Autoridade autoritária
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Esse discurso é lamentável. Além de equivocado, e parcial, revela bastante autoritarismo.
É equivocado porque, na verdade, sabe-se que, nas disputas judiciais entre o cidadão e o Estado, quem tem por hábito não só alongar desnecessariamente os processos, como descumprir decisões judiciais é o Poder Público. Além disso, muitas das ações propostas pelos cidadãos contra o Estado decorrem da edição de normas inconstitucionais ou do efetivo descumprimento da lei pela Administração.Impedi-los de propor ação quando assim entendam, equivale a afirmar a imprestabilidade do Poder Judiciário, já que somente o cidadão dele precisa para fazer valer seus direitos, pois os atos da Administração são, em regra, auto-executáveis.
Certamente, a autoridade judiciária que fez essa afirmação nunca deve ter precisado propor ação judicial para fazer valer nenhum direito seu em face do Poder Público. Se já o tivesse proposto e se submetido à longa demora do processo, contra a qual a parte pouco pode fazer, pois não é ela quem determina o ritmo do processo, mas sim o julgador, certamente dita autoridade não teria ousado fazer afirmação semelhante. Propor ação judicial sem qualquer expectativa de êxito, mais do que uma aventura, é quase um masoquismo: são muitos os gastos com custas processuais, pagamento de honorários a advogado, sendo ainda de se considerar o estresse psicológico pela incerteza do resultado final do processo. E os inúmeros cidadãos que decidem se socorrer do Poder Judiciário, muito provavelmente, não estão atacados por esse masoquismo. É certo que existem aqueles que se aproveitam da demora processual, para protelar o cumprimento de uma obrigação.Mas, contra essas pessoas, entre as quais se incluem principalmente os próprios representantes do Poder Público, existem normas processuais que prevêem a aplicação de penas pelo julgador.
Na verdade, a opinião dessa autoridade judicial apenas demonstra um preconceito contra as demandas do cidadão contra o Estado, algo que não deveria estar presente em quem, por imposição de seu ofício, deveria ser imparcial.Apesar de certamente se considerar pessoa muito justa, talvez ela não tenha refletido sobre a similitude de seu pensamento com o dos militares à época do regime militar: o dito, o feito do Estado é que está correto, aqueles que ousam contestá-lo são meros aventureiros, pessoas que se consideram “com muito direito”.
Eh... Não adianta mudar Constituição, nem elaborar Instituições democráticas, como deve ser o Poder Judiciário atual, se alguns de seus membros mantém um raciocínio sempre “pró-Estado”. A grande esperança é que existem muitos julgadores sensíveis à realidade brasileira, à falida política nacional, na qual no discurso, vive-se num país em que o Estado protege o cidadão e ajuda a iniciativa privada a se desenvolver, mas que, na prática, é o cidadão que, apesar do Estado, consegue se desenvolver. E a esses julgadores é que vai o meu apelo: mantenham-se firmes em seus posicionamentos, pois a sociedade e o meio jurídico reconhecem seus esforços, sendo daí que vem a desejada legitimidade do Poder Judiciário.
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*Advogada em Fortaleza/CE e membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários - ICET e da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE
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