Em sua mais recente obra “Justiça para Ouriços” (nov./2012, Almedina, PT), Ronald Dworkin sustenta que “aquilo que a verdade é, o que a vida significa, o que a moral requer e o que a justiça exige são aspectos diferentes de uma mesma grande questão”, ou seja, o valor em todas as suas formas.
Dworkin defende, então, uma antiga e majestática tese filosófica, a da unidade do valor, e o valor como uma coisa importante, a tanto os valores morais e éticos serem interdependentes, a propor um modo de vida. Diz-nos que “a verdade sobre viver bem e ser bom e acerca daquilo que é excelente é não só coerente, como também assume um caráter de apoio mutuo...”.
Este credo preambular remete-nos à ideia exata da família, como valor em unidade, considerada em seus atores e por seus múltiplos arranjos, a saber que toda família bem sucedida significa, antes de mais, dignidade e respeito próprio, “condições indispensáveis para viver bem”, e neste sentido, figurando essenciais a responsabilidade moral, como convicção de dever ao agir responsável em conformidade (integridade), o interesse fundamental de longo prazo de satisfatividade (realização) e um projeto de vida familiar suficiente estruturante de concreção unitária, por definição de atuações recíprocas (afetividade).
Em menos palavras, família compreende valores e responsabilidades, deveres éticos de vida e obrigação de ser feliz, por exigências de unidade. Basta que aprendamos “lançar um olhar permanentemente positivo pela janela da vida”, para a felicidade ser aprendida, cultuando-se a família como o abrigo natural do homem e de cada um (proteção).
Bem por isso, refletindo as famílias, neste ano que findou, a guisa de retrospectiva, tenham-se como ilustrações convincentes, alguns valores dominantes, como os de proteção, de afetividade, e de verdade.
Significativo do valor proteção (assistência) foi o fato de pessoas condenadas com filhos menores de 18 anos, ou com alguma deficiência (neste caso, em qualquer faixa etária), mulheres com um quarto da pena cumprido e homens com um terço, e bom comportamento, adquirirem direito ao indulto neste Natal. Esta nova regra adicionada ao instituto do indulto natalino, em decreto presidencial de nº 7.873, de 26.12.2012, equivalente ao perdão, consolida o cenário jurídico das famílias no ano passado. Foi um ano de importantes avanços no Direito das Famílias, nomeadamente pela doutrina e pela experiência jurisprudencial aplicada.
No plano do valor afetividade (ou socioafetividade), ante a relevância jurídica dos novos arranjos familiares, o mosaico familiar detectou a riqueza humana de fatos singulares, bastando citar:
(i) o fato divulgado de “família expandida atípica”, onde o casal recomposto em sua origem, reúne aos seus filhos, o filho do marido que durante a breve separação intercorrente nasceu de um namoro rápido e mais a irmã, também filha daquela namorada de ocasião que ela tivera com outro homem, depois que daquele separou-se. Irmãos não germanos, de três relações distintas, congregados em uma mesma família nuclear e primária, unidos por afinidades, antes de tudo afetivas, junto a uma mãe afetiva e receptora. No ponto, a aplicação prática do que trata o art. 1.611 do Código Civil. Com efeito, a família socioafetiva, e no particular a fraternidade socioafetiva, são novas instituições jurídicas que a doutrina e a jurisprudência consagraram, antes mesmo de a legislação dizer que sim.
(ii) processo judicial, em curso na justiça estadual, a tratar de hipótese de uniões plúrimas, onde a postulante do reconhecimento de união estável discute a existência da entidade familiar com aquele que em vida, tivera mantido, em simultâneo, o casamento com o cônjuge (art. 1.511, Código Civil), uma união concubinária com outra (art. 1.727, CC) e em terceira união concomitante, com ela demandante, quando, a seu turno, deteria ela união estável com outrem, em indicado caleidoscópio de famílias pluralizadas ou como, de referência doutrinária, um poliamorismo; que poderá ou não, afinal, constituir uma nova entidade familiar (?). No ponto, arranjos familiares atípicos, recepcionados sejam pela doutrina e/ou por julgados, estão a aguardar as suas correspondentes legitimações sociais;
(iii) os casamentos e as adoções verificadas tendo como protagonistas pessoas do mesmo gênero, realizados a partir de decisões judiciais; inclusive a que admitiu a adoção conjunta por irmãos, ao arrepio do parágrafo único do art. 1.617 do Código Civil e do art. 42 § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que impõem que os adotantes sejam casados ou conviventes (STJ - Recurso Especial nº 1.217.415-RS).
No mais, cumpre observar o valor verdade, quando recente decisão do Superior Tribunal de Justiça vem considerar que a despeito da socioafetividade existente, “a filiação desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos resultantes da filiação biológica”, não apenas pelo direito de acesso à verdade da origem genética, mas para todos os demais fins de direito, inclusive hereditários. No dizer do ministro relator Luis Felipe Salomão, ponderam-se os valores da paternidade socioafetiva sobre a biológica, em garantia dos direitos aos filhos, no melhor interesse da prole, do mesmo modo que os da paternidade biológica, em detrimento da socioafetiva, quando vindicado aquele estado pelo filho, certo que “a paternidade biológica gera necessariamente, uma responsabilidade não evanescente.” Esta decisão paradigma, poderá, sem dúvida, elucidar questionamentos que envolvam direitos sucessórios já auferidos em paternidades registrais, sem prejuízo das habilitações supervenientes em direitos sucessórios biológicos. Resta observar os influxos futuros de tal decisão, por inserções avançadas de seus fundamentos emblemáticos.
Enquanto no plano dos fatos, da doutrina e da jurisdição, as famílias tiveram, neste ano, significantes modelos de contribuição, a legislação não trouxe importantes regulações em direito de família.
Afora a lei 12.696, de 25 de julho, alterando os artigos 132, 134, 135 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, registre-se que a lei 12.662, de 05 de junho passado, ao assegurar a validade nacional à Declaração de Nascido Vivo – DNV, regulando sua expedição e alterando a lei de registros públicos (lei 6.015/73), ofereceu retrocesso na redação dada ao parágrafo 3º do art. 4º, ao tornar facultativa a nominação do pai do declarado nascido vivo, por não estimular a imputação imediata do pai, para fins da paternidade em futuro registro, como direito fundamental de personalidade, o do direito ao pai pelo nascido.
Em suma, a família continua uma experiência notável, a servir de inspiração aos operadores do direito e a todos os que consagram o amor em família.
Um novo ano feliz para a família brasileira e para a grande família que é a humanidade. Um 2013 não apenas diferente em seus quatro algarismos, desde então 1987, ao cabo dos últimos vinte e cinco anos. Diferente, também, pela afetividade que deve reunir e presidir a família em torno de todo o tempo novo de cada dia. Famílias como valores da unidade.
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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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