não é exatamente uma profissão e indispõe-se com a exigência de experiência anterior, título universitário, diplomas ou certificados registrados nos conselhos regionais, federais ou nas escolas oficiais ou reconhecidos. É da essência da arbitragem e da mediação a livre escolha de qualquer pessoa capaz, nos termos da lei civil, desde que gozem da plena confiança das partes litigante.
A especialidade e os conhecimentos técnicos e científicos constituem a
conditio sine qua nom para arbitrar um conflito. Não é necessário que o árbitro escolhido seja doutor, mestre ou cientista. Basta que seja especialista ou conhecedor da matéria ou dos fatos em si, objeto da arbitragem ou da mediação. Caso contrário, estar-se-á criando uma casta superior e inatingível ou uma justiça formal e incompatível com a arbitragem.
Exemplifique-se com a hipótese de um proprietário de automóvel que apresentar defeito, após ter-se valido de uma oficina mecânica de renome. Se ingressar no juízo natural, a demanda poderá levar anos e, quando for dada a sentença, esta terá perdido o objeto, pela demora na prestação jurisdicional. Ora, nada mais prático que apelar para a arbitragem ou a mediação. A quem deverá recorrer o prejudicado, senão ao mecânico ou ao técnico, de sua plena confiança e da outra parte? Aquele, e não o doutor, o pós-doutor, o bacharel ou o detentor de título universitário, é que poderá solucionar o conflito e, sem duvida, tentar a todo custo a conciliação que é o mote da arbitragem. Eis que o árbitro escolhido poderá não ostentar diploma universitário ou de pós-graduação, mas certamente gozará da confiança das partes e terá condições, devido à sua especialidade, de resolver a contento o litígio.
Vingando o projeto na forma proposta, mutatis mutandi, os jurados do tribunal do júri também deveriam ser portadores de título universitário ou de pratica em julgamento do júri, o que é um verdadeiro contra-senso, desvirtuando a natureza desse juízo.
O registro em conselhos criará uma casta indesejável, sob todos os aspectos, e atenta contra esse instituto. Há que se criar um código de ética e a infração dessas normas deverá merecer severa punição. Para isto, existem o Judiciário e o Ministério Público livres e altivos. Da mesma forma que um funcionário público é processado e sancionado, também o será o árbitro infrator, no exercício da função ou em razão dela. A lei equipara-o a funcionário público, para os efeitos da legislação penal. Há que se aproveitar o citado projeto para extirpar da Lei 9307 os artigos que mandam as partes para o Judiciário, a todo o instante, resolvendo-se as questões, na própria corte de arbitragem, visto que a submissão a este tribunal é consensual, mesmo que uma das partes seja entidade de Direito público.
Em conclusão, a execução deverá ser feita pelo próprio tribunal arbitral, sob pena de frustrar a existência desse instrumento de grande valia, se bem utilizado.
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*Advogado, escritor e juiz arbitral
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