Migalhas de Peso

O combate à concorrência desleal é fundamental para o progresso do Brasil

A concorrência desleal extrapola o campo dos interesses particulares e traz reflexos negativos para o interesse público.

1/11/2012

A livre concorrência é um princípio que norteia um modelo de mercado no qual o governo intervém minimamente na atividade dos agentes econômicos, deixando que eles busquem maneiras de oferecer aos consumidores a melhor oferta. Essa liberdade de atuação conferida ao particular permite que o país desenvolva uma economia eficiente, mediante a proliferação de ideias que visem à criação ou ao aperfeiçoamento de produtos e serviços oferecidos ao consumo.

No entanto, esse conceito de liberdade concorrencial, que inclusive tem proteção expressa na nossa Constituição Federal, não pode ser confundido com uma atuação despojada de práticas comerciais leais e justas. Quando a prática comercial ultrapassa as regras básicas de ética e legalidade, temos o que se convencionou chamar de concorrência desleal.

A concorrência desleal extrapola o campo dos interesses particulares e traz reflexos negativos para o interesse público, já que é capaz de prejudicar não só os consumidores, mas também os agentes do mercado que atuam dentro da legalidade e, em última analise, o país, em razão da elevada incidência de sonegação fiscal.

Não é raro depararmo-nos com exemplos da prática de concorrência desleal, nas mais variadas atividades, como o que aconteceu no setor de bebidas, quando o Tribunal de Justiça de Santa Catarina verificou, nos autos da apelação cível n.º 98.006382-5, que os elementos que compunham a garrafa de determinada marca de rum, incluindo o seu logotipo e imagem comercial, eram suscetíveis de causar confusão com a mais famosa marca desse produto no âmbito nacional. Em sua argumentação, o Tribunal sustentou que a utilização das mesmas cores, marcas e rótulos semelhantes revela a clara intenção de confundir os consumidores.

O mesmo se diga com relação aos setores de vestuários e de mídias, famosos pelas constantes notícias de apreensão de produtos falsificados, vítimas também da concorrência desleal.

Além destes exemplos, diante das recentes apreensões da Polícia Federal e pronunciamentos do Judiciário, vale comentar sobre o setor de vendas de cigarros, igualmente conhecido por travar uma contínua batalha contra o mercado ilegal, seja contra os cigarros contrabandeados, os "cigarros falsificados", aqueles fabricados por empresas ilegais ou mesmo os que são vendidos em embalagens muito parecidas, senão idênticas às de marcas consolidadas no mercado.

O que se tem, ao final, é um produto sem qualquer controle sanitário, com consequências para seus consumidores, além de um desvio, ilegal, da clientela daquelas marcas alvo de imitações. Isso sem mencionar um sensível prejuízo ao governo, que deixa de arrecadar, anualmente, bilhões de reais em impostos sonegados.

O Brasil, porém, vem alcançando um significativo progresso na luta contra a concorrência desleal, com uma atuação mais severa das três esferas de poder. O Legislativo, com a criação de leis mais rígidas, o Executivo, com a intensificação de fiscalizações em empresas que adotam essas práticas lesivas ao mercado, e o Judiciário, que vem, dia após dia, proferindo decisões contrárias à falsificação, à adulteração e à imitação de produtos.

A propósito do tema, destacam-se: (i) os projetos de lei nº 308/20061, 162/20112 e 643/20113, ainda em trâmite, que tem por finalidade coibir a “concorrência parasitária”, a pirataria e o contrabando; (ii) o plano estratégico de fronteiras, lançado em julho de 2011, com o objetivo de aprimorar a fiscalização da entrada de produtos no país (do qual fazem parte as operações Sentinela e Ágata 1 e 2), e (iii) a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial nº 1.306.690, a qual determinou que um fabricante de sabonete mudasse a embalagem de um de seus produtos, para não ser confundido com a de outra marca. De acordo com a Corte Superior de Justiça, há manifesto interesse público na repressão de atos de concorrência desleal, porque a medida tem função reflexa de proteção ao consumidor.

Assim, o que se espera é que o governo continue desenvolvendo novas medidas e pondo em prática políticas públicas que, ao mesmo tempo, busquem proteger a livre concorrência e assegurem a repressão de práticas comerciais desleais, de maneira que, ao final, consumidor, empresas e o país saiam beneficiados.

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1 O texto, aprovado pelo Senado e atualmente na Câmara dos Deputados, altera a Lei nº 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, para coibir a concorrência parasitária.

2 O texto, aprovado em caráter terminativo pelo Senado e atualmente na Câmara dos Deputados, institui a Política Nacional de Combate à Pirataria de Produtos Submetidos à Vigilância Sanitária..

3 O texto, aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente no Senado, aprovado pela Câmara dos Deputados altera o Código Penal, separando e especificando a tipificação dos crimes de descaminho e contrabando. Além disso, prevê a aplicação da pena de 2 a 5 anos de reclusão para quem importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente.

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* Pedro Mansur é advogado da Souza Cruz, formado pela Universidade Cândido Mendes, pós-graduado Lato Sensu em Business (MBA) e em Litigation (L.LM), ambos pela Fundação Getulio Vargas. É Autor de artigos jurídicos e membro da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional do Rio de Janeiro

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