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O crescimento da alienação do potencial construtivo

A transferência de potencial construtivo é um mecanismo criado na legislação municipal, entre outras finalidades, para estimular a preservação do patrimônio histórico edificado.

8/11/2012

A Outorga Onerosa do Direito de Construir, também conhecida como “solo criado” e como “potencial construtivo” é a concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique em outro imóvel próprio ou de terceiro, metragem acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante a contrapartida do pagamento pelo beneficiário.

A concepção do solo criado ou potencial construtivo está ligada à fixação de um coeficiente de aproveitamento básico para todos os terrenos do município. O coeficiente de aproveitamento básico é um índice que indica o quanto pode ser construído no lote sem que implique em sobrecarga de infraestrutura para o poder público. Normalmente esse coeficiente é igual a 1 (um), significando que o proprietário poderá edificar uma área igual a área do terreno.

Caso o proprietário pretenda edificar uma área maior que a autorizada através do coeficiente básico, ele poderá “comprar” o direito de construir uma área maior. A área total a ser construída deverá estar abaixo da estipulada pelo coeficiente máximo de aproveitamento para a região. Desta forma, a área máxima a ser outorgada, ou seja, potencial construtivo ou solo criado deverá ser equivalente à diferença entre o coeficiente básico e o coeficiente máximo estipulado para a área pela legislação municipal.

A outorga onerosa do direito de construir tem sua origem a partir de discussões realizadas em Roma em 1971, quando especialistas da Comissão Econômica para a Europa, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) concluíram pela necessidade de dissociar o direito de edificar do direito de propriedade.

Na França em 1975 foi instituído o Teto Legal de Densidade, onde ficou estabelecido um limite legal para o direito de construir, sendo que além do limite, o direito de edificar subordina-se ao interesse da coletividade e o proprietário que quiser edificar acima dos limites estabelecidos terá que adquiri-lo mediante pagamento ao poder público.

Na Itália, em janeiro de 1977 foi instituído o direito de edificar mediante concessão onerosa, onde os recursos econômicos recebidos desta concessão seriam utilizados para restauração do patrimônio cultural imobiliário e outros programas públicos.

Já nos Estados Unidos o solo criado surgiu com o Plano de Chicago, denominado “Space Adrift” (Espaço Flutuante) e tal instituto vem sendo aplicado como mecanismo de transferir o solo criado para outros imóveis, para o fim de preservar o patrimônio histórico.

No Brasil a outorga onerosa do direito de construir se iniciou na década de 1970, sendo que em janeiro de 1975, técnicos do Centro de Estudos e Pesquisas em Administração Municipal – CEPAM – órgão vinculado à Secretaria do Interior do Estado de São Paulo, sugeriram publicamente sua utilização e posteriormente em dezembro de 1976 foi discutida e aprovada na “Carta de Embu”. A Carta de Embu estabelecia que o criador do solo criado deveria oferecer à coletividade as compensações para o reequilíbrio urbano necessário face a criação do solo adicional.

Em Curitiba, a figura da outorga onerosa aparece como Solo Criado – Lei Ordinária nº 7.420 de 16 de março de 1990 – cujo objetivo foi o de gerar recursos para financiar a habitação de interesse social. O valor pago é destinado para o Fundo Municipal de Habitação e empregado na compra de lotes ou na regularização fundiária.

A Constituição Federal, no artigo 21, XX, estabelece competência privativa da União para instituir diretrizes gerais de desenvolvimento urbano no país, o que abrange as políticas habitacionais, ambientais e de infra-estrutura.

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 10.07.2001 é a lei federal de desenvolvimento urbano que veio a regulamentar os instrumentos de política urbana a serem aplicados pela União, Estados e Municípios. Definiu e regulamentou o instituto da outorga onerosa do direito de construir que já vinha sendo praticado em várias cidades brasileiras.

Também definiu que o Município é o principal ente federado na execução da política urbana, de modo a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade de acordo com os critérios estabelecidos no Plano Diretor, sendo este o instrumento básico da política urbana, nos termos do § 1º do artigo 182 da Carta Magna.

A identificação das normas do Estatuto da Cidade como normas gerais tem por escopo a adequação destas normas aos princípios da Constituição Federal, enquanto que a aplicação pelos Municípios, de instrumentos como o Plano Diretor, previsto no Estatuto da Cidade, objetiva a efetivação destes princípios constitucionais, no âmbito municipal. Entre os princípios que norteiam o Estatuto da Cidade cumpre destacar o da função social da propriedade e o direito de construir.

O solo criado pode ser comercializado tanto pelo Poder Público quanto entre particulares. A finalidade do instituto é a regularização fundiária, serve para ordenar e direcionar a expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, criação de unidades de conservação e proteção de áreas de interesse ambiental e para proteção de áreas de interesse histórico, cultural e paisagístico.

O direito de construir depende de uma ordenação urbanística baseada no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de um município. O imóvel passa a ser entendido como instrumento de desenvolvimento das funções sociais da cidade e para a garantia do bem-estar dos seus habitantes, já que são estes os objetivos da política de desenvolvimento urbano, mencionado no caput do artigo 182 da Constituição Federal.

Em Curitiba, a Lei Nº 11.266 de 16 de Dezembro de 2004, que adequou o Plano Diretor ao Estatuto da Cidade, em seu Art. 59 definiu a outorga onerosa: “A outorga onerosa do direito de construir, também denominado solo criado, é a concessão emitida pelo Município, para edificar acima dos índices urbanísticos básicos estabelecidos de coeficiente de aproveitamento, número de pavimentos ou alteração de uso, e porte, mediante contrapartida financeira do setor privado, em áreas dotadas de infraestrutura”. Assim também o fez em relação à transferência do Potencial Construtivo, no Art. 65:“A transferência do direito de construir, também denominada transferência de potencial construtivo, é a autorização expedida pelo Município ao proprietário do imóvel urbano, privado ou público, para edificar em outro local, ou alienar mediante escritura pública, o potencial construtivo de determinado lote, para as seguintes finalidades: …”

A transferência de potencial construtivo é um mecanismo criado na legislação municipal, entre outras finalidades para estimular a preservação do patrimônio edificado da cidade, patrimônio histórico. Assim, a construção que, em tese, caberia no lote é “transferida” para outra área da cidade e, em troca, há o compromisso de restaurar e conservar o imóvel histórico. Com o benefício da transferência, o proprietário obtém autorização do Município para vender o potencial construtivo de imóvel histórico e, com isso, viabiliza recursos para as obras de restauro.

Em relação aos imóveis históricos, as normas de Curitiba estabeleceram uma dependência direta entre as duas pontas do processo: a transferência de potencial e a realização da obra. A autorização é fornecida após análise do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e da CAPC (Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural da Secretaria de Urbanismo). O proprietário da UIP (Unidade de Interesse de Preservação) poderá arrecadar antecipadamente o equivalente a 35 % do potencial recebido para iniciar o restauro. O cálculo do potencial é feito pelo IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e leva em conta o tamanho do terreno, o coeficiente da área onde ele está inserido – zona residencial ou setor estrutural, por exemplo – e a metragem da edificação antiga.

Para fazer uma nova transferência, no entanto, o proprietário fica condicionado à realização das obras na edificação e, na medida em que elas vão ocorrendo novas autorizações são dadas. O acompanhamento do restauro é feito pelo IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e pela CAPC (Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural da Secretaria de Urbanismo), que monitoram o processo também na outra ponta, o da transferência de potencial. A Transferência de Potencial construtivo deverá ser averbada perante os Cartórios de Registro de Imóveis, do imóvel que cede e do que recebe o potencial, conforme previsto na legislação municipal de Curitiba.

Numa criação jurídica o direito de construir foi dissociado do direito de propriedade, este último direito real imobiliário. Não há previsão expressa na Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, acerca do registro do potencial construtivo ou da outorga onerosa do direito de construir. No entanto, cabe aos municípios, através da legislação municipal, exigir a averbação desses institutos nas matrículas dos imóveis evolvidos com a transferência, até como mecanismo de controle de utilização dos imóveis.

Em relação ao mercado da outorga onerosa e do potencial construtivo em Curitiba, este tem se mostrado em franco crescimento conforme dados abaixo, mostrando a evolução desde o ano de 2007 até 2011, extraídos do site do Jornal de Londrina, em matéria divulgada em 04.04.2012. Observa-se que o Município de Curitiba comercializou diretamente a maior parte do que se denomina solo criado.

As operações entre particulares, denominadas transferência de potencial construtivo representam uma parte pequena no todo, mas por certo em muito auxiliam os proprietários de imóveis históricos, imóveis de interesse ambiental cuja utilização é restrita, bem como daqueles que tiveram parte de seus imóveis desapropriados e são beneficiados com a possibilidade de transferir o potencial construtivo dessas áreas. Também se beneficiam as pessoas que adquirem potencial construtivo, por vezes incrementando a utilização de terrenos em regiões da cidade cuja infraestrutura comporta tal aporte de área construída, bem como para aqueles que precisam ampliar sua edificação, mas já tem todo o coeficiente básico autorizado e utilizado.

O crescimento do mercado continuará em alta com o lançamento na Bolsa de Valores de títulos emitidos pelo Município de Curitiba, decorrentes de operação consorciada denominada Linha Verde.

Fonte: https://www.jornaldelondrina.com.br/edicaododia/conteudo.phtml?id=1240816

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* Josiclér Vieira Beckert Marcondes é advogada, sócia do escritório Katzwinkel & Advogados Associados, especialista em Direito Imobiliário

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