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Automação, julgamento eletrônico e inteligência artificial

Há uma dissociação dos princípios constitucionais e a prática diuturna da prestação jurisdicional. As metas de produtividade do Judiciário são estabelecidas sem antes realizar um levantamento sistemático de causas e simplesmente impõem aos magistrados um dever sem meios para consecução do propósito.

27/11/2012

1. Introdução necessária

A crise de morosidade, produtividade e autenticidade dos julgamentos do Poder Judiciário é vivenciada pelas partes e pelos operadores do direito, por vezes não tem enfrentamento em algumas das variáveis intervenientes que deveriam preponderar para atender princípios constitucionais, pronta prestação, aumento da produtividade e autenticidade de autoria.

Se desde muito tempo são raros os pensadores capazes de criar passagens entre as áreas mais especializadas das ciências humanas e da filosofia, ainda mais raros são aqueles que, ao fazê-lo, podem reconstruir o fundo das contribuições de cada uma delas, rearticulá-las com um propósito sistemático e, ao mesmo tempo, fazer jus às suas especificações, conforme advertem Ianni Segatto e outros.1

Pensar crises e soluções para o processo eletrônico, na realidade cotidiana do Poder Judiciário não se trata de um simples fôlego enciclopédico diante da especialização extrema do conhecimento aplicável. Mapear unidade na multiplicidade das vozes das ciências particulares, corresponde, direta ou indiretamente, um passo na elaboração de uma teoria capaz de apresentar, com qualificação conceitual, um diagnóstico crítico do tempo presente. Portanto, o inicial ensaio que apresento, tem em si o risco no decorrer de se alterar, às vezes incisiva e mesmo abruptamente, com frequência por deslocamentos de ênfase; porém, o seu propósito é sempre o mesmo: reconhecer na realidade das crises da morosidade, produtividade e autenticidade a adequação da prestação jurisdicional diante das novas tecnologias e possibilidades no processo eletrônico.

É, sem dúvida, um risco, um risco posto que o propósito de realizar um diagnóstico crítico do tempo presente se submete a uma atualização permanente em virtude das transformações históricas, quer em razão da capacidade alterada do observador, quer diante das novas tecnologias que se apresentam diariamente. Contudo, se em cada diagnóstico atualizado é possível entrever uma crítica ao modelo teórico anterior, há pretensão de defender uma conclusão transitória que deve ser aperfeiçoada ao longo da história.

A perspectiva no corte epistemológico é de um operador do direito com mais de vinte e sete anos de experiência como magistrado, preocupado, sempre, com a qualidade da prestação jurisdicional e as possibilidades de automação inclusive do julgamento.

Com o aquecimento da economia multiplicaram-se as demandas, com a informação instantânea da internet, a sociedade passou a gerir seus negócios, interesses e múltiplas relações diante de uma dinâmica dissociada do processo escrito e impresso, lento, hoje praticamente catatônico.

2. O Poder Judiciário e as metas

Concomitantemente com o XV Encontro Ibero Latino-americano de Governo Eletrônico e Inclusão Digital ocorre o VI Encontro do Judiciário o qual, ao final, com o Conselho Nacional de Justiça os Presidentes dos Tribunais irão fixar as novas Metas do Judiciário para 2013.

Fixar metas é importante para qualquer instituição, mas quando definidas sem a participação daqueles que têm a tarefa de implementá-las não produzem os resultados pretendidos, inclusive porque muitas não são factíveis. No processo de definição das Metas do Judiciário os juízes não são ouvidos e nem tampouco após a definição são consultados sobre a melhor forma de implementá-las.

Simplesmente, os dirigentes dos Tribunais e o CNJ as comunicam e, logo em seguida, passam a cobrá-las sem sequer verificar quais as necessidades e as condições de cumpri-las. Na verdade, não cumprem uma regra básica de administração: as metas definidas democraticamente são alcançadas com mais facilidade. E o serão porque os agentes da realização estarão afinados com os propósitos, além de conhecerem as complexidades e necessidades para execução.

Não são apresentados diagnósticos que demonstrem as razões pelas quais tais metas foram definidas, nem mesmo quais os aprimoramentos de sistemas, métodos e meios para atingí-las.

O reforço das ações de combate à improbidade administrativa foi a principal meta aprovada, na plenária de encerramento do VI Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Nesse sentido, presidentes de tribunais da Justiça Federal e da Justiça Estadual assumiram o compromisso de, até 31 de dezembro de 2013, identificar e julgar as ações de improbidade administrativa e ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública distribuídas até 31 de dezembro de 2011.

Os participantes do encontro, que representam todos os ramos do Judiciário, aprovaram também a realização de parcerias entre CNJ, tribunais de Justiça, tribunais federais, tribunais regionais eleitorais e tribunais de contas para o aperfeiçoamento e a alimentação do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa.

"O Brasil padece desse mal crônico, de avanço no erário e no patrimônio público. Temos o dever, no âmbito do Judiciário, de combater a improbidade, sonhando com um Brasil que saberá rimar erário com sacrário, e isso depende de um Judiciário de excelência", afirmou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto. O conselheiro Carlos Alberto Reis de Paula, presidente da Comissão de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ, fez a apresentação das metas aprovadas no VI Encontro durante a reunião plenária. "Em nome do CNJ, reafirmo minha confiança em uma Justiça melhor", afirmou o conselheiro.

Ainda com o objetivo de garantir a correta aplicação dos recursos públicos, os participantes do evento se comprometeram a fortalecer as unidades de Controle Interno dos tribunais. Além disso, aprovaram a meta de desenvolver, nacionalmente, sistemas efetivos de licitação e contratos. Essa é a primeira vez que os presidentes de tribunais fixam metas relativas ao combate à improbidade administrativa.

Foram aprovadas também metas de melhoria da gestão estratégia dos tribunais. Os representantes da Justiça do Trabalho, por exemplo, aprovaram a recomendação de se elaborar e implantar plano de comunicação da estratégia. A Justiça Eleitoral, por sua vez, comprometeu-se a engajar todos os servidores no esforço de aprimoramento da gestão. Já a Justiça Eleitoral assumiu o compromisso de garantir a estrutura mínima das unidades de planejamento para atendimento às demandas existentes.

Os representantes da Justiça Militar aprovaram a meta de elaborar planos de aquisição integrados à gestão estratégica. Além disso, assumiram o compromisso de executar plano de comunicação da estratégia. Essas mesmas prioridades foram acordadas pelos presidentes dos tribunais de Justiça e dos tribunais da Justiça Federal. Outra meta, aprovada por todos os ramos da Justiça, é a regulamentação, pelo CNJ, da Política de Comunicação do Poder Judiciário.

Parece que antes de estabelecer diagnósticos e estratégias, desde logo estabelecida a meta, sem apresentar, ao menos, indicativos de quais seriam os fatores que levam a morosidade no julgamento de tais processos.

As metas de produtividade são estabelecidas sem antes realizar um levantamento sistemático de causas e simplesmente impõem aos magistrados um dever sem meios para consecução do propósito.

Aparentemente seria uma alteração de rota, deixando outros feitos nos escaninhos das secretarias enquanto rapidamente são decididas questões atinentes a improbidade administrativa. Entretanto, não é assim, é que mês a mês são apresentados relatórios de produtividade dos magistrados, que não pode mais do que 90 dias permanecer com os autos para julgamento em segunda instância.

3. Automação e celeridade

Se de um lado o embrionário processo eletrônico já instalado e em operação conduz celeridade ao procedimento, por evidente desborda no aumento de feitos que se apresentam para julgamento concomitantemente, quer em primeira instância, quer em segunda instância.

Há uma dissociação dos princípios constitucionais e a prática diuturna da prestação jurisdicional. A ausência de estudos e fóruns de discussão de alternativas para a solução do acúmulo de procedimentos pendentes para julgamento em primeira e em segunda instância tem conduzido a uma pratica de aumentar o número de assessores e estagiários junto às cortes e a criação de semelhantes cargos em primeira instância.

Inicialmente em segunda instância o gabinete do desembargador mantem quatro cargos de assessor em comissão de dois padrões de remuneração diferentes e três estagiários, inclusive de pós-graduação. Recentemente implementados um cargo de assessor de juiz em comissão e um estagiário.

A latere é de ficar registrado que o cargo em comissão conduz a muito mais efetividade do que um funcionário de carreira, a ausência da estabilidade implica que os que ocupam cargos em comissão tenham uma produtividade muito, mas muito superior a dos funcionários de carreira. Produzimos um texto a respeito comparando a produtividade dos cargos em comissão em relação aos funcionários efetivos e constatamos que os gabinetes de desembargadores com demanda em atraso são aqueles com maior número de funcionários de carreira. Além do que um cargo em comissão tem a remuneração três a quatro vezes inferior a do de carreira.

4. A autenticidade e a segurança do julgamento

A presença de tantos assessores e estagiários conduz a reflexão se são os desembargadores e os juízes que efetivamente julgam os processos...

Não se trata de discutir apenas a competência (no sentido de conhecimento) dos assessores e estagiários apenas, mas sim, e sobretudo, da questão que o Poder Judiciário estar organizado e consolidado diante do princípio constitucional do juiz natural que é, ao menos, um juiz, e não o julgamento por estagiários e assessores.

Singela divagação pela internet induz a encontrar o reconhecimento por ministro de corte superior de que repassa orientações a seus assessores e humanamente não tem condições de se certificar se o assessor efetivamente elaborou a minuta de voto diante da orientação transmitida.

Registro testemunho que, a exemplo, em meu gabinete realizo processo seletivo para o cargo de assessor, como de resto os demais pares o fazem, e constato que selecionados doutorandos em direito, são os que mais dificuldade tem de seguir um alinhamento diante de precedentes do STJ ou STF, pois diante da reflexão critica permanente da academia, confundem as teses e elucubrações com a realidade possível, causando falsas expectativas ao cidadão, quando é certo que o entendimento consolidado é que irá preponderar. E não se diga que o conhecimento dos doutorandos poderia oxigenar o pensamento dos tribunais, de fato isso também ocorre, mas há outras faces da mesma moeda e a experiência de décadas de magistratura conduz a entendimentos e raciocínios que somente o conhecimento e a experiência acumulados poderão conduzir a uma prestação jurisdicional de melhor qualidade.

De outro lado, o sigilo na elaboração da minuta do voto pode ser facilmente quebrado. É que praticamente a totalidade dos desembargadores, com o fito de aprimorar a prestação jurisdicional, discutindo com tempo e zelo a proposta, antes do julgamento remetem os autos ao revisor encaminhando desde logo a minuta do voto que irá apresentar em plenário, o que é feito também para o vogal.

O procedimento adotado para a remessa é por e-mail, e-mail que em regra é recebido pelo gabinete sem criptografia ou sigilo, razão pela qual um estagiário pode ler o voto e comentar com seus colegas de faculdade, o que, eventualmente, pode chegar a advogado interessado através de estagiário colega do primeiro.

Assim, um estudo de normas de segurança é urgente para que somente o revisor e o vogal tenham acesso à minuta do voto antes do julgamento, sem que aqueles que integram o gabinete do desembargador possam sabê-lo.

5. Julgamento eletrônico

As novas tecnologias, limites e possibilidades são desconhecidas da cúpula do Poder Judiciário. A possibilidade de uma revolução no procedimento e no processo, quer civil, penal ou trabalhista parece que ficará como página não escrita na história.

Há notícia que na Justiça do Trabalho há um esforço sincero para implementação de um software voltado aos interesses do magistrado para elaboração de seus julgados, que se arrasta e não veio à luz até o presente momento.

O desconhecimento das tecnologias, o temor do novo, a repulsa à ideia de inteligência artificial conduzem a um distanciamento da utilização dos meios possíveis e a realidade que se apresenta.

Há um arremedo de utilização de novas tecnologias o que, quando comparado com a utilização pela medicina é como se na medicina estivessem no Século XXV e no Poder Judiciário no Século XV.

Hoje um médico tem em seu laptop um software para realização de exames como eletrocardiograma, o que gerou o barateamento do exame e a possibilidade de salvar vidas. O exame de ultrassonografia: possibilidade constatar um aneurisma de septo, um exame de dopler possibilita que uma minúscula câmera vá até o coração da pessoa e constate a dimensão necessária para colocação de uma prótese, prótese que será colocada por catétere...

Estamos no Poder Judiciário no “control c”, copiar e colar, de pouca inteligência, com milhares de citações de precedentes, algumas vezes as ementas em dissonância com a fundamentação do precedente, o que, por certo não induz justiça no julgamento.

Há necessidade premente de um software que seja alimentado pelo magistrado, quer desembargador ou juiz, e que não fiquem assustados, alimentado é utilizado no sentido de que os conteúdos sejam elaborados por aquele que efetivamente deve julgar a causa, a partir de então os assessores e estagiário poderão utilizar para auxiliar na elaboração das minutas nas milhares de decisões repeti-as por determinação de assuntos.

O simples digitar de uma palavra como “dano moral” desdobra em itens como “prova”, “quantificação” etc.

Mas o conteúdo, quer as menções doutrinárias e jurisprudenciais terão um conteúdo com pré-apreciação do magistrado.

O sistema deve possibilitar que a simples menção de uma palavra conduza a apresentação de precedentes daquele relator, da câmara que integra, dos incidentes de uniformização da corte, das demais câmaras, do STJ e do STF.

É apenas um marco inicial, que pode em muito ser melhorado! Uma necessidade premente, que precisa apenas de vontade política para realização.

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1 Sobre a Constituição da Europa, Jürgen HABERMAS, Apresentação à edição brasileira, Editora UNESP : São Paulo.

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*J. S. Fagundes Cunha é desembargador do TJ/PR, pós-PhD em Direito pelo Centro de Estudos Sociais – CES da Universidade de Coimbra.





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