As ações de despejo, tratadas pela Lei do Inquilinato, obedecem o rito ordinário, assim como estabelece o artigo 59 da lei 8.245/19911. Vê-se que, ao contrário do que muitos pensam, a ação de despejo não possui rito especial, o rito é o ordinário do Código de Processo Civil (CPC). Existem, porém, algumas possibilidades trazidas pela Lei do Inquilinato que tornam o trâmite dessas ações, em um primeiro momento, mais célere, como, por exemplo, a não suspensão dos processos durante o período de férias forenses2, o pedido liminar de caráter objetivo, a prestação de caução, a purga da mora, a audiência de justificação prévia e a não aplicabilidade do efeito suspensivo aos recursos interpostos contra as sentenças (inciso V do artigo 58 da lei 8.245/1991).
A Lei do Inquilinato, que chegou em 1991, não demonstrou preocupação com a efetividade da celeridade processual e, após vários debates e sabendo da necessidade de reequilibrar a relação entre locador e locatário ante a menor proteção do Estado para com o locador, surgiu, em 2009, a lei 12.112. A principal mudança, que já era esperada há muito tempo, foi a inserção de quatro novas situações para concessão de liminar de caráter objetivo. A lei 8.245/1991 trazia em seu bojo cinco situações, tendo, a nova lei, introduzido outras quatro, dentre elas duas situações que merecem destaque, a concessão de liminar após o término do prazo notificatório quando o contrato estiver vigorando por prazo indeterminado (denúncia imotivada) e a concessão de liminar no caso de falta de pagamento e acessórios da locação estando o contrato desprovido de garantia, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela3.
Sem dúvida de que o inciso IX da nova lei, que, frise-se, prevê a concessão de liminar em ação de despejo por falta de pagamento quando o contrato estiver desprovido das garantias do artigo 37, foi um avanço, mas lento, pois a hipótese é a mais importante e temerária por parte dos locadores para desocupação imediata do espaço. Aliás, depois de um cochilo do legislador - não ter incluído tal previsão no texto original de 1991 -, esperava-se maior presteza e efetividade do legislativo, o que não ocorreu.
Com a ausência de um dispositivo mais forte para os casos de inadimplemento por falta de pagamento, continuam as discussões acerca da possibilidade de concessão da tutela prevista no artigo 273 do CPC.
Afinal, as situações elencadas no artigo 59 que determinam o deferimento de liminar em caráter objetivo é taxativa? A lei especial (lei 8.245/1991) exclui a possibilidade de concessão de tutela jurisdicional de caráter subjetivo, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil (CPC)?
Há quem entenda que a lista do artigo 59, §1º, da lei 8.245/1991 é taxativa4, não cabendo tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC, mesmo mediante comprovação do fumus boni iuris e periculum in mora. Entretanto, o Judiciário já vem, há um bom tempo, se curvando e admitindo a concessão de tutela antecipada em ação de despejo por falta de pagamento, mesmo não estando o contrato desprovido das espécies de garantias previstas no artigo 37 da Lei nº. 8.245/1991. É o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, em decisão recente, entendeu pela concessão de tutela em ação de despejo por falta de pagamento, tendo o Tribunal sustentado que, naquele caso prático, a falta de pagamento dos locatícios desde 2008 era motivo suficiente para deferir a medida ante a demonstração do risco do dano irreparável, não sendo o óbice da irreversibilidade suficiente para o não deferimento da pretensão antecipatória, em face do disposto na parte final do artigo 64, §2º, da lei 8.245/19915.
Da mesma forma é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo: “[...] Agravo de instrumento contra a decisão que nos autos da ação de despejo cumulada com cobrança, deferiu a antecipação da tutela e determinou a desocupação voluntária do imóvel em 15 dias, a contar da ciência do locatário. Falta de pagamento dos aluguéis. Possibilidade da antecipação da tutela em ação de despejo. Lei nova de natureza processual alcança o processo em curso. Presentes os requisitos para a concessão de antecipação de tutela. Falta de pagamento dos aluguéis e desinteresse pela purgação da mora. Irregularidade do imóvel constatada pela Prefeitura que não prejudicou a posse do locatário. Decisão mantida. Recurso não provido. [...] 6
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, já se manifestou, em sua obra, acerca da possibilidade de concessão de tutela nas ações de despejo quando o direito estiver em estado de periclitação. Ele assevera que “Observada a ressalva anterior de que fora desses casos a evidência, em princípio, não autoriza a tutela antecipada, mister assentar que há casos de direito em estado de periclitação que reclamam a tutela antecipada de segurança e que escapam à letra do artigo 59 da Lei (“in Tutela Antecipada e Locações”, 2ª Edição, pág. 134, Ed. Destaque, Rio de Janeiro, RJ, 1996)”.
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não é diferente: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com abalizada doutrina, tem se posicionado no sentido de que, presentes os pressupostos legais do art. 273 do CPC, é possível a concessão de tutela antecipada mesmo nas ações de despejo cuja causa de pedir não estejam elencadas no art. 59, § 1º, da lei 8.245/91”.7
Vê-se que os Tribunais - na ausência de dispositivo de lei mais severo que admita a retomada da posse de forma mais rápida nos casos de inadimplência dos contratos de locação com garantia, o que os tornaria mais equilibrados resgatando a confiança dos investidores -, têm-se posicionado, mesmo que lentamente, no sentido de acolher pedido de tutela antecipada de caráter subjetivo.
Portanto, resta demonstrado ser cabível pedido de tutela antecipada em ação de despejo por falta de pagamento, porém ainda há uma certa resistência por parte da Doutrina e da Jurisprudência no que se refere ao deferimento da medida antecipatória, merecendo a Lei do Inquilinato uma nova análise no que se refere a inserção de medida liminar de caráter objetivo para despejar o espaço em caso de inadimplência superior a determinado período. Não nos parece razoável que o locador tenha que ingressar em Juízo objetivando a retomada de um espaço em razão da inadimplência e só ter uma sentença executável (sentença decretando o despejo sem efeito suspensivo), às vezes, em período superior a 2 (dois) anos. E não bastasse a demora, pode ainda o locador ficar a míngua ao final, uma vez que, o locatário e os fiadores, não raro, deixam o imóvel sem quitar o débito.
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1 Lei nº. 8.245/1991. Art. 59. Com as modificações constantes deste Capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
2 Lei nº. 8.245/1991. Art. 58. Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias, observar-se-á o seguinte:
I – os processos tramitam durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas;
3 Lei nº. 8.245/1991. Art. 59. Com as modificações constantes deste Capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
§ 1º Conceder - se - á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:
I - o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo
mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento;
II - o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;
III - o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;
IV - a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;
V - a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário.
VI – o disposto no inciso IV do art. 9o, havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las; (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada; (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
2º Qualquer que seja o fundamento da ação dar - se - á ciência do pedido aos sublocatários, que poderão intervir no processo como assistentes.
§ 3o No caso do inciso IX do § 1o deste artigo, poderá o locatário evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos, na forma prevista no inciso II do art. 62. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
4 Venosa, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada. Doutrina e Prática. 10ª Edição. São Paulo. Editora Atlas, 2010, p. 270.
5 15ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento em Ação de Despejo por Falta de Pagamento nº. 45159- 39.2012.8.21.7000. Relator Vicente Barroco de Vasconcellos. Decisão em 7.2.2012
6 TJ/SP. 26ª Câmara de Direito Privado. Agravo de Instrumento nº. 0504050-66.2010.8.26.0000. Rel. Des. Carlos Alberto Garbi. Publicação 26.1.2011
7 STJ. Quinta Turma. REsp nº. 702205/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Publicação 9.10.2006
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* Ezequiel Frandoloso é
advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados___________