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Direito de Defesa

Duas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal dão destaque ao direito de defesa no processo-crime segundo o art. 5º, LV, da Constituição Federal.

14/10/2005


Direito de Defesa


Sérgio Roxo da Fonseca*


Duas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal dão destaque ao direito de defesa no processo-crime segundo o art. 5º, LV, da Constituição Federal.


O primeiro caso trata do ajuizamento de ação penal contra advogado dativo, que se retirou da sala de audiência, depois que o juiz da causa lhe negara o pedido de entrevistar-se isoladamente com o réu a quem a Justiça lhe incumbia gratuitamente defender.


O segundo caso tem como tema a nulidade do processo resultante da impossibilidade da administração transportar o réu preso para a sala de audiência na qual seriam ouvidas testemunhas de acusação.


No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal considerou que é prerrogativa profissional do advogado entrevistar-se isoladamente com seu cliente, ainda quando nomeado como defensor dativo. Não deferido o direito pelo juiz da causa, a retirada da sala de audiência não configura a prática do crime de desacato, por falta de elemento subjetivo, até mesmo porque quem exerce direito constitucionalmente reconhecido não pode ser acusado da prática de crime. Transcreve-se parte do julgado:


“A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra advogado dativo pela suposta prática do crime de desacato, decorrente de sua retirada voluntária da sala de audiências, em razão de ter sido indeferido, pelo juízo, seu requerimento pleiteando entrevista separada com seu cliente, que se encontra preso. Sustenta-se, na espécie, a ausência do elemento subjetivo do desacato, porquanto inexistente vontade de ofender ou de desrespeitar o magistrado, já que o paciente-impetrante apenas exercera prerrogativa profissional. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para trancar o procedimento, no que foi acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Carlos Britto. Entendeu que a conduta descrita não configura prática criminosa, mas sim preservação do exercício das prerrogativas de advogado, que não aceitara determinado patrocínio ante a imposição de atos por ele considerados inviabilizadores de sua profissão.Ressaltou, por outro lado, que ainda que se pudesse considerar como injuriosas determinadas expressões constantes da petição subscrita pelo paciente, estas deveriam ter sido riscadas ao invés de iniciada ação penal por desacato HC 86026 SP, rel. Min. Marco Aurélio, em 6.9.2005.


No segundo caso, o Ministro Celso de Mello considerou nula a oitiva de testemunha de acusação, ausente o réu preso, dada a impossibilidade administrativa de ser conduzido até a sala de audiência. Decidiu-se, com fundamento em sólido trabalho doutrinário, que ao réu preso é de ser reconhecido o direito de participar ativamente na audiência, inclusive para formular reperguntas à testemunha de acusação.Transcreve-se a ementa do julgado que é de 12.09.2005:“ A garantia constitucional da plenitude de defesa: uma das projeções concretizadoras do “due processo of law”. Caráter global e abrangente da função defensiva: defesa técnica e autodefesa (direito de audiência e direito de presença). Pacto internacional sobre direitos civis e políticos/ONU (art. 14, nº 3, “d”) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (art. 8º, parágrafo segundo, “d” e “f”).
Dever do Estado de assegurar ao réu preso, o exercício dessa prerrogativa essencial, especialmente a de comparecer à audiência de inquirição das testemunhas, ainda mais quando arroladas pelo Ministério Público. Razões de conveniência administrativa ou governamental não podem legitimar o desrespeito nem comprometer a eficácia e a observância dessa franquia constitucional. Doutrina. Precedentes. Medida cautelar deferida”. Trata-se do habeas corpus 86634 MC/RJ, cuja decisão ainda não foi publicada”.


A decisão revela o seguinte fundamento doutrinário: “Tenho sustentado, nesta Suprema Corte, com apoio em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 3/136, 10ª ed., 1987, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de Defesa”, p. 240, 1986, Forense; JAQUES DE CAMARGO PENTEADO, “Acusação, Defesa e Julgamento”, p. 261/262, item n. 17, e p. 276, item n. 18.3, 2001, Millennium; ADA PELLEGRINI GRINOVER, “Novas Tendências do Direito Processual”, p. 10, item n. 7, 1990, Forense Universitária; ANTONIO SCARANCE FERNANDES, “Processo Penal Constitucional”, p. 280/281, item n. 26.10, 3ª ed., 2003, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 189, item n. 7.2, 2ª ed., 2004, RT; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, p. 154/155, item n. 9, 1997, RT; VICENTE GRECO FILHO, “Tutela Constitucional das Liberdades”, p. 110, item n. 5, 1989, Saraiva; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Direito Processual Penal”, vol. 1/431-432, item n. 3, 1974, Coimbra Editora, v.g.), que o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório, sendo irrelevantes, para esse efeito, (...) as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que (...) alegações de mera conveniência administrativa não têm - e nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição” (RTJ 142/477-478, Rel. Min. CELSO DE MELLO).


Esse entendimento, embora minoritário neste Tribunal, tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) - de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ (“Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 132/133, item n. 5.1, 2002, Atlas): A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (...). Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (...). Na verdade, desdobra-se a autodefesa em ‘direito de audiência’ e em ‘direito de presença’, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (...), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum. Incensurável, por isso mesmo, sob tal perspectiva, a decisão desta Suprema Corte, de que foi Relator o eminente Ministro LEITÃO DE ABREU, em acórdão assim ementado (RTJ 79/110)”.


As questões examinadas pelo Supremo Tribunal Federal exatamente quando os meios de comunicação transmitem gravações, ainda que autorizadas, de clientes com seus advogados, ou mesmo quando acena-se com prisão preventiva ou temporária contra réus que, no exercício do seu direito constitucional, neguem-se a confessar em juízo ou fora dele.

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*Procurador de Justiça aposentado, professor das Faculdades de Direito UNESP/Franca e COC/Ribeirão Preto







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