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Prazo prescricional deve ser contado a partir da ciência inequívoca do dano

Prazo prescricional deve ser contado a partir da ciência inequívoca do dano.

17/1/2013

As relações trabalhistas geram, ao longo do tempo de sua subsistência, direitos e deveres recíprocos para empregadores e empregados. Nesse sentido, a Constituição Federal elenca diversos direitos fundamentais das partes dessa importante relação jurídica, sendo o tempo um fator gerador e extintivo de direitos.

Em homenagem à segurança jurídica e à estabilidade das relações, o ordenamento jurídico brasileiro exige que, uma vez violado o direito de alguma das partes, a pretensão reparatória seja exercida dentro de um prazo. Esgotado o tempo disponibilizado sem que o titular aja, o direito exige que a situação se estabeleça de modo perene, como forma de atribuir segurança e garantias às pessoas envolvidas.

Prescrição é a extinção da pretensão pelo não exercício do direito de ação respectivo dentro do prazo fixado em lei. A decadência, por seu turno, é a extinção do direito material pela inércia do titular em constituí-lo.

Nada obstante o decurso do prazo prescricional implicar o perecimento do direito de ação, o direito material propriamente dito permanece inalterado, podendo ser cumprido através da livre manifestação da parte devedora, por exemplo. O credor perde, apenas, o direito de demandar judicialmente a reparação de seu direito violado.

No caso da decadência, por outro lado, há a perda do próprio direito material, o que ensejaria a improcedência de eventual ação proposta pelo titular inerte, sendo essa a distinção básica entre os dois institutos que visam à garantia da segurança e da estabilidade das relações jurídicas.

Na esfera das relações obrigacionais comuns, o Código Civil prevê, em seus artigos 205 e 206, diversos prazos prescricionais, tratando especificamente de diversas situações cotidianas, como a pretensão do segurado contra o segurador ou a de haver o pagamento de títulos de crédito. Há, também, a fixação de um prazo comum de 10 (dez) anos para as demais situações não contempladas de forma concreta.

No caso das relações trabalhistas, a Constituição Federal tratou de estabelecer, em seu art. 7º, inciso XXIX, a prescrição do direito de ação quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (...).

A regra trabalhista se encontra em perfeita consonância com a norma do art. 189 do Código Civil, aplicado de modo subsidiário ao direito do trabalho por força de expressa previsão no art. 8º, parágrafo único, da CLT. Ou seja, o prazo quinquenal ordinário visa à estabilidade das relações trabalhistas, assim como prazo bienal pressupõe que as lesões aos direitos laborais tiveram fim com o término do contrato de trabalho.

Contudo, situação peculiar ocorre quando a parte da relação empregatícia apenas tem conhecimento da lesão ao seu direito em momento posterior à rescisão contratual. Sendo assim, prevalece a norma constitucional de modo inflexível, contado o prazo bienal prescricional desde o deslinde do contrato?

Em um caso hipotético, baseado em demanda concreta enfrentada na militância da advocacia laboral, um empregador teve ciência dos desfalques e das ilicitudes cometidas por um ex-empregado apenas seis meses após a sua saída. Enquanto o trabalhador esteve na empresa, conseguiu esconder os desvios de recurso, mas, com seu desligamento, indícios da fraude surgiram, dando ensejo a uma investigação interna que culminou com a comprovação do furto do dinheiro patronal.

Assim, a contagem do prazo prescricional da ação reparatória de danos a ser proposta pelo empregador deve ter início com a rescisão do contrato ou a ciência inequívoca posterior deve ser o marco inicial da contagem do prazo da prescrição do direito de ação respectivo?

Sem dúvidas, considerar o início do prazo prescricional a data da rescisão do contrato é privilegiar a fraude e o formalismo em detrimento da razoabilidade, da boa fé e do resgate da legalidade das relações.

Margeando o debate acerca de qual prazo prescricional deva ser aplicado por questão de foco e didática – art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil ou art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal1, é importante registrar o que dispõe o artigo 189 do Código Civil, repita-se, aplicado de forma subsidiária às relações trabalhistas por força do art. 8º, parágrafo único, da CLT:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Desse modo, é certo que a pretensão de reparação do titular nasce com a violação do direito. O direito de propor a ação reparatória apenas surge, contudo, da ciência da lesão, pois antes não há que se falar em direito subjetivo violado.

Esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que, interpretando o dispositivo do Código Civil em questão quanto à sua aplicabilidade a pretensões reparatórias por incapacidade laboral, editou e publicou a Súmula nº 278, que afirma, ipsis litteris:

Súmula nº 278 do STJ. Termo Inicial - Prazo Prescricional - Ação de Indenização - Incapacidade Laboral. O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. (DJ 16/6/2003).

Em consonância com o entendimento sumulado do STJ, o Conselho da Justiça Federal emitiu, em decorrência da I Jornada de Direito Civil, o Enunciado nº 14, que assim dispôs:

Enunciado nº 14 do CJF: Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.

Verifica-se, portanto, que no seio da Corte Superior em questão, dúvida não há que, em consonância com o princípio da actio nata, a pretensão reparatória surge com a ciência inequívoca da lesão, sendo essa o marco inicial da contagem do prazo prescricional. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento análogo, conforme se extrai da sua Súmula nº 443, in verbis:

Súmula nº 443 do STF. Prescrição das Prestações Anteriores ao Período Previsto em Lei – Inocorrência. A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta. (01/10/1964 - DJ de 8/10/1964, p. 3645; DJ de 9/10/1964, p. 3665; DJ de 12/10/1964, p. 3697).

Sendo assim, para o caso hipotético proposto, conclui-se que o prazo prescricional da pretensão reparatória do empregador que, apenas seis meses depois do desligamento do empregado teve ciência dos desfalques, tem sua contagem iniciada apenas no momento da sua ciência inequívoca dos danos patrimoniais.

Há, inclusive, jurisprudência pacífica no seio do Tribunal Superior do Trabalho – TST acerca da aplicação do princípio da actio nata aos processos trabalhistas, in litteris:

PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. DOENÇA OCUPACIONAL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. O fato de as indenizações por dano patrimonial, moral, inclusive estético, serem efeitos conexos do contrato de trabalho (ao lado dos efeitos próprios deste contrato) atrai a submissão à regra do art. 7º, XXIX, da Carta Magna. Independentemente do Direito que rege as parcelas (no caso, Direito Civil), todas só existem porque derivadas do contrato empregatício, submetendo-se à mesma prescrição. Entretanto, em face da pletora de processos oriundos da Justiça Comum Estadual tratando deste mesmo tipo de lide, remetidos à Justiça do Trabalho, tornou-se patente a necessidade de estabelecimento de posição interpretativa para tais processos de transição, que respeitasse as situações anteriormente constituídas e, ao mesmo tempo, atenuasse o dramático impacto da transição. Assim, reputa-se necessária uma interpretação especial em relação às ações ajuizadas nesta fase de transição, sob pena de se produzirem injustiças inaceitáveis: a) nas lesões ocorridas até a data da publicação da EC nº 45/2004, em 31.12.2004, aplica-se a prescrição civilista, observado, inclusive, o critério de adequação de prazos fixado no art. 2.028 do CCB/2002. Ressalva do Relator que entende aplicável o prazo do art. 7º, XXIX, CF, caso mais favorável (caput do art. 7º, CF); b) nas lesões ocorridas após a EC nº 45/2004 (31.12.2004), aplica-se a regra geral trabalhista do art. 7º, XXIX, CF/88. Frise-se que a prescrição é instituto jurídico que solapa direitos assegurados na ordem jurídica, inclusive oriundos da Constituição, ao lhes suprimir a exigibilidade judicial. O seu caráter drástico e, às vezes, até mesmo injusto, não permite que sofra qualquer interpretação ampliativa. Desse modo, qualquer regra nova acerca da prescrição, que acentue sua lâmina mitigadora de direitos, deve ser interpretada com restrições. Em consequência, a regra prescricional mais gravosa só produzirá efeitos a partir do início de sua eficácia, não prejudicando, de modo algum, situações fático-jurídicas anteriores. Ademais, em se tratando de acidente de trabalho e doença ocupacional, pacificou a jurisprudência que o termo inicial da prescrição (actio nata) dá-se da ciência inequívoca do trabalhador no tocante à extensão do dano (Súmula 278/STJ). Existem precedentes nesta Corte no sentido de que, se o obreiro se aposenta por invalidez, é daí que se inicia a contagem do prazo prescricional, pois somente esse fato possibilita a ele aferir a real dimensão do malefício sofrido. Por coerência com essa ideia, se acontecer o inverso e o empregado for considerado apto a retornar ao trabalho, será da ciência do restabelecimento total ou parcial da saúde que começará a correr o prazo prescricional. Na hipótese, o Regional consignou que o Reclamante sofreu o acidente em 17/5/1999, percebeu auxílio doença acidentário entre 2/6/1999 e 14/12/1999 e foi dispensado em 3/6/2003, quando ainda estavam presentes as sequelas oriundas do acidente. Tendo sido a ação ajuizada em 26/01/2005, não foi ultrapassado o prazo prescricional. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. (TST – RR 139100-08.2005.5.09.0005 – Terceira Turma; julgado em 21/11/2012, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado)

"RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. PRESCRIÇÃO DE NATUREZA TRABALHISTA. DANOS MORAL E MATERIAL DECORRENTES DE DOENÇA OCUPACIONAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ EM 26/02/2002 E AJUIZAMENTO DA AÇÃO EM 26/02/2007. Discute-se o marco prescricional para pleitear direito à indenização por danos moral e material, decorrente de doença profissional, equiparada a acidente de trabalho, ocorrida antes da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004... Sabe-se que o direito positivo pátrio alberga a teoria da actio nata para identificar o marco inicial da prescrição. Com efeito, a contagem somente tem início, em se tratando de acidente de trabalho e doença ocupacional a partir do momento em que o empregado tem ciência inequívoca da incapacidade laborativa ou do resultado gravoso para a saúde física e/ou mental, e não simplesmente do surgimento da doença ou de seu agravamento, nem mesmo do afastamento. É que não se poderia exigir da vítima o ajuizamento da ação quando ainda persistiam dúvidas acerca da doença e sua extensão, a possibilidade de restabelecimento ou de agravamento. Assim, o março inicial para a contagem do prazo prescricional é a aposentadoria por invalidez, pois, a partir daí, houve a confirmação da incapacidade laborativa. Logo, se a aposentadoria por invalidez ocorreu em 26/02/2002, o quinquídio se encerrou no exato dia do ajuizamento da ação, ou seja, em 26/02/2007, não se operando a prescrição, conforme entendimento adotado pela Turma de origem. Precedentes: E-ED-RR-52341-40.2006.5.18.0010; E-RR-29400-70.2006.5.04.0662. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-RR-16500-03.2007.5.13.0005, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT de 2/3/2012).

DANO MORAL. "LISTA NEGRA". PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. Ao contrário do que aduz a parte, a egrégia Corte Regional aplicou ao caso a prescrição trabalhista, prevista no artigo 7º, XXXIX, da Constituição Federal, e não a prescrição civil, razão pela qual tal argumentação mostra-se inócua. Por outro lado, acerca do termo inicial do dano moral trabalhista, esta Corte pacificou entendimento de que a contagem do prazo prescricional se inicia com a data em que ocorreu o dano ou aquela em que o empregado teve ciência inequívoca da lesão. No presente caso, a egrégia Corte, com base na análise do suporte fático probatório produzido nos autos, em especial, na prova testemunhal, consignou que a reclamante somente tomou conhecimento da "existência da lista em outubro/2009, por comentários de terceiros, embora seu nome tenha sido inserido em 02.07.1996." Tal suporte fático, é imutável pelo que dispõe a Súmula nº 126.

Assim, tendo a reclamação sido apresentada em 16.04.2010, não há falar em prescrição. (TST - RR-577-73.2010.5.09.0091 – Quinta Turma; julgado em 12/12/2012, Rel. Min. Caputo Bastos).

É importante registrar, por fim, que cabe ao interessado – in casu, o empregador – demonstrar que teve ciência inequívoca da lesão patrimonial em momento posterior ao término do contrato. A presunção milita em desfavor do empresário no caso hipotético sob enfoque.

No entanto, uma vez comprovado nos autos da demanda reparatória que o conhecimento dos fatos ocorreu em momento posterior à rescisão contratual, o prazo prescricional deve ser contado a partir do nascimento da pretensão reparatória do direito subjetivo violado, ou seja, quando a empresa tomou ciência do desvio de valores de sua titularidade.

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1 PRESCRIÇÃO. DANO MORAL E MATERIAL TRABALHISTA. 1. O prazo de prescrição do direito de ação de reparação por dano moral e material trabalhista é o previsto no Código Civil. 2. À Justiça do Trabalho não se antepõe qualquer obstáculo para que aplique prazos prescricionais diversos dos previstos nas leis trabalhistas, podendo valer-se das normas do Código Civil e da legislação esparsa. 3. De outro lado, embora o dano moral trabalhista encontre matizes específicos no Direito do Trabalho, a indenização propriamente dita resulta de normas de Direito Civil, ostentando, portanto, natureza de crédito não trabalhista. 4. Por fim, a prescrição é um instituto de direito material e, portanto, não há como olvidar a inarredável vinculação entre a sede normativa da pretensão de direito material e as normas que regem o respectivo prazo prescricional. 5. Recurso de revista conhecido e provido. TST – RR 816.544/01.4 – Primeira Turma, julgado em 10/05/2006, DJ 16/06/2006, Rel. Min. João Orestes Dalazen. (precedentes RR-670/2004-002-17-00.8, RR-1261/2003-202-04-40.0, RR-1162/2002-014-03-00.1).

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* Renato Melquíades de Araújo é advogado do escritório Martorelli Advogados

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