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Aplicação do Código Florestal de 2012: Judiciário paulista sai na frente

Desde logo, esse Tribunal permite a ilação de premissas de exegese, como a constitucionalidade do Código, a imediata aplicação de suas regras e a incidência sobre os feitos judiciais.

16/10/2012

O Código Florestal de 2012 (Lei 12.651, de 25.05.2012), no que tange à reserva legal1, trouxe significativas alterações favoráveis ao proprietário e ao possuidor, em relação ao Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/1965).

Começou por alterar a base de cálculo dos dois códigos anteriores (arts. 23, “caput” e <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="16, a">16, a, respectivamente), que faziam incidir o percentual sobre a área de vegetação existente, passando para o critério da extensão da propriedade (art. 12, “caput”).

Além disso, encerrando a polêmica sobre a existência ou não de direito adquirido para os imóveis entregues à exploração econômica em obediência à legislação da época, dispensou o proprietário e o possuidor de refazerem a reserva legal, em caso de gleba desmatada na conformidade com a lei do tempo (art. 68, “caput”), permitindo a prova dessa situação consolidada por meio de documentos, “tais como a descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos” (art. 68, § 1º).

Para os que desmataram ilegalmente, mas o fizeram antes de 22.07.2008, também permitiu que o cumprimento da reserva legal se dê mediante novidades favoráveis, tais como:

I) – A soma das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual da reserva legal (art. 15), cômputo esse aplicável “a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abrangendo tanto a regeneração, como a recomposição e ... a compensação” (art. 15, § 3º).

II) – O afastamento da intangibilidade conceitual de tal área, passando a admitir “a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável” (art. 17, § 1º).

III) – A determinação de que apenas para as “atividades em Área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2008”">2008” é que se obriga a “suspensão imediata das atividades” (art. 17, § 3º).

IV) – A regra de que se deve fazer o “registro da Reserva Legal no CAR” (Cadastro Ambiental Rural), com a dispensa de averbação no Cartório de Registro de Imóveis (art. 18, § 4º).

V) – A autorização de um leque de possibilidades para cumprir tal obrigação, quando devida (art. 66): I - recompor a reserva legal; II - permitir a regeneração natural da vegetação na respectiva área; III - compensar a reserva legal.

VI) – A possibilidade de ocorrência da compensação mediante substituição por outra gleba equivalente em área e localizada não mais na mesma microbacia, e sim “no mesmo bioma da área de Reserva Legal a ser compensada” (art. 66, § 6º, I e II).

VII) – O afastamento da regra prevista na lei anterior, de exclusividade de plantio de espécies nativas, mudada para a permissão do “plantio intercalado de espécies nativas e exóticas, em sistema agroflorestal”, podendo chegar o percentual de cada um desses grupos a cinquenta por cento (art. 66, I e II).

VIII) – A permissão para concluir a recomposição, a partir da lei, em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 (dois) anos, no mínimo 1/10 (um décimo) da área total necessária à sua complementação” (art. 66, § 2º).

IX) – Por fim, a permissão aos “proprietários ou possuidores do imóvel que optarem por recompor a Reserva Legal na forma dos §§ 2o e 3o, para que possam realizar sua exploração econômica” (art. 66, 4º).

Além disso, o novo Código Florestal fixou novos prazos para o cumprimento da reserva legal, a serem contados do início de vigência do novo Código: (i) à União, Estados e Distrito Federal, o prazo de até dois anos, a contar da publicação da lei, para “implantar Programas de Regularização Ambiental – PRAs” (art. 59, “caput”); (ii) ao interessado, o prazo de dois anos, após a implantação do PRA, para proceder à “inscrição do imóvel rural no CAR”, formalidade essa tida como “condição obrigatória para a adesão ao PRA” (art. 59, § 2º).

E determinou que, na fluência de tais prazos para cumprimento da reserva florestal legal, não deverá o produtor ou proprietário rural sofrer punição de espécie alguma (art. 59, §§ 4º e 5º).

Para sobressalto dos proprietários e possuidores, todavia, mesmo antes de entrar em vigor o Código Florestal de 2012, o Ministério Público do Estado de São Paulo, com pretenso supedâneo no art. 225 da Constituição Federal, no princípio da proibição de insuficiência e no princípio da vedação de retrocesso, manifestou sua posição a ele contrária, insistindo na inconstitucionalidade de qualquer lei que tenda a violar a proteção já estabelecida e tida como bastante ao meio ambiente, ou que seja menos restritiva do que a legislação revogada.

Os órgãos ambientais, por sua vez, muito embora sem reputar inconstitucional a nova lei, fixaram a orientação de que as ações civis públicas iniciadas sob a égide do Código Florestal de 1965 continuariam sendo tratadas pelas regras da legislação anterior.

O Poder Judiciário bandeirante, entretanto, fiel ao dístico do brasão da bandeira da capital paulista2 e com a tranquilidade de quem apenas acrescenta mais um item às tantas demonstrações anteriores de pioneirismo, sai na frente no que concerne à fixação de uma jurisprudência para o novo Código e permite, desde logo, a ilação das seguintes premissas de exegese: (i) o Código Florestal de 2012 é constitucional; (ii) suas regras devem ter imediata aplicação; (iii) na qualidade de direito superveniente, a nova lei deve incidir desde logo sobre os feitos judiciais, incluindo aqueles encontrados em curso na primeira ou na segunda instância, quando do início de sua vigência; (iv) isso, aliás, é previsão expressa dos arts. 303, I, 462 e 471, I, todos do Código de Processo Civil.

Apenas para exemplificar, alinham-se algumas decisões proferidas pela Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo neste alvorecer de vigência da nova lei, com diretrizes de extrema importância neste começo, quando ainda engatinha a jurisprudência nacional sobre o assunto:

I) – O regime jurídico da reserva legal se alterou com a superveniência do Código Florestal de 20123, e a nova lei, entrando em vigor na data de sua publicação, deve ter aplicação imediata4.

II) – A superveniência do novo direito acarreta a necessidade de consideração e de aplicação das novas disposições sobre o tema, mesmo em casos de tutela antecipada na vigência da lei revogada5.

III) – É tal a força desse entendimento, que até mesmo embargos de declaração interpostos contra acórdão proferido em apelação na vigência da lei anterior foram recebidos com caráter infringente, e na decisão colegiada que os julgou se reconheceu a necessidade de adequação do comando judicial aos termos da nova legislação6.

IV) – Com a prova de que de que a supressão da vegetação nativa respeitou os percentuais previstos pela legislação em vigor na época da supressão, o artigo 68 do novo Código Florestal desobriga os proprietários ou possuidores de promover a recomposição, compensação ou regeneração da área7.

V) – É de se afastar a obrigatoriedade de apresentação de projeto de instituição e demarcação da reserva legal ao órgão ambiental, mesmo que determinada por antecipação de tutela na vigência da lei anterior, sobretudo em atenção aos prazos concedidos pela nova lei8.

VI) – Também é de se confirmar a determinação da lei que entende pela desnecessidade de averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, junto ao Cartório de Registro de Imóveis9, bastando, em sua substituição, que se inscreva a reserva legal no CAR – Cadastro Ambiental Rural10.

VII) – É de se afastar, por fim, a aplicação dos prazos previstos pela legislação revogada para cumprimento da reserva legal, bem como a determinação para imediato início de recuperação da reserva florestal11.

Ora, reflexão oportuna sobre essa louvável postura da Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, neste início de vigência do Código Florestal de 2012, permite extrair as seguintes e importantes ilações:

I) – O que o Poder Judiciário paulista faz, com essas decisões, é trilhar o caminho da normal observância do Estado Democrático de Direito, respeitar o princípio constitucional da tripartição dos poderes e, assim, conferir regular aplicação à lei votada pelo Congresso Nacional, sem pretender espiolhar, em cada canto, hipotéticas inconstitucionalidades.

II) – Com esse proceder, ele também evita, desde logo, a hipertrofia de mais um indevido tentáculo para fora de seus domínios e de suas atribuições, e previne a ocorrência de mais um caso de ocupação ditatorial de espaço próprio do Legislativo por parte do Judiciário.

III) – Por fim, sem qualquer pretensão de exaurir esse rol, sabiamente, mesmo com o reconhecimento da existência de eventual tensão hermenêutica, o Judiciário paulista resolve a situação pela ponderação fundamentada e racional entre os valores conflitantes, ciente de que, como critério de solução, “em face dos princípios democráticos e da separação dos poderes, é ao Poder Legislativo que assiste a primazia no processo de ponderação, de modo que o Judiciário deve intervir apenas no caso de ausência ou desproporcionalidade da solução adotada pelo legislador”12.

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1 Fala-se aqui somente da reserva florestal legal, não apenas porque é um item significativo nas demandas judiciais, nos inquéritos civis e termos de ajustamento de conduta do Ministério Público, além dos expedientes que tramitam pelos órgãos ambientais, mas também porque é um instituto que, diversamente de outros, não sofreu vetos presidenciais nem mudanças por força da Medida Provisória 571, de 25.05.2012, e, assim, passados poucos meses de vigência da nova lei, já apresenta julgados suficientes para uma pequena análise de como se pode firmar a jurisprudência doravante.

2 “Non ducor, duco”. Ou seja: não sou conduzido, conduzo.

3 - Cf. TJSP – AI 0102752-36.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides Amaral Salles, j. 06.09.2012.

4 - Cf. TJSP – AP 0004101-92.2009.8.26.0575, Rel. Des. Antonio Celso Aguilar Cortez, j. 06.09.2012.

5 - Cf. TJSP – AI 0192756-22.2012, Rel. Des. Torres de Carvalho, j. 17.09.2012. Cf. também do mesmo relator e de mesma data – Cf. AI 0192754-52.2012.

6 - Cf. TJSP – ED 0001493-30.2002.8.26.0038/50000, Rel. Des. Ruy A. L. Cavalheiro, j. 06.09.2012.

7 - Cf. TJSP – AI 011382-65.2012.8.26.0000, j. 27.09.2012, rel. Des. Ruy A. L. Cavalheiro.

8 - Cf. TJSP – AI 0192756-22.2012, Rel. Des. Torres de Carvalho, j. 17.09.2012. Cf. também do mesmo relator e de mesma data – Cf. AI 0192754-52.2012.

9 - Cf. TJSP – AI 0102752-36.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides Amaral Salles, j. 06.09.2012.

10 - Cf. TJSP – AP 0009245-52.2009.8.26.0153, Rel. Des. Ruy A. L. Cavalheiro, j. 27.09.2012.

11 - Cf. TJSP – AP 0004101-92.2009.8.26.0575, Rel. Des. Antonio Celso Aguilar Cortez, j. 06.09.2012.

12 Cf. STJ – T2 – REsp 1285463/SP, j. 28.02.2012, DJe 06.03.2012, rel. Min. Humberto Martins.

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* José Maria da Costa é magistrado aposentado, mestre e doutorando em Direito Civil pela PUC-SP, advogado do Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa - Sociedade de Advogados

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